sábado, 28 de julho de 2012

Um dos dias mais difíceis da minha vida

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Nunca pensei em algo como o dia de hoje. Nestes mais de dezesseis meses aqui em São Leopoldo, mesmo nos últimos dois/três quando ele nos passou o que tinha, nunca passou na minha cabeça o dia de hoje. Acho até que só escrevo para poder desabafar tudo o que não pude no dia de hoje, porque tinha que ser forte, ou demonstrar isso pelo menos, para não abalar ainda mais colegas e amig@s num momento tão difícil, inacreditável e inimaginável.

A minha referência inicial para a Economia Política da Comunicação foi o professor César Ricardo Siqueira Bolaño, mas lembro ainda hoje que após o Colóquio Internacional realizado em Aracaju, ainda em 2007, ano em que me juntei aos amigos de várias gerações de Diretório Acadêmico da UFAL para estudar a EPC e apresentei o meu primeiro artigo, que fiquei mais impressionado com a palestra do professor Valério Cruz Brittos.

No ano seguinte um amigo, não ainda do nosso Núcleo de Estudos, mas do DAFN, veio à Unisinos se aventurar como bolsistas de iniciação científica e encontrou o Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Cepos) como um espaço para discussões que nós tínhamos no Movimento Estudantil na esfera acadêmica. Ele voltou e com muito trabalho realizamos um Seminário Nacional de EPC em Maceió, com as presenças de Valério Brittos, de Bruno Lima Rocha, José Marques de Mello, César Bolaño, dentre outros.

Foi lá que este amigo me perguntou se eu não toparia tentar a seleção do Mestrado na Unisinos. Nunca pensei em estudar em universidade particular, não gostava de coisas indicadas, sempre optei ralar mais para conseguir por mérito próprio, mesmo que isso seja imensamente mais difícil. A minha resposta inicial foi não, mas prometi pensar e dar uma resposta depois. Um mês depois e resolvi encarar, propor uma pesquisa com futebol e televisão na perspectiva da EPC.

Entrei em contato com o Valério por e-mail e desde então ele sempre foi solícito. Encontrei com ele na Ulepicc passada, também em Aracaju, e ele passou tudo sobre o tanto de trabalho que teria no Cepos caso fosse selecionado. E essa conversa só saiu depois de uma ajuda que foi fundamental, de um grande amigo que tenho hoje aqui no Rio Grande do Sul, porque eu fui ao evento para apresentar um trabalho do nosso núcleo e não deixarei de fazê-lo. "Rateei", num momento inicial, mas consegui falar com ele depois. Seguimos trocando e-mails posteriores e nunca ele me fez promessas que eu ia passar.

Vim para cá num péssimo momento da vida, sem conseguir escrever nenhuma linha da monografia por mais que soubesse e tivesse lido muito sobre o assunto. Passei, mas só depois de muito tempo é que soube que a bolsa estava garantida.

Chegando aqui, tive reunião de orientação no primeiro dia útil, já gravei o primeiro Periscópio com ele e comecei a movimentar. Sabia onde estava entrando, sabia que a rotina de trabalho era grande, mas para alguém que passou a graduação inteira correndo atrás de oportunidades vê-las correndo atrás de si era um paraíso. Ouvir de um colega ou outro que olhar para mim era lembrar de trabalho não era preocupante.

Tive alguns problemas muito pontuais e passageiros com o líder do grupo de pesquisas - numa das duas vezes que isso ocorreu, porque ele pretendeu me preservar da burrocracia que ronda por aí -, mas sempre optei por manter uma boa relação, ainda que não de uma amizade mais profunda - e simplesmente porque eu sou travado para relações sociais, ainda mais quando o outro está situado numa posição acima da minha. Olha que ele sempre saía comigo para almoçar, para tomar um café e nos últimos meses antes do problema de saúde disse que dia desses deveria tomar um café na casa dele, onde eu até então não tinha ido.

Cresci muito já no ano passado, como comprovou a minha participação no Seminário do Cepos. Publiquei muito, viajei bastante, conheci e praticamente me tornei amigo dos pesquisadores da EPC que lia nos livros em Maceió. Tive artigo publicado num livro do IPEA sobre o Panorama das Comunicações no Brasil, ao lado dos principais nomes da comunicação do país e graças às oportunidades que ele me deu e que eu nunca deixava escapar, nem que tivesse que fechar a qualificação no mesmo período. Ele gostava disso, de eu sempre estar lá tentando resolver tudo, acho que me via parecido por ter um ritmo forte de trabalho também.

Como orientador, eu nunca cansei de falar que foi melhor do que qualquer modelo utópico que eu pudesse criar. Qualifiquei tranquilamente no final de novembro do ano passado, com apenas oito meses no PPGCC e numa situação normal defenderia em novembro deste ano - algo que ainda dependia de outros fatores. Tivemos reuniões de orientação praticamente mensais, com raros períodos em que isso não ocorreu, em julho e pós-qualificação.

Quem pôde ser orientando dele sabe o quão cuidadoso era o Valério com o texto. Não passava uma vírgula errada, uma nota de rodapé mal colocada. Nada! Desculpem-me os colegas docentes do PPG, mas podem falar qualquer outra besteira, mas hei de defendê-lo como melhor orientador ali das Ciências da Comunicação na Unisinos.

Nem precisaria eu traçar uma palavra sobre a importância dele para a Economia Política da Comunicação em nível mundial, sendo um dos expoentes aqui na América Latina, junto com o professor César Bolaño. Vi isso na Alaic, em Montevidéu e torço e farei o possível no que estiver ao meu alcance para ajudar ainda mais o nosso eixo teórico-metodológico. Ainda mais porque eu vim para cá já com certa bagagem na EPC, pela possibilidade de trabalhar num local que nem o Cepos, com algumas pessoas que tanto me orgulham hoje serem além de colegas grandes amigos para fazer "guerra ao mundo".

Vai ser muito difícil apresentar o nosso artigo no GT de Economia Política lá na Intercom, ainda mais no ano que eu ia me dividir com o GT de Comunicação e Esporte, por conta do meu objeto de estudo e para fortalecer a relação com outros pesquisadores para além do fato de sermos "muito sérios" na EPC, como escutei de um pesquisador referência para mim na semana passada nos estudos sobre o futebol. Depois vem a Ulepicc e eu não consigo pensar eventos assim sem a presença dele.

Eu fiz isso na qualificação e volto a fazer agora - por mais que eu sempre tenha me imaginado fazendo isso após a minha defesa. Agradeço imensamente a oportunidade que ele me deu. Por mais referências que eu tivesse dentro do Cepos, ele confiou em alguém vindo de Alagoas, de uma universidade com sérios problemas com a formação do comunicador e naquela época com bem menos pesquisadores que hoje. Confiou em alguém vindo do Movimento Estudantil, que ainda pensa em transfomação social radical e que questionava conceitos como Fase da Multiplicidade da Oferta e PluriTV, que são do grupo, tensionando-os na dissertação sem qualquer problema. Mais que isso, permitindo que esta opinião pudesse ser dita num evento em outra universidade e com ele do lado, com direito a um "foi muito bom" ao final do mesmo.

Não sei mais o que falar, se falei com bom concatenamento de ideias ou não. De fato, não devo ter falado nem 10% do que Valério Cruz Brittos representa para mim e, principalmente, para os estudos da Comunicação. Resta a nós seguirmos o legado tendo o seu trabalho como inspiração. Não sei nada do meu futuro e é a coisa que eu menos estou preocupado agora.

As lágrimas que eu me permiti só agora, após receber uma colega francesa que chegou no final da tarde de hoje para trabalhar conosco no Cepos, é na mesma quantidade que eu teria caso fosse para um ente muito querido. Tenhamos forças!

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Os "Dias na Birmânia" de Orwell

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“Em tudo o que escrevi, desde 1936, tomei partido, direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e a favor do socialismo democrático, como eu o entendo” (260).

Comecemos a tratar de Dias na Birmânia de uma forma diferente. Ao final do livro há a seção O Autor e sua Obra, que apresenta a frase que serve como epígrafo deste texto e que também nos conta que Eric Arthur Blair, o homem por trás do pseudônimo George Orwell, viveu dos 19 aos 25 anos (1922 a 1928) na Birmânia, contando neste livro, portanto, boa parte das relações entre colonizadores e colonizados que viu nesta experiência, num livro que veio a ser publicado em 1934.

Desta feita, Dias na Birmânia, um livro que passei meses e meses tentando achar na biblioteca da universidade, só o encontrando quando já não o procurava. Este livro veio para se juntar a outros, que foram publicados depois, mas que eu li antes: A flor da Inglaterra (1936), Um pouco de ar, por favor! (1939), Revolução dos Bichos (1945) e 1984 (1948).

Por vários motivos que não vale eu destacar aqui, não teria como fazer uma super análise como algumas as quais eu fiz nos livros anteriores de Orwell que, indiscutivelmente, é um dos melhores autores que já li, principalmente por conta da frase que reflete bem o como eu interpreto as suas obras frente à sociedade que o circundava. Neste caso, é a relação do império britânico com a colônia.

Alguém me explica essa capa?
LIVRO
A história de Dias na Birmânia, até mesmo pelo ano em que foi escrita, é bem mais simples que as demais já analisadas. Não traz um percurso de um personagem que por ir de encontro às leis e normas vigentes acaba sofrendo ao final por conta disso. Quer dizer, a história de Flory caminha por entre as normas que os britânicos acabaram criando para a Birmânia, ele é contrário à relação de submissão existente, mas não dá para dizer que isso seja definitivo para o seu trajeto - ou será? Enfim, quem quiser que tire a dúvida lendo o livro.

Orwell escreve de uma maneira bem interessante, altamente descritiva, a tal ponto que os primeiros capítulos do livro aparecem todos os personagens que irão ser desenvolvidos ao longo do mesmo. Pode até ficar um pouco bagunçado no início, gerando histórias paralelas que tendem a se cruzar depois das 20 ou 30 primeiras páginas e desanuviar as dúvidas que se acumulam nas cabeças dos leitores.

Uma dessas figuras apresentadas no início é um burocrata local U Po Kyin, por quem parece que a história vai se centrar, que ele vai ter participação fundamental no livro e, vá lá, dependendo do ponto de vista até que ele atua de forma determinante, mas não chega a ser um dos principais personagens. Porém, não deixa de ser interessante. Vejam um trecho de apresentação deste sujeito. Contem quantos assim vocês lembram da política e do judiciário no Brasil:

“Assim que surgia qualquer acusação contra ele, U Po Kyin simplesmente a desacreditava através do suborno de inúmeras testemunhas, e adotava uma série de contra-ataques que o deixavam numa posição mais forte ainda. Ele era praticamente invulnerável por ser um bom juiz dos homens, por não se arriscar tomando atitudes extremadas, e, por estar a par das intrigas, não fracassava pela negligência ou pela ignorância. Podia-se prever com segurança que ele nunca seria desmascarado; sua vida seria marcada pelo sucesso e ele morreria coberto de honrarias e recheado de milhares de rupias” (p. 9). 

Em Kyuktada, cidade onde se dá a história, os britânicos têm um clube em que só eles podem participar. A história se desenvolve tendo como uma das bases quando o responsável local, o Sr. Macgregor, resolve seguir norma geral para as colônicas do Reino Unido e convidar um nativo para se juntar a eles. Em geral, os participantes do clube não querem a participação do Outro, que na verdade é o dono da terra, dentre eles. Ellis é um dos maiores entusiastas da "pureza" do clube. Percebe-se o tamanho do preconceito e, além disso, da submissão que a maioria dos ingleses tinham:

“Moramos aqui para governar uma récua de porcos negros, que desde o começo da humanidade vêm sendo escravos, e em vez de cumprimos nossa obrigação, o que fazemos? Resolvemos tratá-los como iguais! E vocês são uns merdas por acharem isso muito natural. [...] Céus! Parece até que vocês gostam dessa negrada toda! Francamente, não sei o que aconteceu com a gente, não sei mesmo!” (p. 25). 

A exceção é Flory, que não vê problema algum em conviver com os nativos. Pelo contrário, ele geralmente acha interessante. Alguns momentos que mostram a contradição do pensamento pequeno do nativo, mais voltado à burocracia de um emprego ruim, e a visão realista do papel dos britânicos segundo alguém que tende a respeitar os nativos são as conversas entre Flory e o Dr. Veraswami:

“[Veraswami] - Será que os birmaneses poderiam comerciar sozinhos? Saberiam construir máquinas, navios, estradas de ferro e de rodagem? Sem vocês, nós não seríamos coisa alguma. O que aconteceria com as florestas da Birmânia se os ingleses não estivessem aqui? Seriam imediatamente vendidas aos japoneses, que as devastariam, destruindo-as. No entanto, sob sua jurisdição, nossas florestas estão até melhores, pois, enquanto os negociantes ingleses desenvolvem os recursos do país, os funcionários do governo nos civilizam, elevando-nos ao seu nível, e tudo isso por puro espírito comunitário. É, na verdade, um esplêndido testemunho de altruísmo” (p. 40). 

“[Flory] - Nós ensinamos os jovens a beber uísque a jogar futebol e nada mais além disso. Olhe para as escolas: fábricas de futuros escrivães onde jamais se ensinou sequer um artesanato manual útil a qualquer indiano. Não nos atrevemos a isso, pois temos medo da competição na indústria. Chegamos até a destruir algumas indústrias locais, o que me leva a perguntar: onde se encontra atualmente a musselina indiana? No início da década de 1840, construíam-se navios mercantes na Índia, ao passo que hoje em dia não se constrói sequer um barco pesqueiro! [...] As únicas aças orientais que se desenvolveram rapidamente foram as independentes. Não vou citar o Japão, mas o Sião, por exemplo...” (p. 40). 

Flory quer indicar Veraswami para o clube, mas sempre fica sem jeito de encarar Ellis e os demais na hora da assembleia do clube. U Po Kyin quer ser o indicado e vai fazer de tudo para o médico não assumir o posto. Calúnias através de correspondências, revolta fabricada e até prejudica algum branco, nada pode passar por cima de alguém cuja caracterização é bem burlesca.

No meio disso, aparece a sobrinha dos Senhores Lackersteens. Elizabeth vem direto da França após uma vida cheia de problemas, com uma mãe que se acha artista e vive de forma boêmia, enquanto ela tem que trabalhar no que dá. A ida para a Birmânia aparece como única opção. Flory e ela se encontram após um búfalo encará-la de frente. Mesmo sem muito perigo, o britânico com uma cicatriz no rosto a salva e vira herói.

A história caminha com os dois se conhecendo. Flory querendo alguém para fazer companhia e poder conversar sobre várias coisas que seus livros diziam. Eram os livros os companheiros para uma solidão de alguém depois dos 30 anos fora de seu lugar de origem. O problema é que ela não gostava de conversas assim, mas queria saber mesmo era de caça, de aventuras. Até sair com ela numa caçada e surpreendentemente ir muito bem, com direito a um leopardo morto.

Como sempre para nós homens, uma mulher muda qualquer coração solitário e se esquece que a realidade pode ser menos dura do que parecia:

“'O que acontecem com meu passado?’, voltou a pensar enquanto cruzava o jardim, sentindo-se feliz por haver compreendido que os crentes estão certos quando dizem que existe a salvação e que a vida pode recomeçar. Ele passou pela entrada e lhe pareceu que sua casa, as flores, os criados, toda aquela vida que havia tão pouco tempo parecia inundada de tédio e saudade, de alguma forma tinha se transformado numa existência nova, significativa e inesgotavelmente bela. Como tudo podia ser bom quando se tinha alguém com quem compartilhar essa felicidade! Como se podia amar este país, bastando para isso não estar sozinho!” (p. 137). 

Mas quem quer alegria que não leia livros de George Orwell. Só malucos que nem esse que vos escreve que se tranquiliza com seus livros - com exceção de Winston, em 1984. Tudo muda e depois ganha uma reviravolta e mais outra até o final não ser feliz, e isso não tem nada de spoiler.

Uma dessas mudanças vem com a morte de um agente florestal que fazia parte do clube, ainda que não com participação efetiva. Mas o assassinado de um branco, independentemente quem fosse, era diferente e isso é uma das críticas de Orwell aos colonizadores:

"Ninguém particularmente ficou muito aborrecido, pois Maxwell era quase uma nulidade – apenas ‘um bom rapaz’, como dez mil nos rapazes ex colore da Birmânia, sem amigos íntimos. Nenhum dos europeus sentiu realmente sua morte, mas isso não queria dizer que não estivessem furiosos. Pelo contrário, na verdade estavam lívidos de ódio, pois o imperdoável havia ocorrido – um branco tinha sido assassinado – e, quando isso acontecia era como se uma corrente elétrica atingisse a colônia inglesa do Oriente. Uma média de oitocentas pessoas são mortas anualmente na Birmânia, e isso não tem a menor repercussão; contudo, o assassinato de um homem branco é considerado um sacrilégio, uma monstruosidade” (214).


Para finalizar, um bom trecho destas reviravoltas do livro, com destaque para um autor/ativista revolucionário russo bem famoso, que acaba virando a comparação para saber se algo era bom ou ruim para os britânicos na Birmânia:

“Agora ela [Elizabeth] entendia perfeitamente o caráter de Flory, por que ele a aborrecia tanto e a irritava também. Era um ‘intelectual’ – palavra feia no seu vocabulário – que poderia juntar-se a Lênin, A. J. Cook e os poetas sujos dos cafés de Montparnasse” (179). 

“Do jeito que as coisas estavam, Flory poderia entrar no clube e fazer um discurso sobre Lênin que seria, pelo menos, ouvido por todos” (231).


Eu encaixo Dias na Birmânia abaixo de 1984 e Revolução dos Bichos por motivos óbvios que fazem destes dois livros clássicos. Porém, quase no mesmo nível de A flor da Inglaterra, por achar que o soco no estômago que o leitor recebe neste livro é maior, e acima de Um pouco de ar, por favor!


Pela propaganda que me faziam para ler este livro e, além disso, pela espera que tive para lê-lo, pensava em algo um pouquinho mais impactante. Talvez, a ansiedade e o conhecimento de outros livros de Orwell tenham me feito esperar muito, mas como? Este é um dos primeiros livros dele!

Referência
ORWELL, George. Dias na Birmânia. São Paulo: Círculo do Livro, s/a. (1934). 

quarta-feira, 25 de julho de 2012

[Londres 2012] Começaram os Jogos Olímpicos! Sério...

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Quando a árbitra apitou autorizando o rolar da bola para os times de futebol feminino de Grã-Bretanha e Nova Zelândia se enfrentarem no Millennium Stadium, em Cardiff-País de Gales, também marcou o início da primeira competição da 30ª edição dos Jogos Olímpicos de Verão, em sua era moderna. Ainda que a abertura oficial seja na próxima sexta-feira, a partir das 17h (horário de Brasília), como o futebol exige um tempo maior de descanso entre as partidas, sempre é o primeiro evento a começar.

Londres sedia as Olimpíadas num momento bem diferente para toda a Europa. Se até então imaginava-se que um evento deste porte seria tirado de letra por qualquer uma das potências europeias, vemos o continente imerso na "farsa com o nome de crise" e com sérias dúvidas quanto ao futuro da Zona do Euro. Ainda assim, tirando os problemas no trânsito que já ocorreram nesta quarta-feira, tudo ficou pronto sem quaisquer contratempos.

O grande "desastre" da organização ficou por conta da partida entre Colômbia e Coreia do NORTE no Grupo G, que marcada para ter início às 15h45 só começou mais de uma hora depois por um erro grotesco da organização, que trocou a bandeira do país asiático pela da arquirrival Coreia do Sul - infelizmente, uma rival mais bélica que nos espaços esportivos. As jogadores norte-coreanas se recusaram a entrar em campo sob a bandeira do vizinho, num erro incrível para quem é conhecido pela boa organização e pontualidade. Não precisa nem de aulas de geopolítica mundial para saber dos problemas entre os países, basta acompanhar o noticiário internacional!

Dentro de campo, a Coreia do Norte venceu a Colômbia por 2 a 0, ficando atrás dos Estados Unidos na liderança do Grupo G por conta da quantidade de gols marcados. As estadunidenses, com um uniforme bem pior do que o da Copa do Mundo, onde foram vice-campeãs, saíram perdendo por 2 a 0 para a França, que foi eliminada no ano passado justamente para as representantes do Tio Sam nas semifinais do Mundial. Com várias falhas de defesa de ambos os lados durante o jogo, os Estados Unidos conseguiram segurar a defesa e virar o jogo para incríveis 4 a 2. Mas não venham me dizer que uma vitória francesa seria uma zebra, porque não seria.

Pelo Grupo F, as seleções favoritas em suas partidas também venceram. O atual campeão mundial, o Japão, venceu o Canadá por 2 a 1, enquanto a Suécia goleou a África do Sul por 4 a 1 numa partida em que saiu o gol mais bonito da rodada. Moudise viu a goleira sueca adiantada e chutou do meio do campo. Pena que golaço também vale um mesmo.

Pelo Grupo E, o jogo já citado no início deste texto. Vi apenas os dez minutos finais da primeira etapa, um show de gols perdidos pela Grã-Bretanha, que só conseguiu marcar através de cobrança de falta, com Houghton. Pelo pouco que vi, as brasileiras podem sair deste grupo com uma liderança tranquila.

ESTREIA BRASILEIRA
Primeiro, susto na escalação da Seleção feminina. Erika continua jogando na defesa e, para piorar, a zagueira Daiana Bagé começou a partida no banco. Fabiana foi para a lateral-direita, enquanto a lateral-direita Maurine continua improvisada na esquerda. Por fim, Cristiane começou no banco, com a jovem Thaisinha no seu lugar. Parece que as invenções não foram embora com o Kleyton Lima e continuam com o Jorge Barcellos.

Dentro de campo, um time que pareceu se surpreender com a pressão inicial de Camarões, que só foi às Olimpíadas porque Guiné Equatorial escalou uma jogadora de forma irregular nas Eliminatórias Africanas. Na primeira bola parada, Francielle achou o canto esquerdo baixo e abriu o placar, ainda com seis minutos de jogo.

Apesar do gol, o Brasil continuava errando muitos passes, principalmente pela distância entre os setores. Marta vinha buscar a bola no setor defensivo e foi assim que ela achou a Formiga na frente, na falta que deu origem ao gol. Na segunda bola parada para o Brasil, escanteio para a área e Renata Costa cabeceou ao gol. Se não tivemos um primeiro tempo primoroso, ao menos o resultado de 2 a 0 dava tranquilidade.

Na volta, Cristiane entrou no lugar de Thaisinha e mudou o jogo, confirmando toda a bronca das pessoas que acharam incrível ela ser reserva. Marta passou a se movimentar mais e participar mais do jogo, graças ao grande entrosamento com uma centroavante que dava mais trabalho na proteção à bola perante as adversárias e que tem uma habilidade impressionante.

Para o terceiro gol, Cristiane cruzou e Marta foi derrubada para não chegar na bola. A atacante alagoana, capitã da equipe, bateu mal, mas a bola entrou. 3 a 0.

O quarto gol foi uma obra de arte. Formiga deu um bom passe para Marta na ponta esquerda, que esperou Cristiane se movimentar e ficar fora da posição de impedimento. A atacante dominou a bola sozinha, passou pela goleira e empurrou para o gol. O 11º gol dela em Olimpíadas, numa quantidade que nenhuma outra jogadora do mundo conseguiu alcançar neste torneio!

Para finalizar, Cristiane passou por várias adversárias na área, com direito a drible da vaca, e tocou para o meio. Marta só precisou dar um toquinho para um gol vazio. Brasil 5 a 0 e a prova cabal de que Cristiane, em condições físicas boas, como parecia estar, não pode ser reserva de time algum do mundo!

TRANSMISSÃO
Pretendo falar da guerra entre as transmissões num texto específico nos próximos dias, mas acompanhei atenciosamente os posicionamentos de Record e Globo sobre o evento. De antemão, parece que a postura da emissora de Edir Macedo é bem menos audaciosa que aquela do Pan-Americano do ano passado, quando prometia fazer a melhor transmissão de todos os tempos e deixou muito a desejar.

Pelo que se lê nos trechos a seguir da "Carta Olímpica Record", parece que teremos O Melhor do Brasil e Programa do Gugu dominando o nosso final de semana em detrimento dos Jogos Olímpicos, repetição do erro do ano passado:

"2- Vamos garantir que os principais eventos dos Jogos Olímpicos estejam à disposição dos brasileiros nos horários de maior audiência da televisão brasileira. Por isso, algumas disputas podem ser recuperadas de outros horários. Por exemplo: uma competição realizada às 5h (horário de Brasília) pode ser melhor apreciada pelos telespectadores ao longo do dia [5 horas da manhã é horário de quem mesmo na grade da Record?];

3- Onde houver Brasil competindo a Record estará lá. Mesmo exibindo outras atrações naquele momento, vamos recuperar para o nosso telespectador os mais belos e emocionantes momentos dos nossos esportistas".

Enquanto isso a Globo parece que arranjou um jeitinho para mostrar imagens do torneio sem precisar colocar a logo da agora nem tão arquirrival (na audiência) no vídeo: "a emissora comprou da OBS (Olympic Broadcast Services) o acesso às imagens dos Jogos Olímpicos vendido a não detentores dos direitos de transmissão que aceitam as regras do COI (Comitê Olímpico Internacional) para a utilização jornalística em suas coberturas do evento".

Como o pessoal do Esporte da Globo adiantou na semana passada lá no Rio de Janeiro, a ideia é informar sobre o evento, porém, sem dar a colher de chá de avisar ao telespectador quando ele ocorrerá ao vivo, que é o principal produto a ser vendido com o esporte. É a comprovação de que os negócios são mais importantes que a utilização de um espaço público, que é o espectro eletromagnético, para o benefício das pessoas. Quer dizer, é só mais um exemplo disso...

Amanhã será o maior desafio da Rede Globo. Afinal, diferentemente do Pan, em que o time era o sub-20, teremos em campo a base da Seleção brasileira masculina em campo, contra o Egito. Se a Record não conseguir recuperar sua combalida audiência nem com Neymar, Oscar, Thiago Silva, Marcelo, Lucas e cia., fica difícil acreditar em qualquer outra possibilidade. Seguiremos acompanhando a briga e as rusgas entre as duas, enquanto o Terra pode consolidar um público na internet, com uma transmissão que agrega possibilidades interessantes - como a segunda tela no vídeo.

Ah, por hoje, acompanhei as primeiras partidas pelo Terra e o futebol feminino pela Record, que acertou ao levar Renê Simões para Londres. Poucos conhecem tão bem esta modalidade quanto ele, que levou essas meninas à medalha de prata em 2004 contra os Estados Unidos - numa partida com erros decisivos da arbitragem na prorrogação. Romário ficou ali mais pelo nome do que pelos comentários, alguns dos quais que tentavam contradizer Renê, pelo menos durante o primeiro tempo. Enquanto que José Eduardo Savóia fazia participações normais. De resto, o Maurício Torres começa a tentar duelar com o Galvão sobre quem é mais chato, com bilhões de comentários sobre o fato de o time "estar nervoso".

As meninas voltam a entrar em campo no sábado, em partida contra a Nova Zelândia, a partir das 10h30.

terça-feira, 24 de julho de 2012

O que seria do futebol sem a televisão?

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Em meio a discussões sobre o quanto o futebol pode ter perdido os elementos de paixão característicos, ou seja, “desprezando” os torcedores através do aumento da característica mercantil no jogo, com uma espécie de “elitização” nas arquibancadas, a pergunta que fica sempre é: por que os clubes não abandonam isso e tomam conta das suas ações, tornando-se independentes das ordens da televisão, que paga os direitos de imagem das partidas, por exemplo?

Primeiro, é necessário reparar que não é tão simples assim. Até mesmo porque não se trata de algo momentâneo, mas constitui todo um processo histórico que fez com que o esporte estivesse incluso numa espécie de “complexo econômico-cultural-esportivo-midiático”.

A mercantilização adentrou outros campos sociais com mais força a partir da década de 1970, refletindo um momento de liberalização econômica que vai atingir também o setor comunicacional em todo o mundo – por mais que no Brasil a comunicação, de forma geral, já fosse liberal desde o berço. Além disso, é o período de estabilização da indústria cultural, com a televisão como principal meio de comunicação, como elemento fundamental para publicizar mercadorias e propagar ideias, passando a infocomunicação a fazer parte da estrutura que conforma a sociedade capitalista, como o comprova o capital financeiro.

Fim de barreiras de mercado

Também é nesta década que, no âmbito das transmissões esportivas, há a primeira transmissão a cores de uma Copa do Mundo de futebol para países das Américas e da Europa: em 1970, no México. João Havelange é eleito presidente da Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) em 1974 e se propõe a expandir o futebol, enquanto símbolo do nacionalismo, para outros continentes, casos de África, Ásia e Oceania, e como gerador de outras mercadorias, com parcerias de patrocínios que chegam a ponto de ser, atualmente, por setor econômico (material esportivo, refrigerante, cartão de crédito etc.).

No caso do Brasil, no final da década o Conselho Nacional de Desportos, hoje extinto, passa a permitir a publicidade nos uniformes dos clubes brasileiros, que passam a incluir alguma marca neles apenas a partir de 1984, com a ducha Corona na camisa do Sport Club Corinthians Paulista – estratégia para ter recursos para manter o meio-campo Sócrates no Brasil.

A partir da década de 1990 há um boom, reflexo da confirmação das políticas neoliberais como guias de boa parte do mundo pós-União Soviética e queda do Muro de Berlim. O fim de barreiras de mercado fez com que a produção de mercadorias fosse descentralizada, inclusive no que tange aos bens culturais produzidos pela indústria cultural, em busca de menores custos de produção, além da multiplicação de ofertas por parte de empresas dos mais diferentes setores econômicos e locais do globo.

O boom dos anos 2000

Neste contexto, a transmissão televisiva foi fundamental para propagar a marca futebol, ligada à Fifa, para os mais diferentes locais do mundo e na década de 1990 alcança altos patamares financeiros. A Copa do Mundo ocorrerá em regiões que jamais haviam recebido este torneio antes, muito pela falta de “tradição” nesta prática esportiva: Estados Unidos (1994), Japão/Coreia do Sul (2002) e África do Sul (2010). Tal realidade é ainda exacerbada pelos super-astros globais que se tornaram os jogadores do futebol, com grande destaque para o inglês David Beckam, muito mais conhecido fora de campo que dentro dele.

O futebol brasileiro viu a formação de parcerias com grandes grupos empresariais estrangeiros extraesporte, casos de Palmeiras-Parmalat e Corinthians-Excel Econômico. Só que, com o fim das parcerias, os clubes ficaram endividados e sem ter assimilado a prática gerencial que marcou o período de sucesso dentro de campo, quando podiam contar com os principais jogadores do país.

O final dos anos 2000 é marcado por um novo boom no futebol brasileiro e isso graças à mudança nos parâmetros de marketing, com a chegada de Ronaldo “Fenômeno” ao Corinthians. Ronaldo ajuda o time a conseguir patrocinadores para várias partes do uniforme (ombro, omoplata, lateral, calção etc.), sendo parte desses patrocínios responsável pelo pagamento do seu alto salário.

A cessão dos direitos

A receita dos times ganha um aumento acentuado, de tal forma que o caminho de ida de nossos jogadores para o exterior ficou mais curto; ampliando a volta de atletas de outros países e a contratação de jogadores sul-americanos, cuja economia é pior que a brasileira – este também é um processo que, inserido na sociedade capitalista, reflete o contexto sócio-histórico brasileiro.

Mas se os clubes estão com mais recursos, ainda não foi o tanto necessário para equalizar os seus gastos por temporada. Além disso, por mais que o valor da publicidade nos uniformes dos clubes brasileiros esteja num patamar não tão distante quanto antes dos clubes europeus, o consequente aumento nos valores para a cessão dos direitos de transmissão dos seus jogos mantém o broadcasting como a principal receita de todos, mesmo os que têm uma grande quantidade de sócios-torcedores, caso do Sport Club Internacional, com mais de 100 mil.

Sem a transferência de atletas, segundo dados do balanço financeiro do clube, o Corinthians, time com maior receita do Brasil desde 2009, teve um faturamento em 2011 de 184 milhões e 39 mil reais, dos quais cerca de 62%, pouco mais de 112 milhões de reais, vieram da cessão dos direitos de transmissão. O clube com maior faturamento em marketing do ano passado, a Sociedade Esportiva Palmeiras, é, dentre os treze principais clubes do país, o que mais o valor se aproxima do recebido pelos direitos de transmissão: R$ 46.771 X R$ 44.649. Lembrando que o cálculo sobre a cessão dos direitos de imagem leva em conta a importância da competição em disputa, o quanto o organizador do evento distribui, o tamanho da torcida – potencial de recepção – e a venda anual de pacotes de pay-per-view.

O marketing cresceu

Com tom de infelicidade, a pergunta que se retorna ao torcedor de futebol é: você estaria preparado para ver o seu time passar por apertos financeiros e, consequentemente, dentro de campo, para conseguir a “independência” dos ganhos com a televisão?

Acaba formatando um encadeamento em torno da transmissão, já que se a TV não mostra os jogos do time, ele terá ainda mais dificuldades para conseguir fechar patrocínios – por mais que os valores tenham chegado a tal nível que grandes clubes nacionais, como Flamengo, Corinthians e São Paulo iniciam o Brasileirão sem o patrocínio master.

Desta forma, o que há é uma relação em que a maior emissora do país, a Rede Globo de Televisão, sabe da sua importância para a manutenção dos clubes, tanto no pagamento ou adiantamento de cotas, quanto para utilizar das suas barreiras no mercado publicitário, por conta da audiência, para “forçar” os clubes, via patrocinadores, a fecharem contrato com ela. O problema é que estes ainda não desenvolveram fórmula suficientemente lucrativa para explorar por si só as suas marcas, como fez a Fifa a partir de Havelange. O marketing esportivo no país cresceu, mas ainda tem muita coisa a explorar no enfrentamento cotidiano com o amadorismo da maioria dos dirigentes de futebol.

Expansão via TV

O torcedor, é claro, é o principal atrativo destas relações. Afinal, é ele quem paga ingresso para ir ao estádio, compra o pay-per-view e vai adquirir os produtos oficiais lançados pelos times e seus patrocinadores. Mesmo com a aprovação do Estatuto do Torcedor (2003), o cuidado com ele, enquanto consumidor em grande potencial, é muito pouco desenvolvido pelos times no Brasil – o que vai muito além de aumentar o valor dos ingressos de forma a “elitizar” o público nos estádios.

Nesta relação, talvez falte também uma pressão maior por parte dos aficionados, de forma a deixarem de ser apenas espectadores e passem a fazer parte da vida do clube, podendo decidir por algo que no final da cadeia interessa muito mais a si do que a dirigentes, empresários e setores de esporte de grandes grupos midiáticos.

Sem a televisão, o futebol não teria chegado a tal nível de expansão tanto no que tange a público receptor quanto a valores trafegados em torno dele. Na atual conjuntura, é impossível imaginar os clubes e seleções vivendo de forma não profissional e, consequentemente, sem a participação dos valores envolvidos com os direitos de imagem.

***

Por Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos.

Originalmente publicado no Observatório da Imprensa.

domingo, 22 de julho de 2012

[Por Trás do Gol] Um dia especial, dia de sentir saudade

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Na semana passada, na ligação habitual de Maceió, o meu pai me disse com uma alegria daquelas que já tinha comprado o ingresso para o jogo do CSA contra o Itabaiana, tinha até comprado um rádio novo "porque não dá para ir ao jogo sem rádio", disse-me ele. Desde que voltamos a morar na capital alagoana, a única vez que ele não foi ao Estádio Rei Pelé comigo foi no Corinthians X Coritiba, pela Copa dos Campeões de 2000. Dali até março do ano passado, pelo menos uma vez por ano, íamos juntos. Este 22 de julho de 2012 acaba marcando um paradigma também na minha vida.

Assim que ele me disse me deu um baque. Devo até ter dito que se eu estivesse lá eu também iria. Ele prometeu ligar para mim do estádio, talvez para relembrar a companhia de sempre para assistir aos jogos de futebol, fossem em frente à TV de casa, no Batistão (Aracaju), no João Hora Filho (estádio do Sergipe), no Presidente Médici (Estádio do Itabaiana) ou no querido Estádio Rei Pelé, onde vimos alguns clubes nacionais e até a Seleção brasileira, mas o mais importante era ver os jogos do Centro Sportivo Alagoano.

Durante a semana, já tinha definido como seria este texto, afinal ele tinha que sair. A emoção veio em todo o momento, em cada frase que eu pensava em colocar nele. Futebol sempre foi o amor da minha vida, em meio à paixão que os esportes causam em mim - podendo até ser curling. Acho que o meu pai acabou se apaixonando por esportes e sendo mais torcedor por culpa minha, ainda que eu, do contra desde criança, tenha optado nacionalmente pelo arquirrival do time que ele tinha simpatia.

Palmeirense filho de corintiano, lembro das nossas apostas de refrigerante antes de cada clássico, dele se segurando para comemorar os gols do time dele contra o meu porque eu não suportava perder, era capaz de "matar e morrer" pelo Palmeiras.

Em Alagoas, não teve jeito. Acabei herdando a torcida pelo CSA, até mesmo porque passei dos 2 aos 11 anos e muito em outra cidade e a única referência do futebol alagoano era em casa. Além disso, se a década de 1990 foi a da parceria Palmeiras-Parmalat, foi também a de Catanha-Wilson e, depois, do tetracampeonato estadual, com direito à final da Conmebol em 1999.

A minha relação com o Rei Pelé é desde o berço. A minha avó materna morava na Rua José Marques Ribeiro (Rua dos Pescadores), que é paralela à Avenida Siqueira Campos, onde fica o Estádio Rei Pelé. Além disso, quando eu nasci os meus pais e a minha irmã moravam nesta casa, ficamos neste endereço por um ou dois anos, não sei bem.

A volta a Maceió não foi fácil para mim e, para piorar, como contei no texto sobre o Palmeiras, o CSA também não ajudou. Foram três vice-campeonatos estaduais seguidos e, em 2003, o rebaixamento. Na Segundona de 2004, continuamos lá e no ano seguinte, mesmo após eu prometer não torcer mais para o Azulão, estávamos lá no empate com o 7 de setembro por 0 a 0. O ingresso foi o meu presente de aniversário.

Nos últimos anos, o meu maior orgulho foi poder pagar o ingresso dele em todas as partidas. Geralmente ele ia lá, comprava o ingresso e nós íamos a pé para o Rei Pelé, que fica a 20 minutos de casa. Da última vez foi tudo diferente, por isso que optei por publicar o texto que escrevi sobre a minha despedida do estádio algumas horas atrás.

Mesmo com a excelente campanha até o jogo de hoje, duas vitórias e um empate, sendo dois desses jogos fora de casa, eu ainda não tinha podido ouvir as partidas nesta Série D. Fiz isso hoje mais como uma forma de lembrar que o meu pai também estava acompanhando. Esqueci televisão e fiquei acompanhando o Palmeiras no minuto a minuto.

Ontem ele me disse tudo de novo que ia ao estádio, mas que não ia levar o celular para não ficar preocupado em ter coisas para segurar, mas assim que voltasse ligaria para mim para falar como foi a partida. Na verdade, mesmo sem ir ao estádio neste período de 1 ano e 4 meses desde que vim para São Leopoldo, meu pai é uma espécie de correspondente do futebol alagoano, informando-me todos os sábados sobre as partidas de lá, debatendo comigo a situação dos times locais.

Como time de "sofredor" típico, o CSA marcou um gol logo aos seis minutos, com Ronaldo, após ter tido um gol de Paulinho Macaíba anulado. O que parecia uma tarde/noite tranquila para os mais de oito mil torcedores lá presentes, foi de sufoco. No primeiro tempo, o Itabaiana conseguiu espaços, mas parou no experiente goleiro Flávio, o paredão de 41 anos e com títulos nacionais por Atlético-PR, Paraná e América-MG. O Azulão até conseguia contra-ataques, mas era ineficiente nas finalizações.

No segundo tempo, um jogo mais morno. O sufoco veio aos 46 do segundo tempo, quando, após uma cobrança de falta, o jogador do Itabaiana cabeceou na trave e perdeu o rebote. Ufa! CSA 1 X 0 Itabaiana. 10 pontos em 4 jogos, liderança isolada e classificação para a próxima fase dependendo praticamente apenas de uma vitória.

Meu pai já ligou para dizer como foi o jogo. Perguntei a ele como tinha sido ir ao estádio sozinho. Ele me disse que foi bem estranho não ter ninguém para conversar, poder xingar sem ter problemas com o torcedor ao lado. Fazia uns vinte anos que ele não ia ao estádio sozinho. Reafirmei que este é um momento importante para nós dois e ele disse que deve ir para o jogo do domingo que vem, contra o Sousa-PB.

Este ano passei a "perturbar" alguns amig@s/colegas para que levassem os filhos aos estádios, independente de terem quatro ou seis anos, se acreditavam que era um lugar seguro ou não. Já vi pai levar criança de um ano no meio de torcida organizada! Peço desculpas caso tenha pressionado em algum momento, mas é que a minha excelente relação com o meu pai sempre foi baseada nisso, na parceria para muitas coisas, principalmente para o futebol, fosse ralando os pés no quintal de casa ou num corredor estreito após o trabalho, ou vendo as partidas. Como eu não tenho filhos para manter o legado, creio não ter condições para isso pelos próximos anos, acabo por tentar mantê-lo através dos outros, enfim.

Termino estas linhas com lágrimas quase caindo do rosto e com a certeza da previsão que eu fiz ao terminar o texto do dia 05 de março de 2011:


Só me restar lembrar as alegrias, tristezas, xingamentos, gritos, comemorações e comentários realizados ao longo dos últimos onze anos em companhia, na maior parte das vezes, do meu pai, a quem com orgulho pago o ingresso desde o ano passado. Para o Rei Pelé sempre fomos a pé e na maior parte desse tempo minha avó materna morava numa rua atrás do estádio.

Talvez por causa disso, o Estádio Rei Pelé sempre tenha representado para mim mais que uma obra arquitetônica, era o que fazia da nossa relação de pai-filho aquilo que deveria ser "clássico": os dois jogam juntos em casa, assistem os jogos pela TV e vão ao estádio juntos. 

Os jogos no Rei Pelé farão falta. O CSA fará falta, por mais tristezas que tenha me dado. O meu pai assistindo os jogos comigo, acima de tudo, fará falta...

[Baú do Por Trás do Gol] A despedida do Rei Pelé

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Como o movimento das figuras "tradicionais" do OléOlé está pequeno, preciso explicar que "A despedida do Rei Pelé" significa que este texto tratará do meu último jogo, até não sei quantos anos, no maior estádio de Alagoas.

Estou de partida para bem longe daqui. Farei Mestrado numa universidade em São Leopoldo, cidade gaúcha. E desde que tive a minha partida definida sabia que tinha que ir ao último jogo do CSA em casa comigo aqui em Maceió.

Para esta quarta-feira, as coisas foram feitas diferentes. Em vez do meu pai comprar os ingressos no Centro, eu é que fui. Em vez de comprarmos numa determinada loja na Rua do Comércio, tive que comprar na loja do patrocinador esportivo do Azulão, que fica na Rua do Livramento. Em vez de irmos com certa antecedência ao estádio, fomos 40 minutos antes dele começar. Em vez da tranquilidade natural no caminho, a notícia que um tiroteio acabara de ocorrer metros depois da rua que percorríamos antes de adentrarmos em outra.

A única coisa que não mudou foi o desrespeito ao torcedor. Tivemos que enfrentar uma fila grande porque a diretoria não confia na torcida tresloucada que tem. Mesmo com oito derrotas em 11 jogos, estávamos lá enfrentando uma demora porque só colocaram à disposição uma catraca para adentrarmos no estádio. Fora os companheiros torcedores que não encontraram ingresso na bilheteria porque a diretoria não sabe a torcida que tem, que a pior das hipóteses os jogos em casa têm 1500 pagantes.


Fomos para o lugar em que escolhemos desde o ano passado. Ficava na frente na torcida organizada, do lado oposto, ainda sem os bancos que cobrem o estádio. Um lugar mais "família", mas que não deixa de gritar, xingar e apoiar o time.

Confesso que tinha uma sensação estranha toda vez que lembrava que era a última vez - pelo menos nos próximos dois anos - que pisaria novamente no Rei Pelé. Por pior que seja a situação, novamente, do CSA; por mais que o time tenha grandes possibilidades de cair após subir neste ano.

O Azulão marcou o primeiro, jogou bem toda a etapa inicial e dava mostras de que me daria uma despedida gloriosa, mas o gol adversário no final da primeira parte do jogo mostrara que receberia como despedida uma amostra do que foram esses onze anos por aqui.

O presidente foi fortemente pressionado no intervalo de jogo, nas cadeiras, num setor que ficava bem abaixo de onde estávamos. Ele não gosta que a torcida reclame! Impossível! Um torcedor balançou na frente dele dois reais e ele queria pegar...

No segundo tempo, a cada mudança do técnico o time piorava ainda mais. Dio, o único jogador de verdade, profissional, do time, desaparecera graças a uma mudança no intervalo. O time tinha chances de chute na entrada da área, mas ninguém. isso mesmo, NINGUÉM, acertava um chute normal. Tudo para fora ou petelecos rasteiros. 

O Sport Atalaia se aproveitou para virar o jogo. No finzinho do jogo, garantiu a vitória de pênalti com gol de Anderson, volante que estava no CSA no início do campeonato que, perto dos jogadores atuais, é pelo menos um Pirlo em seus bons tempos, dado os seus bons chutes.

Não lembro se o meu primeiro jogo quando retornamos de Aracaju, em 2000, fora contra o Sport Recife ou se foi contra o Confiança. Mas assim como naquela partida que me deixara com ódio mortal do torcedor leonino perdemos por uma diferença de dois gols. Acho que do mesmo jeito que odeio o Corinthians, sejam lá de onde for, vou ter muita raiva de Sports.

Enfim, o Rio Grande do Sul me aguarda. E a pressão para saberem para quem torcerei, Grêmio ou Internacional, já começou na entrevista da seleção de Mestrado... O negócio no RS é bem sério. A minha ideia é visitar os dois estádios ao menos uma vez cada ainda neste ano, para observar, enquanto jornalista, e sentir, enquanto apaixonado por futebol.

Enquanto a viagem, na segunda, não chega, só me restar lembrar as alegrias, tristezas, xingamentos, gritos, comemorações e comentários realizados ao longo dos últimos onze anos em companhia, na maior parte das vezes, do meu pai, a quem com orgulho pago o ingresso desde o ano passado. Para o Rei Pelé sempre fomos a pé e na maior parte desse tempo minha avó materna morava numa rua atrás do estádio.

Talvez por causa disso, o Estádio Rei Pelé sempre tenha representado para mim mais que uma obra arquitetônica, era o que fazia da nossa relação de pai-filho aquilo que deveria ser "clássico": os dois jogam juntos em casa, assistem os jogos pela TV e vão ao estádio juntos. 

Os jogos no Rei Pelé farão falta. O CSA fará falta, por mais tristezas que tenha me dado. O meu pai assistindo os jogos comigo, acima de tudo, fará falta...

05 de março de 2011, publicado no blog Por Trás do Gol (Olé Olé).

sábado, 21 de julho de 2012

[Em busca do El Dorado] Eles sabem fazer

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Quinta e sexta-feira ocorreu o Seminário Globo-Intercom, evento realizado desde 2007 numa parceria entra a líder do oligopólio midiático, através do Globo Universidade, com a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Todo mundo que me acompanha sabe o quanto critico a posição político-ideologia de classe inserida nos conteúdos globais, mas ele sabem fazer audiovisual como ninguém aqui no Brasil.


A quinta-feira foi dia de ouvirmos as apresentações das pessoas ligadas ao Esporte da Globo na Central Globo de Jornalismo, o Jardim Botânico. Antes do pessoal do esporte, a diretora de responsabilidade social e RRPP da Central Globo de Produção, Beatriz Azeredo, fez uma abertura sobre a importância deste evento. O áudio do vídeo do Globo Universidade não funcionou e depois nos garantiu vários risos ao colocarem um filme no lugar ao trocarem de canal e aparecer frases do tipo "ninguém pode saber sobre essa plantação de cocaína" - haha essa nem eu sabia.

CERTA CENSURA
Para tratar da "Visão Geral do Esporte da Globo e Cobertura de Eventos Esportivo", o diretor da Central Globo de Esportes, Luiz Fernando Lima. A minha maior crítica fica justamente neste ponto. Ainda que a maioria das pessoas ali não pesquisem especificamente a relação dos esportes com a mídia, tod@s tinham coisas a perguntar ao diretor da CGE, talvez fosse melhor ter colocado um turno inteiro para isso. No final, a palestra durou mais que o dobro do tempo que eles tinham planejado e tudo atrasou no final.

Luiz Fernando falou algumas coisas muito interessantes. Funcionário da área de esportes da Rede Globo desde 1983, quando saiu de O Globo, destacou a mudança de visão sobre este setor durante este período, já que até 2000 não havia horários definidos para o esporte na grade. Ou seja, este formato de jogos às quartas e aos domingos é recente, pois antes dependia se o jogo "oferecido" seria melhor que o filme que eles tinham a mostrar...

Não faltaram provocações à emissora que talvez vá transmitir as Olimpíadas, pois não fizeram nenhuma campanha promocional sobre o evento. Luiz Fernando falou ainda sobre a preocupação em como será tratar um evento deste tamanho sem a emissora ter os direitos de transmissão - a Globo transmitiu todos os Jogos Olímpicos desde 1972. Segundo ele, há certa censura no pessoal para não seduzir o público para algo que não irão transmitir. Fala-se sobre o acontecimento, mas não que ele terá continuidade nos outros dias.

O diretor da CGE fez questão de dizer que "o evento ao vivo é a matéria-prima do nosso produto, o esporte". Assim, a tecnologia não deveria atrapalhar a compreensão do jogo. Assim, não adiantaria ter dezenas de câmeras quando 70%, 80% das imagens são mostradas através da central. A spider-cam só foi utilizada duas vezes (2008 e 2011) porque mantê-la geraria o dobro de custos por parte do que é normal.

INTERNET
A apresentação a seguir foi "Globoesporte.com, a plataforma na internet e a integração com a TV", por André Amaral, jornalista com todo o estereótipo de nerd, mas gerente de desenvolvimento e de inovação da CGE. O site é desde 2007 o líder absoluto no segmento, com 60% (!) de share de mercado. Com a formação da rede pela internet, hoje são 200 profissionais trabalhando em 20 redações com dedicação exclusiva ao espaço e páginas para 150 clubes.

André falou também sobre as mudanças (radicais) na página ao longo destes sete anos de existência e as propostas diferentes, caso dos quadrinhos feitos para comemorar o título corintiano da Libertadores, a mega-foto e a transmissão ao vivo da internet - que geralmente ocorre por "obrigação" de quem vende os direitos de transmissão de um evento.

Sobre a produção jornalística, ele admitiu que ainda falta qualidade na produção textual, que são publicadas com vários erros ortográficos, especialmente porque assim que a partida termina o texto tem que estar no ar. Além disso, num processo iniciado na Copa do Mundo de 2010, o repórter do site tem que ser para além disso um produtor de conteúdo, levando sua câmera nos espaços que visita para fazer matéria. Assim como, o intuito é se diferenciar de informações mais factuais com um texto melhor trabalhado, buscando detalhes diferentes e interessantes.

POLÊMICA DO GLOBO ESPORTE
Óbvio que as mudanças no Globo Esporte, com a participação, para o bem e para o mal, do Thiago Leifert em São Paulo, iria causar grandes controvérsias e várias perguntas sobre a "humorização" do jornalismo esportivo. Horas antes da apresentação de Alex Escobar e Afonso Garschagen (editor-chefe), Luiz Fernando Lima já havia dito que matéria com 70% de humor e 30% de informação não iria ao ar. Afonso deu uma relativizada nisso, com direito a vários exemplos:

"A ideia não é fazer humor, mas fazer esporte de forma bem-humorada. A nossa ideia é fazer entretenimento esportivo. [...] A preocupação diária é fazer televisão, não se e jornalismo ou entretenimento".

Dentre as perguntas da apresentação "Globo Esporte, nosso jeito de fazer o programa e de nos comunicarmos com o público", alguém tratou do caso Barcos, que numa entrevista coletiva foi comparado ao cantor Zé Ramalho. A resposta do Escobar foi que a situação foi perigosa demais, foi no limite, mas que seria fácil falar isso agora. A situação mostrou o limite que se pode chegar, ainda mais quando se trata de um jogador que não tem a cultura dos atletas brasileiros. Em meio a várias pressões e perguntas sobre o assunto, com destaque a Loco Abreu, o apresentador do Globo Esporte chegou a dizer que os jogadores sul-americanos "esquecem que a maior parte do salário deles sai dos direitos de imagem".

Sobre o modo Thiago Leifert de apresentar, pelo menos no que pude interpretar até ali, parece que o pessoal do Rio de Janeiro não concorda muito com o que ele fez, apontando sempre que ele é um rapaz inteligente, mas que comete exageros. Afonso lembrou que o jeitão de apresentar/fazer matérias deste jeito é bem antigo, casos do alagoano Marcio Canuto, de Régis Rösing e de Tadeu Schmidt. Além disso, os méritos do trabalho de São Paulo têm que ser repassados ao resto da equipe que trabalha com o Thiago.

EXTREMO
Para encerrar o seminário em si, Clayton Conservani tratou de "Planeta Extremo - a popularização da excelência". O repórter especial da Globo falou sobre o seu trajeto até chegar a esta posição na emissora. De matérias radicais, com ele fazendo tudo e praticamente sozinho, ele agora pode contar com uma grande e muito qualificada equipe para produzir um conteúdo claramente destacável, com muita qualidade de produção e pós-produção.

Para os quatro Planetas Extremos do ano no Fantástico, com reprise no Esporte Espetacular no final do ano, são seis meses de planejamento, cinco meses de gravação, três meses de edição e um mês de execução. O quadro mostraria o conflito da televisão atual entre a excelência e a banalização da notícia.

PROJAC/CGP
O dia seguinte foi de visita à Central Globo de Produção (CGP), conhecida como Projac. Percorremos várias áreas, desde a pré-produção, setores de efeitos visuais e efeitos especiais, até algumas cidades cenográficas, em que só pudemos entrar na de A Grande Família e na da novela que "tod@s" falam e eu nunca vejo, a Avenida Brasil.

Pouco falo sobre isso, mas é claro o cuidado profissional e com muita qualidade que a Rede Globo tem para produzir audiovisual. Além disso, tenho que destacar a boa vontade do pessoal que trabalha no dia a dia, mas que nunca aparece, em atender visitantes todos os dias e sempre com um sorriso no rosto. Alguns deles, como o pessoal dos efeitos especiais e visuais, verdadeiros artistas. É como produzir vários filmes por dia e com qualidade tecno-estética facilmente identificável e dificilmente realizada - a Record e o SBT que o digam.

De forma geral, o Seminário Temático Globo-Intercom foi bem interessante, especialmente pela possibilidade de "descobrir" coisas e o contato com outros pesquisadores dos mais diversos locais do país e com as mais diferentes formações teóricas, com direito a preocupação em reencontrar alguns deles no Intercom, em setembro.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

[Em busca do El Dorado] Rio de Janeiro "frio"

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"Viagem profissional dos sonhos", tudo pago pela empresa "arqui-inimiga", passagens, hotel caro a uma quadra da praia de Ipanema e a quatro, eu acho, da Lagoa Rodrigo de Freitas, com quase todas as refeições pagas por ela e com direito a recepcionista esperando no aeroporto. Muito bom para quem vive indo aos eventos por conta própria e que nunca esconde de ninguém que hostel/albergue não faz mal a ninguém, pelo contrário - ainda que seus colegas de pesquisa fiquem em hotéis.

Como na viagem do ano passado a Brasília, paga por um instituto de pesquisas federal, a cabeça não anda nada bem. Pelo menos desta vez eu não tenho que me preocupar em escolher hotel - e como em Brasília eles são caros! - e ficar pressionando o pessoal para pagar as diárias, algo que só foi feito após uma semana, na mesma em que tinha que qualificar e apresentar um trabalho no seminário do grupo.

Só por essa experiência do ano passado já dá para perceber que se não tem qualquer dificuldade é porque não é comigo. Olhamos ontem a previsão do tempo para o Rio de Janeiro e a resposta: chuva na quarta e na quinta e na sexta, quando vou embora e não terei tempo para sair, o sol abre. O alagoano sai do inverno do Rio Grande do Sul, que chega no máximo a 17ºC, torcendo para ver praia novamente, sentir um calorzinho e pisa na "cidade maravilhosa" e encontra 20ºC, o que, ainda assim, é muito bom. Daqui a pouco volto ao assunto.

Para variar, o cartão de embarque dizia que o portão era o 2, a atendente disse que era o 1, que geralmente é para viagem internacional. Vou no 1, sem informações, chego no 2 e colocam a informação no 1 e vamos tod@s nós até lá. 

O voo estava cheio de crianças, creio que nunca peguei um avião com tantas delas. Tudo bem que eu gosto de crianças, mas hoje, depois de uma noite mais que insone foi sem dormir mesmo, tem que ter paciência. Ao meu lado estavam dois irmãos, um pré-adolescente e outra com uns 18 anos. Ela perguntou se ele queria trocar de lugar, ele não quis (mala suerte...). 

Li um capítulo de um livro e fui dar uma cochilada, de repente aparece a mãe das crianças com uma menor, que queria ficar com a irmã. Levanto e deixo ela passar. Briga com o irmão e pede para voltar... Já era qualquer tentativa de cochilo numa viagem de menos de 2 horas.

Já perto do Rio de Janeiro, até mesmo por conta do tempo ruim, passamos por algumas turbulências. Uma menina lá mais para trás, que não parava de falar, começa a perguntar à mãe "vai cair?", "vai cair, mãe?". Não era medo - e por mais que eu queira, para o bem do meu emprego, não farei as piadas que me passaram pela cabeça na hora. Com a aterrissagem, os pais das crianças aplaudiram e elas adoraram. Se eu já não gostei dessa reação há 5 anos, na minha primeira viagem de avião e com o acidente da TAM ainda recente, imagina agora...

PASSEIO
Para variar, o motorista que me trouxe saiu papeando comigo do Aeroporto até Ipanema. Turismo, o tamanho imenso da UFRJ, o Eike Batista construindo um porto só para ele, até chegarmos na política. Pelo que ele me disse, teria formação em jornalismo - animador, não? - e teria trabalhado para o Brizola do final dos anos 1980 para o início dos anos 1990. Aí, pronto, foi só falar mal da líder do oligopólio e da política brasileira e as opiniões concordavam em quase tudo. Com direito a comentário crítico sobre a entrevista com a Rosane (ex?) Collor no Fantástico.

Ainda que com muita dor de cabeça, cheguei no hotel, resolvi o que tinha que resolver e parti. Ver praia novamente, ainda que sob ressaca, é uma maravilha. A Lagoa Rodrigo de Freitas também é um espaço legal para se conhecer. Melhor ainda seria dar uma corrida em volta ou pegar uma das bicicletas que ficam por ali. Foi um dos poucos momentos em que o sol resolveu aparecer, pelo menos para eu registrá-lo, ainda que escondido entre as nuvens.

Ah, um local que um amigo deu sugestão de visitar foi a Livraria Travessa, que fica até que bem perto do hotel. Livraria nos melhores modelos possíveis, ainda que agora até que comuns nas grandes cidades brasileiras. Várias opções de leitura, de DVDs/Blu-rays inclusive com uma série com os filmes de Charles Chaplin e um bom restaurante na parte de cima.

região também é cheia de lojas, com várias delas com promoções - a maioria das mulheres que eu conheço ficariam loucas por aqui -, e algumas galerias com ainda mais lojas, dos mais diversos segmentos.

Acabei andando tanto que fiquei meio perdido no Leblon. O meu ponto de referência para me reencontrar foi o Shopping, que fica do lado do Oi Casa Grande, foi lá que consegui achar uma camisa original do Fluminense mais barata, mas é claro que de outras temporadas. Já ficou para a coleção dos campeões locais.

Depois de lá, dei uma volta pela praia, já com céu escuro e retornei para o hotel para dormir um pouco antes do jantar e ficar depois sendo pressionado para sair de casa e visitar à Lapa. Amanhã tenho um dia que pode ser muito importante para a pesquisa e hoje eu não estou com força alguma para sair por aí, ainda mais com o vento do jeito que está.

Para terminar, ver as cariocas com cachecol me fez lembrar um curta que eu assisti no ano passado: Recife Frio (Kleber Mendonça Filho, 2009), que mostra um relato jornalístico sobre as alterações climáticas no Recife por conta de desastres ambientais:

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Mais um lutador desiludido

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Em tempos de sucesso das Artes Marciais Mistas, o MMA, através da franquia do UFC, os lutadores de boxe que tentam romper a barreira das regras olímpicas têm em cada grande luta uma decisão para a vida. Afinal, o sucesso nela pode garantir novos espaços em outros eventos.

O confronto que iremos acompanhar hoje é um desses casos. De um lado, alguém com pouca experiência, mas muita técnica; no outro corner, um boxeador que já está decidido a partir para outras formas de luta, com menos rounds a disputar, ainda que com maior ação.

- A expectativa é de um confronto bem interessante para quem acompanha. Afinal, são estilos diferentes de entender o que se dá no ringue.

Este foi o nosso comentarista. 

Ah, é importante frisar para os amigos que nos acompanham em casa que não era prioridade de nenhum dos dois que este confronto surgisse. Na verdade, possíveis concorrentes de um lado, já pelo MMA, acabaram se lesionando e, para se manter, surgiu a possibilidade de uma volta à nobre arte do boxe. Como o adversário de hoje também esperava por um bom adversário, topou enfrentá-lo.

Vamos à luta.

Neste primeiro round, vamos tendo uma tomada do centro do ringue pelo lutador B. Ele consegue manter bem a distância e empurrar o adversário para as cordas. Porém, a luta ainda tem poucos golpes contundentes, ambos parecem estar se estudando. E o assalto chega ao final sem grandes emoções...

- Como você bem disse, talvez até pela falta de não se conhecerem tanto, este primeiro momento foi de análise da forma de lutar do outro. Mas há de ter mais emoções a partir de agora...

A partir do segundo round, o lutador A parece querer tomar a iniciativa. Já toma conta do espaço do ringue, mede bem a distância, aproveitando-se de sua envergadura e coloca alguns golpes. O rival já começa a tentar emperrar a luta.

- É curioso como a falta de costume para o boxe para uma luta inteira já fez que B sentisse um pouco com um avanço mais significativo do seu rival de hoje.

... E vamos passando, round após round, e a coisa não muda. A segue pressionando, chega a colocar o adversário nas cordas, mas, estranhamente, parece sempre permitir que B consiga se safar de um nocaute. Algo que pode ser imperdoável quando se enfrenta um adversário duro que nem esse.

- Pois é. Sempre me irritou lutadores que preferem segurar a luta até o final, para vencerem nos pontos. O mais legal do boxe é justamente o nocaute. Se há esta possibilidade, que se parta para cima de vez!

Chegamos ao último round. Indiscutivelmente, A pontuou bem mais até agora. B já balançou várias vezes, de forma que o árbitro chegou a abrir uma contagem. Ainda assim, o preparo físico para esse tipo de luta parece invejável e ele segue ali.

- Parece que é uma luta em que cada um quer provar que seu estilo é melhor que o do outro. Incrível! B pode até balançar, já discutiu com seu corner várias vezes no intervalo, mas teima em não desistir.

Vamos então ao que interessa! Soa o congo para o último assalto. Como ocorreu até aqui, A toma conta do ringue; B agora já tenta bailar um pouco mais para ser menos castigado.

- Ele tenta com isso, também, mostrar aos juízes que se ele balançar ainda mais vai ser porque quer. Desta forma, ele pode seguir na luta e evitar qualquer nova contagem.

A parece que resolveu definir a luta agora. Acerta alguns golpes na linha de cintura, mas vai esbarrando na guarda do rival quando tenta algo mais forte em lugares que fariam a luta acabar. Opa! TUDO MUDA!!! Olha só. A partiu para cima de B e foi levado às cordas. B agora acerta um cruzado de direita e é IIIIIIISSSSSSSSSOOOOOO!!! Fim de luta sensacional! B nocauteia o seu rival!

- Incrível! Incrível! Vejam a cara de A quando conseguiu se levantar, ainda trôpego. Definitivamente, mais um lutador que sai dos ringues desiludido...

segunda-feira, 16 de julho de 2012

[Baú do Por Trás do Gol] O pesadelo de Flávio Costa

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33 minutos do segundo tempo. A bola rola no Maracanã, a torcida explode em alegria com o empate que dá o título para o escrete nacional. As nossas potencialidades chegando ao ápice no esporte inventado pelos ingleses, num confronto que é histórico, já que do outro lado temos a seleção bicampeã olímpica e campeã do primeiro Mundial. Ouça as vozes de mais de 200 mil pessoas, que lotam como nunca um estádio de futebol...

Opa. Olha a correria do ponta-esquerda uruguaio na lateral...

- Vale lembrar que foi de uma jogada assim, com cruzamento dele para a área, que saiu o primeiro do Uruguai.

Não vai ser desta vez. Ghiggia continua correndo, Bigode já ficou para trás... Não é possível... Ele chegou na nossa área! Corta Juvenal! Defende Barbosa! Não, não pode ser. Gool do Uruguai, Ghiggia!

(Segundos de silêncio, o narrador não acredita no que vê e no que não ouve. O Maracanã está calado. No banco, Flávio Costa está atônito, como se tivesse visto aquilo antes)...

POOOOM! POOOOM! POOOOM!

15 de julho de 1950. Num dos quartos do alojamento no Estádio São Januário, Flávio Costa, técnico do escrete brasileiro, acorda suado e quase pulando da cama após ouvir as buzinas das indústrias ao redor. Assustado com o pesadelo que acaba de ter justamente na véspera da final da Copa do Mundo, fala de forma ofegante e repetitiva:

- Isso não pode acontecer! Isso não vai acontecer! Isso não pode acontecer! Isso não vai acontecer!... – e repete esta espécie de mantra até chegar ao banheiro.

Após jogar água no rosto, pensa: “Calma, Flávio, só foi um pesadelo, não quer dizer nada. Mas e se quiser? Por via das dúvidas, tenho que fazer algo”.

O técnico resolve não falar sobre a péssima noite para não assustar os jogadores e nem para ser zoado pela turma. Nos treinos, observa cada jogador e resolve chamar em particular o trio Bigode, Juvenal e Barbosa. Os demais jogadores acham estranho. Desde o ínicio do dia, ele mal falara algo, a não ser “Vamos lá”, apontando ao campo.

- Eu quero que vocês tenham cuidado com um jogador em particular.

- Quem, treinador? Não precisa disso, nós jogamos e ganhamos deles no ano passado. Não precisa disso – disse-lhe o zagueiro Juvenal, encarando os outros dois companheiros – Vocês também não acham? Ele quer ensinar padre a rezar missa!

- Me escutem! Esse jogo será especial. Se ganharmos, veremos a alegria de muita gente, teremos tudo o que jamais imaginamos. Mas se perdermos, seremos protagonistas de uma cena jamais vista no futebol mundial!

- Que é isso? Não vem com essa, o título vai ser nosso – afirmava Barbosa.

- Bigode, sabe o ponta-direita do Uruguai?

- O Ghiggia?

- Sim. Peço para que não dê sossego a ele.

- Vai ser fácil!

- Quanto a vocês dois. Juvenal fique alerta quanto à cobertura. E, Barbosa, não deixe passar nada!

Depois do treino, mais uma tarde para atender os políticos e a preparação para o dia que colocaria todo mundo na história do Brasil. Mais uma noite de sono para acordar bem. Estaria precavido para o dia seguinte.

16 de julho de 1950. Ida mais cedo ao estádio e o mantra repetido inúmeras vezes na cabeça (- Isso não pode acontecer! Isso não vai acontecer!...).

No vestiário, Flávio Costa repete o pedido a Bigode:

- Não dê sossego ao ponta-esquerda deles. Não esqueça disso! Nem que saia expulso caso precise tirá-lo de campo.

- Sim, senhor.

- Barbosa, conhece o ditado que “um raio não cai duas vezes no mesmo lugar”? Ninguém repete uma jogada na mesma partida. Não se engane!

Barbosa entrou em campo pensando naquilo, afinal o que tinha a ver o tal ditado com a partida?

Primeiro tempo, mais de 200 mil torcedores presentes, todos viram um zero a zero. Empate daria título ao Brasil. No segundo tempo...

E lá vai o Brasil para o ataque. Friaça recebe a bola e marca! GOOOOOOOOOOOOOLLLLLL!!!! Do Brasiiiiillllll!!! Ninguém nos tira a taça! Ninguém nos tira a taça!

Flávio Costa vibra, mas aproveita para avisar a Bigode: “fique colado nele!” O barulho era tão grande que mesmo passando ao lado dava para alguém escutar.

E o tempo não passa! 21 minutos do segundo tempo, um pouco mais de calma, torcida brasileira. Mas quem vem com a bola é Ghiggia pela ponta-esquerda. Bigode colado nele. Ghiggia cruza voltando para Schiaffino (“Não Bigode, disse para fazer qualquer coisa!”), Schiaffino bate, é goooll do Uruguai, Schiaffino. Sem chances para Barbosa!
[...]
33 minutos! A bola rola no Maracanã, a torcida explode em alegria com o empate que dá o título para o escrete nacional. As nossas potencialidades chegando ao ápice no esporte inventado pelos ingleses, num confronto que é histórico, já que do outro lado temos a seleção bicampeã olímpica e campeã do primeiro Mundial. Ouça as vozes de mais de 200 mil pessoas, que lotam como nunca um estádio de futebol...

Opa. Olha a correria do ponta-direita uruguaio na lateral-esquerda...

- Vale lembrar que foi de uma jogada assim, com cruzamento dele para a área, que saiu o primeiro do Uruguai.

Não vai ser desta vez. Ghiggia continua correndo, Bigode marca junto. Ih, Ghiggia consegue passar da falta.... Não é possível... Ele chegou na nossa área! Corta Juvenal! Defende Barbosa! (“Lembra, Barbosa! Lembra, Barbosa!”) BAR-BO-SA!!!! BAR-BO-SA!!!! BAR-BO-SA!!! O estádio inteiro grita o seu nome. É a defesa do título!!!

Flávio Costa comemora bastante no banco, aos olhos de Nilton Santos, que volta correndo do vestiário após ouvir os gritos ensurdecedores da torcida.

46 minutos. O juiz pode acabar a qualquer momento. Eu avisei! O título ficará no Brasil. Esta festa foi preparada para nós, tem que ser para nós.

PRRRRRRRIIIIII
ÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉEÉÉÉÉÉÉÉÉÉ!!!! CAMPEÃO!!! CAMPEÃO!!! Muita emoção no Maracanã! Crianças, jovens, homens e mulheres não se cansam de chorar, se abraçar, pular! O Brasil inteiro emocionado com o título nacional! Flávio Costa entra em campo e parece gritar algo como: “Não aconteceu! Não aconteceu!”. Barbosa vai ao seu encontro apontando para as nuvens. Torcedores o levantam...

POOOOM! POOOOM! POOOOM!

Flávio Costa se levanta com um sorriso imenso, olha para o espelho e percebe que ainda está em São Januário. O jogo será em algumas horas. Aquilo era um sonho grandioso. “Premonição, com certeza. Premonição!”. Alegre com o sonho que acaba de ter justamente no dia da final da Copa do Mundo, esquece do pesadelo da noite anterior e fala de forma radiante e repetitiva:

- Premonição, com certeza. Premonição! O título é nosso!

Mal sabia ele qual das duas noites estava certa...