domingo, 22 de junho de 2014

[Copa] Vozes femininas

Costumo dizer que o futebol é um ambiente bastante retrógrado quando comparado ao avanço da sociedade. Outro dia foi a questão da tecnologia que adentrou nele após alguns anos de presença em torneios importantes de outros esportes. Entretanto, o ponto mais preocupante é na mentalidade arcaica de cartolas e uma série de ofensas preconceituosas que ocorrem nos estádios que acabaram sendo neutralizados com o tempo. E dentro desta mentalidade está a participação feminina.

Até aqui neste ano, tivemos: a contratação de uma técnica para um time de futebol da segunda divisão da França, o primeiro caso nas principais ligas europeias; uma assistente a subir para a mesma divisão, enquanto que no Brasil já tivemos até árbitras apintando em torneios nacionais e temos assistentes padrões FIFA, passando pelos mesmos testes dos homens; mas também dois casos de elogiar a beleza de uma assistente para contrapor seu trabalho em campo aqui no Brasil, com interpretações distintas para estes - com as quais discordo dos agentes envolvidos;...

Mas trago neste texto dois marcos para o jornalismo esportivo brasileiro que eu quase deixaria de passar batido nestes artigos que tentam ser alternativos às noticias diárias. Graças aos meus pais, relembrei que esta é a primeira Copa em que um jogo foi transmitido no Brasil por uma narradora de futebol. Aproveitando disso, minha memória resgatou também que é o primeiro mundial comentado por mulheres em TV.

RÁDIO
A Rádio Globo do Rio de Janeiro criou o concurso "Garota da Voz", que elegeria dentre as suas ouvintes uma mulher que pudesse narrar uma partida da Copa do Mundo. A escolhida, Renata Silveira, chegou até a participar do programa da Fátima Bernardes - que eu não vejo, mas meus pais viram e comentaram comigo hoje.

Eu acompanhei alguns momentos do concurso e estava interessado em ouvir a transmissão, que só ocorreria via web, mas até poucos dias antes da Copa não havia definição de qual jogo seria. Assim, resgato aqui a locução dos gols de Uruguai 1X3 Costa Rica, partida realizada no dia 14 de junho.



Até onde eu sei, Renata ficará apenas nesta partida. Vejam só o "cuidado", que representa o preconceito com a participação da mulher no futebol. Ela só pode narrar este jogo e ainda assim pela web, por se tratar do principal evento esportivo do mundo...

TV
Outro fato a recordar deste processo é que outras mulheres já narraram partidas de futebol, inclusive na televisão. Nos anos 1980, Claudete Troiano narrava partidas e era repórter da Rádio Mulher e foi a primeira a narrar uma partida em TV. Nos anos 1990, sob comando de Luciano do Valle, a Band criou um concurso para escolher uma narradora para os torneios de futebol feminino estimulados pela emissora, que ficou alguns anos no canal, mas sem espaço para jogos de homens.

Depois disso, até vemos apresentadoras em programas esportivos, repórteres acompanhando partidas - especialmente no último caso, ainda a se contar nos dedos, ainda mais no rádio. Como comentaristas, o espaço é mínimo, com destaque para a ex-zagueira da Seleção Juliana Cabral, que comentava partidas da equipe nacional na Band, desde que estivesse lesionada e quando se aposentou, e hoje é comentarista da Rádio Globo São Paulo, independente de que jogo seja.

A Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 marca a estreia de Renata Fan nos comentários. A apresentadora, que começou como auxiliar de Milton Neves na Record, foi conquistando espaço próprio, especialmente por mostrar que era preparada (formada em Jornalismo e é apaixonada por futebol), independente de beleza (foi Miss Brasil em 1999). Ainda assim, ela teve espaço apenas no Band Sports, começando seus trabalhos em México 1X0 Camarões, no dia 13 de junho - e o apenas para o canal da TV fechada do Grupo Bandeirantes também é por conta da audiência ser a menor dentre os 4 detentores dos direitos de transmissão do torneio na TV fechada.

Seguindo na TV fechada, só que um caso menos comentado, o Fox Sports 2 está apresentando equipes "alternativas" para os jogos da Copa do Mundo FIFA, apostando no tom informal. Mas, além disso, há uma inovação. Os comentários de Marília Ruiz, que chegou a fazer parte de mesas redondas, e de Ana Paula Oliveira, ex-assistente que já fora comentarista de arbitragem da Record. Neste caso também podemos apontar certo cuidado pois não se trata dos canais principais dos grupos, é justamente no canal "alternativo" da Fox aqui no Brasil.

Por fim, circulou a notícia esta semana que Fernanda Gentil poderia ser a aposta da Globo para 2018. Dado o seu sucesso com o público, ela poderia passar pelo processo de Alex Escobar e ser a primeira narradora de uma partida de Copa do Mundo, justamente na líder de audiência da TV aberta no Brasil. Isso também poderia ser reflexo da audiência da Globo neste mundial cuja maioria dos telespectadores é mulher (53%). O que seria algo surpreendente, vide os movimentos de concorrentes que teriam menos a perder com possível preconceito que há com a presença feminina no futebol.

Resta agora torcer para que o processo siga, já que é uma barreira estúpida, mas que demonstra o porquê, inclusive, das jogadoras da Seleção feminina sempre terem de reclamar da falta de apoio à modalidade no país. Por mais Martas, Claudetes, Renatas, Marílias e Anas Paulas com condições de mostrar seu trabalho neste país!

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