domingo, 23 de novembro de 2008

Fome: ainda um tema proibido?

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100 anos de Josué de Castro
Em 2008, o médico, escritor e cientista social pernambucano Josué de Castro completaria 100 anos de vida. O quê? Você nunca ouviu falar em Josué de Castro? Tudo bem, explicamos rapidamente.
Esse pernambucano foi o responsável pelos primeiros estudos e publicações que mostraram que a fome não era um simples problema biológico ou culpa dos pobres. Havia todo um processo de desigualdade mundial que a gerava.
Josué, para se ter uma idéia, foi indicado por três vezes ao Prêmio Nobel da Paz e recebeu vários prêmios. Chegou a lecionar em algumas das melhores universidades do mundo, como a Sorbonne (França), onde teve que se exilar após a chegada da ditadura militar em seu país de origem – quando ele recebeu convite de 14 países para fixar residência.
Seus livros mais famosos sobre o assunto foram Geografia da Fome (1946) e Geopolítica da Fome (1961). O primeiro é um clássico desse tema e o último recebeu um prêmio de uma universidade americana, pela grande relevância em tratar do assunto. Assim o fez, ligando-o a áreas nunca antes relacionadas, como a política e as diferenças de desenvolvimento entre os lugares do globo.
No Brasil, especialmente com Geografia, mostrou ao mundo que em meio ao carnaval, às mulheres nas praias, havia, e ainda há, pessoas que não podem aproveitar das “maravilhas brasileiras”. Pelo contrário, a maioria das pessoas sequer tem direito ao mínimo para a sobrevivência, a alimentação.
Li há quase dois anos um livro com alguns artigos deste autor, Fome: um tema proibido, como forma de conhecê-lo, já que um colega havia falado sobre ele. Na época, o Geografia da Fome estava locado com alguém na Biblioteca Central da Ufal, mesmo assim peguei outro livro com textos de Josué.
Após isso, lembro de ter visto ano passado uma exposição no hall da mesma BC sobre ele e uma matéria no Jornal Hoje (TV Globo), este ano, vinte e cinco anos depois de sua morte. Para a minha surpresa, no jornal Gazeta de Alagoas desta quinta-feira o caderno de Cultura falava sobre este autor, o que me incentivou a publicar aqui os comentários sobre seus artigos organizados em Fome: um tema proibido, postado em duas partes logo abaixo.
Para quem quiser conhecê-lo melhor, há o site www.josuedecastro.com.br.

Fome: um tema proibido – últimos escritos de Josué de Castro

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O livro consta de vários artigos sobre a fome escritos pelo médico Josué de Castro geralmente como prefácio de seus livros, quando não, são artigos para revistas científicas de outros países. O conhecimento sobre o autor, mesmo sem ter lido nada dele antes desse livro, já era o de escritor clássico sobre um tema, infelizmente, também clássico, a fome.
Sendo dividido em três partes (a fome, subdesenvolvimento e desenvolvimento e geografia da fome), o livro trata do tema tanto de forma a explicá-lo quanto para mostrar ao mundo a fome de um local específico, o Nordeste brasileiro, para uma publicação alheia. Sempre procurando tirar o etnocentrismo característico de publicações desse tipo, mostrando também que é impossível para uma pessoa escrever sobre uma realidade em que está inserido colocar parte dessa influência no seu trabalho.
Na primeira parte do livro são colocados artigos de forma a nos apresentar a fome. Logo o primeiro mostra como esse tema foi inserido na cabeça do autor, pelo mesmo morar perto de um mangue ele via os caranguejos e a situação dos mesmos quando não vem nenhum alimento da maré, com as pessoas que não tinham o que comer. Tentando, como o fez em todo o texto, dissociar da idéia malthusiana de que o grande culpado pelo alastramento de misérias por todas as partes do mundo é a explosão demográfica, onde a única alternativa seria isolar esses locais, visão bem etnocentrista, de outra forma, pensa que há comida suficiente para todos desde que todos os recursos oferecidos pelo mundo sejam utilizados, a diferença entre o potencial natural e de força para trabalho humanos em relação ao que vem sendo utilizado é grande, uma alternativa é melhor utilizar o ambiente terrestre. Até porque essa situação é encontrada em outros países ditos subdesenvolvidos, como os Estados Unidos, algo escondido até a década de 60 do século passado, onde, até hoje, há penúria onde moram os imigrantes latinos e afrodescendentes, o que mostra também que a falta de preocupação com esses locais e o paternalismo usado nos países de Terceiro Mundo são utilizados dentro de um país que, desta forma, divide a riqueza e a pobreza num mesmo país. Explicando que se esse processo de exclusão não for de todo exterminada, algo que quase 40 anos depois da maioria dos artigos não ocorreu, essas pessoas poderão se revoltar ao comparar realidades diferentes, causando uma guerra social. Algo que já pode ser visto em relação às guerras americanas no Iraque e no Afeganistão devido às diferenças de poderio entre os dois oponentes, mas que não conseguem vencê-lo quem seria favorito a tal ato e no Brasil com o crescimento do número de pessoas ligadas aos movimentos sociais.

Fome ... - Parte II

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Na segunda parte apresenta-se alternativas para esse processo, só que grande parte das alternativas dependeriam a priori dos países desenvolvidos, que deveriam tirar dos outros países a situação colonial que impediu a maioria dos de Terceiro Mundo a se desenvolver em tempo hábil, já que até os dias de hoje nenhum país conseguiu avançar uma escala no espaço sócio-econômico mundial. Sem falar que num mundo onde a ciência e a técnica se apresentam deveras desenvolvidas, como ninguém busca um método para beneficiar áreas onde os alimento não podem ser produzidos? Cita o exemplo de um programa que transforma elementos derivados de petróleo em alimentos, o melaço da cana que pode ser utilizado em outros alimentos, além de várias outras formas que poderiam ter sido criadas, passando para hoje, do mesmo jeito que há estudos sobre biocombustíveis devido ao fim dos recursos petrolíferos, poderia ter-se criado algo para evitar, ao menos, que as novas gerações estejam a mercê de ajudas comunitárias que poucas vezes chegam para acabar com a fome. O autor coloca que o problema da poluição teve seu início com a colonização dos países desenvolvidos, onde foram extraídas várias espécies, que hoje se apresentam em extinção e poderiam ser alternativas para os outros países, além de que os países por serem subdesenvolvidos não se acham na obrigação de se preocupar com a poluição, algo que até hoje se apresenta dessa forma.
A terceira parte tem o título do livro que o fez ficar conhecido, “Geografia da Fome”, e fala como ocorreu a preocupação dos outros locais do mundo para com esses “primos pobres”. Começa com o prólogo do livro que escreveu para uma editora americana e para um público americano, explicando coisas que para nós, principalmente do nordeste, que são conhecidas, mas que para outras pessoas não são; além de aspectos que ele porá no livro que se seguiria ao trecho, desconhecidos até por quem mora na região, que poderiam surgir como fantasias suas. Das reuniões que ocorreram para se pensar aspectos que diminuiriam essa penúria nada fixo foi resolvido, a proposta de a década 60-70 ser a de diminuir o subdesenvolvimento através do envio de 1% de suas riquezas produzidas por esses países e o maior investimento de empresas nos de Terceiro Mundo. Algo que não foi visto apesar das reuniões de Nova Déli e Bandung, e que não ocorreram em nenhum outro momento da história desse mundo.
Como o autor coloca num trecho de seu livro, no mundo há 2/3 que vivem numa situação de fome, seja ela extrema ou de quase penúria, e outros 1/3 que não dormem com medo dos outros. Mesmo após grandes estudos realizados por esse médico, não existiu nenhuma alternativa nem no seu próprio país frente a uma situação que ocorre em várias partes brasileiras, a não ser o clássico paternalismo, o que ocorreu foi de origem da própria sociedade que procurou a união em prol de objetivos comuns, talvez seja isso o que devam fazer, se unir em busca de soluções que o poder público deveria tomar.


(CASTRO, Josué de. Fome: um tema proibido – últimos escritos de Josué de Castro. Anna Maria de Castro (org.). 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, 242 p.).

domingo, 9 de novembro de 2008

Enforca um, elege o outro

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O que mais ouvimos é que o dia 04 de novembro de 2008 marcará a história da humanidade. Neste dia, 66% da população “votante” dos Estados Unidos foi às urnas e com ampla vantagem elegeu o primeiro presidente negro da história estadunidense.

Há quase vinte anos atrás os Estados Unidos “alimentavam” com armas o Iraque de Saddam Hussein contra o Irã na Guerra do Golfo. Décadas depois, seu presidente resolve inventar uma estória gigantesca, com muita ficção, para que o mundo inteiro aceitasse ou participasse de uma corrida maluca até garantir seu enforcamento.

Mas, em meio a tanta esperança, em plena “revolução democrática” (Arnaldo Jabor), porque citar algo que só lembra o passado? Ah, você pode pensar: “para demonstrar que, como disse o próprio Obama, ‘a hora da mudança chegou à América’. A era Bush chegou ao fim”.

Engano vosso.

De forma superficial, Barack e Saddam têm, ao menos, uma coisa em comum: ambos possuem o sobrenome Hussein e representam povos segregados na histórica estadunidense, os negros e os árabes. Para um, a resposta foi o enforcamento; para o outro, a aclamação mundial.

Calma, ávidos defensores do democrata, não cairemos no discurso desesperado mccaniano e dizer também que Obama tem ligações com algum terrorista. A questão que os une é a facilidade do pessoal lá de cima, os desenvolvidos Estados Unidos, de armar simples mortais, seja através de armas ou de um poder político e confiança antes inimaginável.

Exageros aos montes aparecem agora. Os míseros onze anos de política de Barack o fizeram chegar ao posto mais importante do mundo. Um negro chegando ao maior posto do mundo, seria a prova de que “a vitória está ao alcance de todos” (Jornal Nacional). Porém, quem faz parte desse todos?

Obama vem de origem familiar pobre, é verdade, mas tem ao seu lado o arsenal de um dos maiores partidos políticos do mundo, um lado da polaridade eleitoral americana, os Democratas, que estão longe de ser um partido que sempre defendeu a igualdade entre os povos.

Mas isso é o partido, não o sujeito, certo?

Então vamos à parte prática: quais são as propostas de Barack Hussein Obama Jr. que possam gerar uma transformação real para a população, nesta incluindo o mundo inteiro, afoito pela sua vitória? Tirar as tropas do Iraque daqui a cinco, seis meses, modifica a vida dos quenianos que tanto vibraram com a sua eleição?

Acho que não. Os estadunidenses não votariam em Obama, em plena grande crise econômica, se ele pensasse em dividir com os demais países as riquezas que tanto tentam demonstrar. Não só os votos dos negros, dos desempregados deram-lhe a diferença de mais que o dobro de delegados em relação ao seu adversário. A elite também o escolheu e nós, brasileiros, sabemos muito bem o quão é importante o apoio dessas elites. Perguntem aos banqueiros do Lula.

Falando no presidente brasileiro, uma relação pertinente. Brito Júnior, no programa de variedades em que trabalha, afirmou que o resultado eleitoral era a realização do sonho de Martin Luther King, da união entre brancos e negros, “a chegada dos negros ao poder”. Quer dizer que o Lula no poder, é o operariado no poder? Aproveitem para perguntar isso também aos banqueiros dele.

Não há dúvidas que Barack Hussein Obama Jr. quebra paradigmas ao ser alguém de cor negra se tornando presidente de uma das nações com imenso apartheid social. Assim como não haverá dúvidas, isso o futuro nos dirá, a quem as suas decisões realmente servirão. Perguntem aos banqueiros, desta vez aos americanos.

sábado, 1 de novembro de 2008

Quem quer dinheiro?

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Nos ônibus, de vez em quando, você acaba por escutar as conversas alheias, desde problemas pessoais a discussões mais profundas, teóricas até. Foi numa dessas discussões que ouvi comentários de dois universitários sobre a implantação do sistema digital de Televisão no Brasil. O mais interessante foi ouvir a indagação de um deles: “Para que high definition [alta definição] para assistir o Faustão?”.
Sempre reclamamos de quanto o nosso país é atrasado em alguns aspectos; quando há um desenvolvimento tecnológico próprio, eis que importamos o que fazem lá fora. Foi o caso da tecnologia digital para a televisão, o que o Governo federal chamou de SBTVD, nome com iniciais da emissora do Sílvio Santos. Enquanto universidades brasileiras, poucos centros de excelência ainda existentes, desenvolviam a tecnologia eis que o governo grita para o mercado estrangeiro, o famoso jargão do dono do SBT: quem quer dinheiro?
O resultado do leilão de qualidade e financiamento no país foi a vitória do sistema japonês sobre os padrões europeu (especificamente o francês) e americano. A única melhoria realizada é a inclusão de mais um canal para codificação de dados de vídeo, o tal do MP-4 em vez do MP-3 japonês. Você não está confundindo as coisas, é algo parecido com o aparelhinho que costumamos usar para o entretenimento durante os percursos do ônibus.
Explicando um pouco sobre essa nova tecnologia, a grande vantagem da TV Digital é a utilização do mesmo espaço no campo eletromagnético de forma melhor, já que, com as alterações previstas, abrirão espaço para mais quatro novos canais dentro do mesmo espaço ocupado por um analógico.
Isso poderia significar mais espaço para que outros tipos de informação chegassem aos nossos ouvidos. Podemos pensar em maior variedade de canais, aquele esportivo que só passa no canal a cabo, melhorar ainda mais a considerada até de boa qualidade TV brasileira. Já pensou um canal só para cultura, produzido por quem tem condições para bancar eventos desse gabarito?
Pois é, mas também podem vender esses canais, advindos de uma concessão “pública” – de renovação automática e sem consultar a sociedade –, para emissoras de televenda. Venda de tapetes, jóias, bugigangas eletrônicas para emagrecer, um canal para cada um. Não se gasta com a produção e ainda lucra no fim do mês! Ainda tem as empresas religiosas, popularmente conhecidas como igrejas, que já infestam nossas madrugadas televisivas.
Além da quantidade de canais a mais, a qualidade é o ponto de maior destaque com essa nova tecnologia, qualidade técnica é bom que se diga. O tamanho-base para a imagem reproduzida na tela será diferente (do 4X3 para o 16X9), além de melhorias no som e na própria imagem. Melhorias em shows transmitidos, partidas de futebol, novelas e outros eventos a serem mostrados pela televisão. Até para o Domingão do Faustão. Para que precisamos mesmo de alta definição?
O desenvolvimento para chegar a esse ponto para as emissoras de TV, em termos de gastos, é grande. Cada emissora que quer continuar daqui a dez anos a produzir seus programas, terá que desembolsar muito por equipamentos adequados a essa nova tecnologia. Já temos notícias que a emissora paulista Rede TV! estaria tendo dificuldades em adquirir câmeras e demais equipamentos que sejam adequados ao HDTV.
Ou seja, a segregação entre poderosos e os “nem tanto” na mídia brasileira irá se agravar. Como podemos esperar com boas perspectivas um processo que mal permite que as emissoras existentes permaneçam? Como acreditar que um movimento social consiga tal coisa, se ele já não possui estrutura para transmissão via canal analógico?
E como ficam os canais da rede Educativa espalhados por todo o país, cujos detentores são os governos estaduais? Aqueles estados que tiverem dinheiro para bancar a alteração permanecerão, outros, como a Educativa de Alagoas – que mal consegue transmitir para a capital – deverão acabar. Isso se lembrarmos que são nesses espaços que há maior quantidade de programas sobre cultura e produção local, ao menos na TV aberta.
Esperemos, esperemos. O processo de segregação social já começou na implantação inicial, começada pelo estado mais rico da federação, São Paulo. O futuro nos reserva o canal da Igreja dos Cafundós, o Teletapetes, o Globo 2, o da Igreja do Tapete, a Record 2, ...