quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

[Gauchão 2012] Enquanto os grandes trocam birras...

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Sou de fora do Rio Grande do Sul e não só apaixonado por esportes, especialmente pelo futebol, como o dito cujo é o meu observável de pesquisa. Se eu tanto temi transformar a minha paixão em objeto de estudo, só percebi nesse quase um ano em terras gaudérias que é muito bom estudá-lo. Pois bem, uma das perguntas que geralmente me fazem é: "já escolheu para quem torcer?".

Durante um tempo até dizia que ainda não, por mais que não gostasse de vermelho por conta da rivalidade alagoana, o Grêmio não me atraía. Depois de um tempo, percebi que se um gaúcho fosse para Alagoas provavelmente iria se recusar a ter de escolher entre CSA, CRB e, nos últimos anos, o ASA. Por que eu tenho "obrigação" de escolher um time no Rio Grande do Sul, por que um da dupla Gre-Nal?

Com esse acompanhamento mais de perto do Gauchão deste ano - e após um longo período de convívio com um amigo xavante (torcedor do Brasil de Pelotas, para os de fora) - fui percebendo algumas coisas de como o futebol é tratado no Rio Grande do Sul, escrevendo, inclusive, sobre elas. Parece que grandes grupos comunicacionais e a própria Federação se preocupam mais com o sucesso da dupla Gre-Nal, quer dizer, quase que exclusivamente.

Por exemplo, ouvindo a narração de uma das rádios de um jogo do Cruzeiro, ainda situado em Porto Alegre, o repórter de campo não sabia a pronúncia do nome do jogador que iria entrar. Eu sabia, pois ouvi outros jogos do Cruzeirinho por rádios web e/ou com streaming pela internet. Enquanto o time seria "prejudicado" por uma decisão do TJD que até este momento não foi publicada em site algum, pouco vi e ouvi representantes do clube que perdeu seis pontos que, numa coincidência cruel, acabou "cedendo" a vaga para o Grêmio na segunda fase. Nada também do fim do patrocínio do Banrisul para 11 clubes - que praticamente foi comemorado pela FGF.

O até então exemplo clássico dessa postura era o Globo Esporte RS, que desde o ano passado conta com todo o tempo disponível para tratar do esporte local. Quer dizer, do futebol gaúcho, em detrimento a grandes clubes esportivos, como o Grêmio Náutico União. Mas ainda é pior, pois o futebol local parece ser restrito à dupla Gre-Nal. Parecia. Dentro de algumas horas, ele será apresentado direto do centro de uma cidade do interior. O motivo? A final da Taça Piratini será com Novo Hamburgo, aqui do Vale dos Sinos, e Caxias, da região serrana.

SEMIFINAIS
Na primeira partida do domingo, o Grêmio estreava Vanderlei Luxemburgo no comando técnico de um elenco que passou por cima do favorito Internacional nas quartas de final sob a batuta do interino Roger. O Caxias vinha com a segunda melhor campanha no geral, mas parecia ser a zebra em seu próprio estádio, o Centenário. Pensariam os gremistas de que se já foi o Inter, o que será do time grená do outro lado?

Não sei. Numa partida razoável - já que a boa mesmo estava por vir à noite -, o Grêmio abriu o placar no segundo tempo com Kleber, após os goleiros Victor e Paulo Sérgio evitarem alguns gols até ali. Aos 39 minutos, Marcos Paulo cabeceou para o gol e, com 17 anos, fez o seu primeiro tento enquanto profissional do Caxias. 

Quem esperava aquele empate, seria a chance para se vingar da final da Taça Piratini do ano passado, quando o time da Serra abriu 2 a 0 ainda no primeiro tempo, em pleno Olímpico, e cozinhou o jogo até levar o empate depois dos 50, perdendo nos penais?

O capitão Lacerda ainda acertou um belo cabeceio, defendido por Victor, que parecia estar retornando aos seus bons tempos.

Confesso que sou fascinado por ver cobranças de pênaltis - desde que o meu time não esteja envolvido. Se o futebol é imprevisível, os pênaltis são ainda mais. Não tinha como apostar em nenhum dos dois, por mais que Victor ainda estivesse com a camisa tricolor. Marco Antônio, que dera duas assistências para Kleber nos últimos dois jogos, muito cobrado para ser o substituto de Douglas, o fugitivo, foi para a cobrança. Todo mundo, gremistas ou não, devem ter pensado: "do jeito que está, vai errar!".

Paulo Britto acabara de secar sem vergonha alguma o lateral-esquerdo Fabinho, "muito bom jogador, bate bem na bola, mas nunca se sabe". Não dera certo. Com Marco Antônio, nada de exprimir o que todos pensavam naquele momento. Pois bem, o xará do narrador de chavões irritantes defendeu o pênalti. No último, o goleiro caxiense foi para a cobrança. Desde o início, o narrador provocando, dizendo que nunca tinha visto goleiro fechar cobranças. Paulo Sérgio bateu forte, Victor desviou, a bola foi no travessão e entrou!

A final sem qualquer integrante da dupla Gre-Nal estava confirmada. Restava saber se seria o confronto entre os dois melhores do torneio até aqui, Caxias e Novo Hamburgo, ou o clássico de Caxias do Sul, o CAJU.

E que jogo o de Novo Hamburgo X Juventude. O alviverde abriu o placar no início, depois o Noia empatou com gol de atacante ídolo do papada, Mendes, que fez seu primeiro tento com a camisa anilada. Nova jogada aérea, muito confusa por sinal, e alguém, o zagueiro do Ju ou Alexandre, colocou para o gol.

Acompanhando a peleja por uma rádio de Novo Hamburgo, pude perceber o desespero do narrador no segundo tempo, com o anilado recuando mais e mais. Aos 39, da mesma forma que em Caxias um pouco mais cedo, Athos chegou chutando dentro da área, após espanada do zagueiro rival, que Eduardo Martini só olhou.

Martini, ex-Grêmio que falhara na estreia contra o Inter, que ficara desacordado na quarta de final. Ele que, aos 46 minutos de jogo, quando nem o narrador acreditava, mandou um balão pra frente que foi cair nos pés de Paulinho Macaíba. Atleta que tanto conheço pelas passagens no CSA no nosso último título alagoano em 2008, e no ano em que eu virei Azulino de coração em meio à segunda divisão local, em 2010. Macaíba encobriu o goleiro e fez o narrador da Rádio ABC gritar até quase perder a voz. Esse sim refletiu o sentimento da torcida ao longo do jogo, do gooool murcho àquele GOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLL no melhor estilo Galvão Bueno gritando "É tetra! É tetra!".

Já havia acompanhado jogos com narração oriunda de Santa Cruz do Sul, para jogos do Santa Cruz, e me impressionara com o fato de os locutores das rádios defenderem os clubes dos seus municípios. Diverti-me muito com isso, mas o do Novo Hamburgo ficará na minha memória pelo conjunto da obra. A tristeza em cada gol sofrido, a alegria da virada, a revolta com o recuo do time e o grito escandaloso com a classificação.

Daqui a algumas horas, Novo Hamburgo e Caxias entrarão em campo no Estádio do Vale para uma final, antes de qualquer coisa, merecida. Oriundos da chave 2, foram os dois melhores clubes até aqui com uma folha mensal de 220 mil reais, que deve ser menos do que o Jô recebe para ser reserva do Inter e só fazer uma partida razoável em mais de seis meses de colorado.

MÍDIA ALTERNATIVA ATIÇA O ANTI-GRENALISMO

Em meio a essa incessante busca de informações por todos os clubes, acabei conhecendo mais a fundo sites como o Copero FC e o Toda Cancha, feitos para os clubes do interior - e, por alguns torcedores desses clubes. Além do Impedimento, que apesar de ser mais voltado ao futebol sul-americano, não perde as tradições gaúchas. Acompanhar o Twitter dos três é certeza de informação sobre o futebol local, e muitas vezes com direito a minuto-a-minuto e várias piadas.

Sou alguém que busca a olhar a mídia de forma crítica, mas com ajuda de tantos torcedores fanáticos por contar as histórias de clubes "menores", isso vem ficando ainda mais fácil e divertido para o jornalismo esportivo.

Para piorar, além da cor do Inter e do Grêmio ter contratado o traíra Gladiador e o Profexô, que tanto tenho apreço (ironia), vejo disputa entre torcedores da dupla para saber quem foi pior na Taça Piratini... Enquanto os grandes trocam birras, Novo Hamburgo ou Caxias garantirão um segundo turno tranquilo e resgatarão um título para o interior, que apesar de várias adversidades, será o grande vencedor de 2012!

domingo, 26 de fevereiro de 2012

[Por Trás do Gol] Jogadores do mundo, uni-vos!

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Tinha visto um título de matéria aqui ou ali, mas só na sexta-feira li textos referentes à greve dos jogadores de futebol no Campeonato Peruano. Após anos e mais anos com os clubes não horando os compromissos salariais com os seus jogadores, a Agremiação de Futebolistas (Safap) pressionou a Federação Peruana de Futebol e conseguiu que os clubes fossem obrigados a negociar as dívidas para poderem participar do campeonato local em 2012.

Só dois dos dezesseis times, ambos recém-saídos do amadorismo, conseguiram não só pagar todos os salários atrasados, como apresentar garantias de que poderiam fazê-lo para esta temporada. A associação dos clubes fez um acerto com a Federação e prometia pagar o que devia em até 24 meses (dois anos!). Os jogadores discordaram, querendo receber em 12 meses. Sem acordo, os atletas, mesmo os de clubes que pagavam em dia, entraram em greve, "ameaçando" não só o campeonato peruano, mas também os representantes nacionais na Copa S... Libertadores, Juan Aurich (que está no grupo de Santos e Internacional) e Alianza Lima (adversário do Vasco).

Os jogadores não atuaram pela primeira rodada, com os torcedores vendo os juvenis das equipes em campo. Na Libertadores, todos continuaram a jogar, ao menos por enquanto. Apesar que os atletas do Alianza, com dois meses de salários atrasados, fizeram, literalmente, uma fila da sopa em frente ao estádio.

De concreto, o Universidad São Martin, um dos que pagavam em dia, fechou as portas. Enquanto o outro que fazia o mesmo, o Universidad César Vallejo, resolveu demitir todos os jogadores por "deslealdade". Fala-se nos bastidores que o clube pretende contratar os jogadores do São Martin. O Inti Gas também demitiu todo o elenco grevista, enquanto que o Sport Boys enviou carta de demissão a cinco dos então titulares...

O presidente da Federação estava em Zurique, em meio à grave crise local, e só após muita pressão pública é que "justificou" sua ausência para resolver justamente este problema. Uma das hipóteses, defendida por alguns clubes, seria cancelar o Nacional do primeiro semestre.

(Vi notícia após publicar este texto, que o presidente retornou e proporá novo acordo. Caso os clubes sigam sem pagar salários perderam dois pontos na classificação global do campeonato, mais dois no segundo mês e será excluído do torneio caso passe três meses. Esperar para ver...).

ASSUNTO ANTIGO E CORRIQUEIRO
O assunto é mais antigo do que se pensa. No próprio Peru havia até então uma regra de que clubes com salários atrasados poderiam perder pontos de partidas. Quatro times perderam pontos nas temporadas de 2010 e 2011, mas tudo continuava a ocorrer como antes até a revolta geral neste ano.

Também não é algo novo no mundo dos esportes. As temporadas 2011/2012 de esportes como o basquete nos Estados Unidos (NBA) e o hóquei no gelo (NHL) tiveram o início adiado até que a divisão de lucros fosse resolvido, passando meses num lockout - greve ao contrário, em que os proprietários dos clubes não deixam os atletas usaram a estrutura física até resolver o impasse financeiro.

No futebol, Espanha e Itália viram seus famosos e milionários campeonatos nacionais terem que adiar a primeira rodada porque vários clubes não estavam pagando em dia. Enquanto Real Madri, Barcelona, Milan, Juventus e Internazionale gastam fortunas com cada atleta, vários outros times não conseguem manter o elenco por um mês sequer. 

Vale lembrar que mesmo os atletas do grandes, que pagam muito e em dia, fortaleceram a greve. Com destaque para o capitão da seleção espanhola e do Real Madri Iker Casillas, e o capitão do Barcelona, Carles Puyol, que apareciam na primeira fileira atrás do presidente do sindicato dos jogadores.

Os campeonatos começaram após uma garantia de que se criaria um fundo para ajudar os atletas caso os clubes atrasassem salários e  o estabelecimento de novos acordos para rever o que os clubes deviam.

No Brasil, vimos a disputa TrafficXFlamengo quanto ao não pagamento de parte dos salários de Ronaldinho Gaúcho por não haver contrato entre a empresa e o clube. Além desse caso, o rubro-negro carioca deve muitos meses dos direitos de imagens de Deivid, que entrou na Justiça, e viu Alex Silva abandonar o barco antes da estreia na Pré-Libertadores. Não canso de repetir o "filósofo" Vampeta para este caso: "Eles fingem que pagam e eu finjo que jogo" - Ronaldinho, mesmo recebendo, esqueceu de mudar a segunda parte...

Outro caso comentado neste início de ano foi do Vasco da Gama. Sem receber parte dos salários há alguns meses, os jogadores resolveram parar de se concentrar antes das partidas. Concentração, lembramos, que foi abolida para os casados na época da "Democracia Corintiana", na década de 1980, e que não existe para jogos em casa na Europa.

Enquanto os resultados em campo deram certo, não se viu problemas nesta decisão dos vascaínos. O "mundo" caiu em cima mesmo foi do meia Bernardo, que entrou na Justiça para receber os atrasados. Torcida começou a vaiá-lo em campo, jogadores discordaram da decisão dele e indicaram que o caminho do jovem jogador no Vasco poderiam estar chegando ao fim...

No Cruzeiro, que após os mandatos dos Perrela viu a "fonte" secar, o novo presidente mal assumiu e caçoou da reclamação dos jogadores por conta de atrasos salariais, ao dizer em entrevista coletiva que "eles reclamam porque recebem pouco, dependem do salário para sobreviver". Em resposta, os jogadores divulgaram uma carta para a imprensa repudiando o presidente do clube.

UNI-VOS
Até entendo a importância de regulamentação trabalhista também para o caso dos jogadores de futebol - e que deveria existir também para a arbitragem, num entendimento de ser considerada profissional -, mas é preciso mais do que o frequente individualismo das "estrelas da bola" para que casos de falta de pagamento sejam punidos de forma exemplar.

Após eu reclamar de que não deveriam ser os jogadores a serem demitidos, mas os dirigentes dos clubes peruanos, sugeriu, ironicamente, um "Jogadores do mundo, uni-vos". Até que não seria uma má ideia.

Antigamente, os atletas estavam presos aos clubes por conta do passe, em que eles só poderiam sair caso o time de origem autorizassem. Em meio a um processo de liberalização econômica, iniciativa de livre mercado, havia regras sobre o trabalho da época da escravidão, nem de perto próxima ao "acordo" de venda de trabalho que existe com o capitalismo...

Na década de 1970 houve um jogador brasileiro a conseguir na justiça o direito de transferência sobre a sua força de trabalho, mas só na década de 1990 que isso muda em parâmetros internacionais. Jean-Marc Bosman, após uma batalha judicial de anos, consegue em 1998 sua liberdade enquanto jogador de futebol e a de todos os demais, já que ações semelhantes na Justiça teriam a mesma interpretação. 

No mesmo ano, o presidente FHC sancionou a Lei do Esporte/Pelé, com alguns incrementos em 2000 e 2003, permitindo que os atletas saiam de qualquer clube de futebol, independentemente de contrato, caso eles estejam três meses sem depositar o FGTS - como qualquer outro trabalhador - e/ou seu salário. Esta renovação do código desportivo é muito centrada sobre a prática do jogador de futebol, deixando vácuos nos esportes considerados amadores. Apesar dela, sob a rúbrica de "direitos de imagem", onde concentram a maior parte do salário a ser pago, abriu-se uma via para o atraso sem se perder o jogador.

Vivemos num mundo que, muitas pessoas se gabam, de ser globalizado, em que se pode ter empresas estadunidenses explorando trabalhadores nos confins asiáticos e jogadores brasileiros ganhando muito em confins da Arábia ou na China. Nem sempre o jogador consegue receber em dia e, o pior, fica a mercê de parcas legislações trabalhistas.

Uma entidade sindical que pudesse trabalhar em conjunto com os jogadores de futebol, seja de qualquer valor salarial, poderia criar uma situação diferente para a prática deste esporte, revertendo a lógica de que quem manda é o patrão (que pode ser o cartola brasileiro, o mafioso russo ou o bilionário sheik). Os torcedores - outro grupo que deveria se unir pelos seus direitos e pelos da sociedade, como fizeram no Egito - poderiam saber o porquê de algum jogador não querer sequer entrar em campo pelo clube.

No mundo do trabalho só se pode existir lealdade entre os membros de uma mesma classe!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

"O mundo secreto da FIFA" pelo inimigo número 1 de Blatter e cia.

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Geralmente os meus textos sobre livros que li trazem uma simples foto da obra, em que eu tento achar na internet a capa da edição que eu tive acesso. A exceção para ilustrar Jogo sujo: o mundo secreto da FIFA -  compra de votos e escândalo de ingressos é porque merece. A edição brasileira traz a frase "O livro que a FIFA tentou proibir", o que já seria uma grande justificativa para criar a curiosidade daquel@s que, da mesma forma que eu, também gosta de ver o futebol para além das quatro linhas.

Outro motivo de sobra para despertar a curiosidade sobre o livro é que o autor é um dos pouquíssimos, senão o único, jornalista no mundo proibido de participar de qualquer evento da FIFA, e isso desde 2003!

O experiente jornalista britânico Andrew Jennings esteve no Brasil ano passado, com direito a participação na Comissão de Esporte e Turismo da Câmara Federal e "aula" de como deveriam atuar os nossos congressistas em relação às obras da Copa do Mundo FIFA e a Ricardo Teixeira em particular - como se adiantasse...

Jennings trabalha há algumas décadas como jornalista investigativo, algo cada dia mais raro na terra brasilis, dedicando algum tempo para investigar o ex-todo poderoso do Comitê Olímpico Internacional (COI), Juan Antonio Samaranchi - um franquista alçado a um importante cargo graças a Horst Darssler, herdeiro da Adidas. O cúmulo dos casos de corrupção ligado ao COI foi a decisão para que Salt Lake City, nos Estados Unidos, torna-se sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2002, com muito pedido de propina.

Após isso, foi sugerido para que ele investigasse, a partir do final da década de 1990, o futebol, a paixão maior dentre as atividades esportivas e de lazer do mundo. Jennings descobriu vários problemas e disfunções éticas na atuação dos principais dirigentes da FIFA, incluindo João Havelange, Ricardo Texeira, Julio Grondona (AFA), Jack Warner (Concacaf), Mohamed Bin Hamman (Catar), Jérôme Valcke e tantos outros... Só que o destaque é o atual presidente, que sempre se utilizou da palavra "transparência" sem jamais praticá-la: Joseph S. Blatter.

Muito Jogo Sujo
Geralmente com filmes e livros quando eu chego com muita expectativa, saio um pouco frustrado, mas Jogo sujo é um primor tanto na qualidade do texto, com um sarcasmo excepcional em algumas partes - seja no contar quanto no agir profissional para conseguir as informações, geralmente negadas - e o profundo conhecimento, histórico e baseado em documentos e fontes privilegiadas, sobre o assunto. Em nenhum momento pode-se dizer que houve um deslize ético do jornalista ou que ele possa ter mentido.

Um caso curioso é o que se dá durante a escrita do livro, que viria a ser entregue à editora no final de 2006. Primeiro, um relações públicas da FIFA tenta ficar amigo de Jennings, mas não esperava que o jornalista fosse fazer algumas perguntas sobre a sua trajetória, aparentemente antiética, com informações  de profissionais e demais pessoas. Peter Hargitay esquece a camaradagem do início e chega a fazer uma ameaça velada de espionagem - o que faz o autor desconfiar e descobrir que seus telefones estavam grampeados...

Depois, ameaças de entrar na Justiça contra autor, editor e distribuidoras caso o livro seja publicado, com direito a pedido para ver a obra antes de ela ir para gráfica, a famosa possibilidade de censura. A curiosidade relatada é que todas as ameaças neste sentido nunca se concretizaram com ações judiciais. Por que será? Num momento, quando o autor publicava matérias sobre corrupção na FIFA, ainda pelo Daily Mail, os advogados da entidade chegaram a exigir uma retratação financeira mesmo sem qualquer ação judicial...

O livro saiu, não só lá no Reino Unido, ou na Suíça, como em todo o mundo, caso da edição brasileira que adquiri, ironicamente, em Brasília - imaginam um "Jogo Sujo: o mundo secreto do Congresso Nacional"? Fiz várias anotações para rever e registrar com maior interesse posteriormente, então o intuito do presente texto não é tanto adentrar em citações do livro, mas apresentá-lo de uma forma mais geral que o normal, gerar ainda mais curiosidade.

Dentre as coisas possíveis, de memória, a relatar, estão as eleições de João Havelange e de Joseph S. Blatter. É incrível como Havelange consegue destronar o britânico Stanley Rous com uma campanha nunca antes vista na FIFA, com o apoio direto do dono da Adidas, Horst Dassler. A principal promessa era abrir mais vagas para os continentes africanos e asiáticos. Além disso, justiça seja feita, para o bem e para o mal o ex-nadador e ex-presidente da CBF foi importante para a segunda fase de expansão do futebol, contando com imenso apoio da empresa de Dassler e da Coca-Cola, com projetos de difusão e prática do esporte nos países - por mais que com casos "escusos".

Blatter assume, do "nada", a secretaria-geral da FIFA na década de 1980, durante a reformulação feita pelo seu então chefe. Ele dá com os "burros n'água" numa tentativa de romper com o domínio de Havelange nas eleições de 1994, mas, surpreendentemente, salva-se do episódio e é o candidato da "situação" em 1998, numa grande disputa contra o então presidente da UEFA, Lennart Johansson, que prometia apagar a corrupção da entidade.

Jennings conta como Blatter consegue magistralmente, com ajuda de escudeiros como Blazer e Bin Hamman,  com direito a apoio do filho do ex-ditador líbio Muammar Khadafi, que era presidente da associação de futebol local e tudo o mais. A unida Europa se divide. A Inglaterra vota em Blatter sob a promessa de sediar a Copa do Mundo de 2006.

As eleições futuras também utilizam de argumentos como compra de votos e promessas realizadas sob a marca de utilização dos recursos da entidade para a campanha pessoal de um dos candidatos. Num estranho esquema de compensação financeira que com o tempo vai degradando as contas da entidade, auxiliada pelo repasse "cego" de recursos para os membros do Comitê Executivo.

Outro ponto interessante é a escolha das sedes da Copa do Mundo FIFA. Recentemente vimos o rebuliço causado pelas escolhas de Rússia e Catar (com uma temperatura altíssima) enquanto sedes dos mundiais de 2018 e 2022, em detrimento da Inglaterra, que este ano terá em Londres os Jogos Olímpicos e que, dentre outras coisas, acusou Ricardo Teixeira de pedir propina - o que não está no livro porque não deu tempo...

2002 foi dividido entre Coreia do Sul e Japão porque após alimentar os dois países rivais, teve-se que ceder para evitar uma nova guerra, mesmo que em detrimento de muito dinheiro que poderia se ganhar num só país. 2006 foi prometido para a África nas eleições, com direito a suposto voto de Blatter nela, mas no final das contas, por 13 votos a 12, deu Alemanha - porque um dos membros do Comitê Executivo faltou e evitou que o presidente se desentendesse com um dos dois países.

Como consolo, 2010 seria na África, movimentando até países, como a Líbia, que mal tinham campo de futebol. No final, apesar de campanhas milionárias, como no caso da Tunísia e do Marrocos, prevaleceu a África do Sul e todo o tipo de aproveitamento da imagem de pessoas como Desmond Tutu e Nelson Mandela.

Por fim, mas não menos importante, vemos o trajeto da empresa de marketing esportivo ISL, que naufraga após a morte de Horst Dassler, seu criador, em meio a escolhas erradas (aquisições da C.A.R.T./Fórmula Mundial e dos eventos da ATP/tênis), muito gasto com propinas para membros de Comitês Executivos, seja no COI ou na FIFA, e apesar de muito apoio da FIFA. Para se ter uma ideia, a Rede Globo aparece na história após pagar 60 milhões de dólares em 1998 pelos  direitos de transmissão das Copas do Mundo e a parte da entidade, 22 milhões, nunca sendo paga pela ISL, que só veio a ser cobrada quando estava prestes a falir, em 2001.

Jennings conta primorosamente o desespero do diretor Jean-Marie Webber em meio ao naufrágio de uma empresa que trabalhava com bilhões de dólares nas mãos e com eventos bastante lucrativos. Em meio à crise do fim da parceria com o COI, a renovação do contrato com a FIFA se dá de uma forma totalmente desproporcional, batendo a até então fortíssima empresa estadunidense do setor de imagens, a IMG.

Nesta trilha, nomes importantes, alguns bem mais conhecidos que outros, vão e vem no livro, deixando qualquer leitor estarrecido com a capacidade de atos tão vis tendo como principal objeto uma das principais paixões mundiais: o futebol. Em Jogo sujo: o mundo secreto da FIFA, Andrew Jennings nos prova por que o esporte deve ser levado a sério.

REFERÊNCIAS
JENNINGS, Andrew. Jogo Sujo: o mundo secreto da FIFA: compra de votos e escândalo de ingressos. Trad. de Renato Marques de Oliveira. São Paulo: Panda Books, 2001. Título original: Foul! 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

[Em busca do El Dorado] Numa segunda-feira de Carnaval...

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Segunda-feira de Carnaval, aeroporto de Salvador... Para quem acha que seguirei este texto contando uma desventura na folia baiana, está totalmente enganado - e em nada me conhece. Prova disso é que em plena festa de Momo eu deixava o Nordeste no ano passado em direção ao Rio Grande do Sul.

Mesmo na outra vez na vida que viajei no feriado de Carnaval, enquanto irmã e primos iam para a folia dos trios elétricos, ficava em casa, de olho na única coisa que me prendia nesses tempos, o desfile das escolas de samba - ainda mais com a escola de samba de uma das torcidas organizadas do Palmeiras na disputa principal em São Paulo. Isso é um "costume" de criança, numa mania de registrar tudo...

Uma época em que eu não gostava tanto assim de samba quanto hoje. É, enfim, pode-se dizer que se eu gostasse de samba não gostaria dos sambas-enredo e provavelmente desprezasse o que as escolas cantam nos desfiles, cada vez mais de iniciativa técnica, para atender um requisito avaliativo, que para apreciadores deste ritmo.

Carnaval à parte, como quase sempre, estive relembrando estes dias do período pré-viagem no ano passado. Trabalhei praticamente até a véspera de vir para cá, três dias antes. Vivi o período de transição, auxílio para quem ocuparia o meu lugar na empresa,...

Com @s colegas de Universidade, tive uma despedida com algumas delas antes, num dia em que na volta "pulei" de um ônibus que estava sendo apedrejado. Um "bota-fora" mais literal que este, impossível!

No domingo, véspera da viagem, acordei pilhado, passei a manhã irritado. Hoje imagino que tenha sido justamente por saber que iria sentir falta de casa, por mais que não gostasse de um monte de coisas de lá e por mais que há anos quisesse morar sozinho. Como contei ano passado, era algo diferente, era uma saída de casa para o outro lado do país.

Não queria dormir, para passar o máximo tempo possível por ali. Acabei sendo "forçado" a fazer isso por conta da viagem de algumas horas. Curiosamente, foi a única vez que viajei e fiz escala em Salvador, passando cerca de duas horas por lá até pegar outro avião que veio praticamente direto para o Rio Grande do Sul - teve uma "parada técnica".

Cheguei até com uma temperatura razoável. Se não estava frio, afinal ainda era verão, não estava tão quente quanto costuma ser aqui em janeiro e fevereiro, como tive o "privilégio" de descobrir este ano. Ah, é incrível o "determinismo geográfico" das pessoas, no inverno você é "obrigado" a sentir muuuiiito frio por ser nordestino, enquanto que no verão, mesmo sob 40º - em Maceió não lembro de um dia com mais de 36º - "você já está acostumado". Alguém descobriu mutação genética na pele do nordestino para se sentir muito bem sob 40º, ainda mais de litoral, e eu nunca li sobre?

Ah, voltando ao Carnaval. Para quem está curioso, o carnaval de Porto Alegre e redondezas é do mesmo jeito de Maceió, ou seja, não tem! Até que ocorre o desfile das escolas de samba, que aqui tem transmissão da RBS nos dias que o Nordeste vê as agremiações de São Paulo (sexta e sábado). Fora isso, nada! Gaúcho que é gaúcho e que gosta de alguma folia pula para Santa Catarina. O alvo: praias bonitas.

Enquanto isso, quem não é fã de praia - e também não teria dinheiro para sair - e que mora num lugar com sombra e água à vontade para aguentar 34º, 36º, prefere ficar em casa a enfrentar mais de 40º fora dele. Botemos na conta também os trabalhos cujo prazo estão por vir...

sábado, 18 de fevereiro de 2012

[Gauchão 2012] As coisas esquentam na Taça Piratini

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Como o verão fazendo com que o período de Carnaval seja mais quente que o normal, a Federação Gaúcha de Futebol resolveu atender aos "apelos" da afiliada da Rede Globo em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul e colocar a última rodada da 1ª fase da Taça Piratini, 1º turno, para começar às 16h20 de um dos dias mais quentes até aqui - afinal, a "promessa" é que amanhã será ainda mais quente...

Um amigo gremista sondou a possibilidade de irmos ver São José X Grêmio no Estádio Passo D'Areia, em Porto Alegre. Imediatamente lembrei do horário e das altas temperaturas nas últimas semanas. O horário de pico do sol é às 16h por aqui, com jogo começando às 16h20, é melhor não arriscar. Tudo bem, sou nordestino e a maioria das pessoas vem com um "mas você nem sente tanto, já deve estar acostumado". Vai ver que morando quase 23 anos no Nordeste eu criei alguma mutação genética para não sentir o calor, uma refrigeração interna...

Graças a uma decisão do TJD local, que não foi publicada no sítio oficial do torneio - como exige o Estatuto do Torcedor - a rodada praticamente só determinaria a ordem dos classificados nas duas chaves para a segunda fase. Mas nem por isso deixou de ter muitos gols, gerando a "graciosa" sugestão do principal narrador da TV local de se colocar mais partidas neste horário, em vez dos "tradicionais" às 22h. Minutos depois ele reclamou que com a água das 5 garrafas que tinha poderia preparar um chimarrão depois...

Para analisar essas primeiras dez rodadas de Gauchão Coca-Cola 2012, melhor fazer por quem foi melhor até aqui. Neste quesito, com o confronto de uma chave contra a outra, a chave dois foi superior a todo o instante - por mais que o Internacional tenha derrubado a invencibilidade de dois clubes da mesma.

OS MELHORES
O Novo Hamburgo foi o melhor classificado, com 17 pontos na chave 2. Com grande destaque para o artilheiro Juba, que pude ver em ação pelo Brasil de Pelotas no ano passado e que já marcou cinco gols até aqui. Para quem é de Alagoas, vale destacar a presença do atacante Paulinho Marília, que formava linha de frente do CSA no último título alagoano, em 2008.

 O time do Vale dos Sinos só perdeu a primeira partida do torneio, por 1 a 0 para o time titular do Internacional, em casa. Após isso foram mais cinco vitórias e dois empates. O último resultado positivo vindo de Lajeado, onde venceu o Lajeadense por 3 a 1.

No jogo único das quartas-de-final, a ser realizado já no meio de semana, o Novo Hamburgo voltará a enfrentar o Lajeadense, só que desta vez no Estádio do Vale. O time de Lajeado, que venceu os "gladiadores" gremistas na estreia do torneio, viveram uma primeira fase irregular, com 11 pontos ganhos através de 3 vitórias e 2 empates, perdendo além desse, outros dois jogos.

Quem ficou na cola do Novo Hamburgo foi o Caxias. O último campeão gaúcho vindo do interior fez campanha semelhante, perdendo o primeiro lugar no saldo de gols. Coincidentemente, a única derrota também foi para o Internacional, pela nona rodada, por 2 a 0 em casa. 

O time de Paulo Porto passou por cima do rival Juventude há duas semanas, com uma vitória por 3 a 1 no Estádio Centenário e é um dos fortes candidatos, não só pela história, para ser a pedra no sapato da dupla Gre-Nal. 

Na tarde de hoje, o Caxias venceu o saco de pancadas "oficial" do Gauchão, o Canoas, na casa do adversário, por 3 a 1. Na próxima fase, o adversário a ser enfrentado no Estádio Centenário será o São José, de Porto Alegre, que se classificou em terceiro lugar na chave 1, com 13 pontos conquistados. A quarta vitória do Zequinha veio no fervilhante gramado artificial do Passo D'Areia - que contaremos a seguir. No mesmo lugar, só que no dia 08/02, as duas equipes empatar sem gols.

Seguindo em Caxias, o Juventude do artilheiro Zulu (6 gols) classificou-se com 14 pontos da chave 1. Após tomar um susto do Cruzeiro, que abriu o placar hoje à tarde no Alfredo Jacconi, o time treinado por Pícoli virou a partida para 2 a 1 e se garantiu na segunda posição de seu grupo.

O Ju enfrentará no mesmo Jacconi que venceu hoje o Cruzeirinho e o Grêmio, rodadas atrás, o Veranópolis, que passou em terceiro na chave 2. Também pertencente à Serra gaúcha, o pentacolor venceu hoje o Ypiranga por 3 a 2 em Erechim. Na primeira fase, o Vec goleou o alviverde da Serra por 5 a 2 no Estádio Antônio Farina.

PARA FECHAR, UM GRE-NAL DECISIVO
Há duas semanas, Grêmio e Internacional se enfrentaram no Estádio Olímpico ainda sob condições diferentes. Apesar de ter sido o time brasileiro que mais e melhor contratou para esta temporada, Caio Júnior vinha de altos e baixos desde a sua estreia, com derrotas em casa para a Lajeadense e fora para o Juventude. O Internacional estava de olho na estreia pela fase de grupos da Libertadores e colocou o time reserva. Resultado: 2 a 2 e insatisfação da torcida tricolor.

Duas semanas depois, o Internacional conseguiu classificar em primeiro lugar na chave 1 apesar de ter passado pelo menos metade da Taça Piratini com time reserva ou com o sub-23, responsáveis pelas derrotas contra o Avenida, em Santa Cruz do Sul, e para o Cerâmica em pleno Beira-Rio. Após passar pelos últimos invictos, Caxias e Cruzeiro, o Internacional colocou um time misto para enfrentar e vencer o Pelotas por 3 a 1 na tarde desta sábado.

O arquirrival Grêmio é que não vive uma fase boa. Quando Caio Júnior e todo mundo pensou que o tricolor iria decolar, o calor, o gramado sintético do Passo D'Areia e, principalmente, o experiente time do São José o venceu por 2 a 1, numa partida em que os gremistas resolveram poupar o bom atacante Marcelo Moreno. André Lima, na primeira jogada da partida, provou porque merece ser reserva ao chutar em cima do goleiro.

O Grêmio venceu quatro partidas, empatou uma e perdeu outras três, o que fez antecipar o confronto eliminatório com o Inter. Com uma defesa jovem, que fez Caio colocar Gilberto Silva como líbero, um meio-de-campo que não se acertou, seja com Léo Gago, Marco Antônio e Marquinhos (ou Leandro), mas com um poderoso ataque formado por Moreno e Kleber, a torcida está mais que preocupada com um time que ainda não conseguiu se encaixar como todos esperavam.

Para se ter uma ideia, o tricolor gaúcho só conseguiu se classificar para a segunda fase por conta dos seis pontos perdidos pelo Cruzeiro, ainda de Porto Alegre. Com uma boa campanha no torneio, com quatro vitórias, dois empates e duas derrotas, o time sensação do Gauchão passado sentiu o peso da escalação considerada irregular pelo TJD/RS de Jô, um de seus principais jogadores.

O time, que defenderá Cachoeirinha a partir de 2013, não conseguiu o efeito suspensivo e esperará o novo julgamento, que ocorrerá só no dia 29, quando já estarão definidos os finalistas da Taça Piratini. Veja mais sobre o caso aqui.

JOGOS
Nas outras partidas da rodada, o Santa Cruz goleou o Cerâmica por 4 a 0 e o São Luiz derrotou o Avenida por 3 a 1, em Ijui.

Na quarta-feira de cinzas ocorrerão dois jogos das quartas-de-final da Taça Piratini. A partir das 19h30, o Caxias enfrenta o São José. No jogo da TV - ou seja, depois das 21h50 -, a dupla Gre-Nal mede forças no Estádio Beira-Rio e um ficará no caminho.

Na quinta-feira, Juventude X Veranópolis e Novo Hamburgo X Lajeadense são os confrontos que definem os últimos dois semifinalistas.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

[Por Trás do Gol] Todo mundo dizendo que sim, mas ele nada disse...

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Últimos minutos, segundo o horário de Brasília, do dia 16 de fevereiro de 2012. O que poderia ser marcado pelo "Dia do deixo", nada deixou além de ansiedade e uma pontinha de frustração em quem acompanha o futebol no Brasil - e até para alguns de outras partes do mundo.

Tudo começou no final do ano passado. O "todo poderoso" Ricardo Teixeira resolveu dissolver um pouco das manchas em sua imagem e na futura Copa do Mundo FIFA. Ronaldo era escolhido para o Comitê Organizador Local do evento. Se alguém tinha que responder às perguntas da imprensa e do deputado federal  Romário era R9.

Teixeira ainda teve um problema de saúde, que junto a uma pressão que ele não via por perto desde a CPI do Futebol/Nike em 2000, fizeram-no pedir uma licença do cargo de presidente da CBF por 45 dias. Os primeiros boatos surgiram em janeiro. Aqui ou ali, no "submundo virtual", havia quem dizia que Ele sairia do cargo em definitivo assim que retornasse.
Para ajudar, o seu vice-presidente mais velho - governador de São Paulo na década de 1980 substituindo Maluf -, José Maria Marín assumiu e em pouco tempo mostrou o seu potencial colocando no bolso uma medalha da Copa São Paulo de Futebol Júnior.

O tio fora demitido de um cargo que ocupava há 21 anos: secretário-geral da CBF, onde recebia um gordo salário. Há quem diga que ele saiu, mas não de mãos abanando, recebendo alguns milhões de reais junto pelos "serviços prestados" ao futebol brasileiro.

A poeira baixou, mas o vendaval, o ciclone extratropical, o verdadeiro furacão começou a varrer o país na semana passada. Juca Kfouri, o inimigo número 1 de R.T., começou deixando dicas até afirmar categoricamente em seu blog e na ESPN: tudo indica que Ricardo Teixeira deixaria o trono cargo no dia 16 de fevereiro.

O "país do futebol" entrou em polvorosa. Será que Ele deixaria mesmo a presidência que ocupou por 23 anos quase ininterruptos? Quem assumiria em seu lugar?

Mentes sadias deixavam fazer claro que independentemente de se confirmar a notícia, através de nota no site da CBF, seria apenas a vitória numa batalha. Nada garantiria que seu substituto não daria continuidade ao "legado". Cartolas, no sentido pejorativo da palavra, continuam zanzando aqui e acolá. A luta não terminaria!

Juca Kfouri, o equivalente para Ricardo Teixeira ao que Andrew Jennings é para Joseph Blatter, soltou um comentário que talvez Ele não renunciasse agora, para não dar esse gostinho aos seus adversários, a "patota de sempre". Olha que a Folha de S. Paulo começou a semana ligando-o ao caso da Alianto, empresa criada oito dias antes de assinar um contrato de milhões de reais para organizar um amistoso entre Brasil e Portugal, em Brasília. Seria o golpe de misericórdia?

MAS...

Chegamos ao dia 16. Antes de sair para imprimir um material, olho rapidamente notícias de uma rede social através do celular. Nada ainda...

Volto e fico passando o fichamento e olhando a rede social. O máximo era uma matéria do Lance! que anunciava que os urubus mal esperavam que o doente morresse. Desisti de atualizar a página da CBF porque dava sinais que pouco mudaria ao longo do dia.

As horas passaram. O telejornal esportivo regional da líder do oligopólio teria uma entrevista com o presidente da Federação Gaúcha sobre a sucessão. Mas como, ele já caiu e eu não soube? Até este, que votou pela ampliação da gestão teixeiriana até 2014, falou que uma "pessoa próxima" no Rio de Janeiro teria dito que Teixeira renunciaria hoje ao cargo. Noveletto preparava um movimento para exigir eleições urgentes - por mais que o regimento da CBF diga que o vice mais velho deve assumir, afinal são os vices sempre que cumprem o resto do mandato no jogo político...

Fui cumprir meus compromissos na universidade - os que o sistema de dados permitiu - e segui acompanhando. Nada além de mais um membro no COL, o ex-atacante Bebeto, e comentários de Ronaldo e do assessor de imprensa da CBF, Rodrigo Paiva, que Ele não renunciaria.

Terminado o dia e nada! As fontes que davam como certa a saída de Teixeira, não só na "patota", mas também no GloboEsporte.com, dão conta de que amanhã sairá a nota no site da CBF. O (ex-)presidente parte para sua mansão em Miami, onde sua família já estaria.

Os presidentes das federações estão em polvorosa. Poucos têm informações diretas, a não ser, talvez, o da Paulista, que almoçou com Ele na tarde desta quinta-feira. Um dos cotados ao cargo, que não foi desocupado, Marco Polo Del Nero já gera insatisfação dos outros Estados antes de assumir, quer dizer, antes de ter cargo paras assumir...

Esperemos pelo dia 17 de fevereiro para sabermos se "para alegria de todos e felicidade geral da nação", a assessoria de imprensa dEle dirá que já se foi para Miami e não retornará enquanto presidente da CBF!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

[Por Trás do Gol] O naufrágio das esperanças do torcedor Azulino

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O Azulino saiu de casa em direção ao Estádio Rei Pelé numa confiança poucas vezes vista nos últimos anos. As duas vitórias seguidas contra o Corinthians, sonoros 4 a 0, e contra o Penedense, 2 a 0 na casa deles, trazia quase que a certeza de que o CSA passaria por cima do CEO e conseguiria a classificação para a segunda fase do primeiro turno sem depender de nenhum outro resultado.

A ansiedade não era tão grande desde o 02 de abril de 2011, quando justificando o "tradicional" sofrimento, Azulino esperou até o final do clássico contra o CRB para ver Washington marcar o gol que garantiu seu clube do coração na primeira divisão do Estadual. Naquele dia, ele e milhares quase morreram do coração.

Só o Corinthians, agora do Pilar, entrou em campo contra o Coruripe já classificado. Azulino não desgrudava os ouvidos do radinho de pilha para saber notícias de Sport X ASA e, principalmente, de Murici X CRB. CSA e seu arquirrival, um dos dois ou ambos, voltariam a disputar uma segunda fase de turno no Alagoano após quatro anos!

PRIMEIRO TEMPO
Os jogos começam. No Rei Pelé, Azulino já está contrariado com apenas dez minutos de jogo. O seu time parece nervoso em campo, a ponto de o experiente goleiro Flávio salvar a equipe em algumas oportunidades. Para piorar, minutos depois Geovani abre o placar para o arquirrival em Murici. Apesar dos pesares, Azulino fica sabendo pelo rádio que bastava uma vitória simples para o CSA classificar.

- Vâmo jogar!!! - gritava em meio a olhadas para o céu azul, em preces que passam pela cabeça.

Mas o time demora a começar a partida, só chegando com algum perigo após gritos dos impacientes torcedores. Wilson e Roni perdem boas chances, num prenúncio de pressão. Em Coruripe, o lanterna do campeonato surpreende o então líder com gols de Rogerinho e Renato Melo.

Azulino se impacienta ainda mais com a defesa de Humberto em mais uma tentativa de Wilson e com o gol de Felipe para o CRB, que garantia a liderança deles na fase. O único alívio veio de Atalaia, porque o gol marcado pelo ASA foi anulado.

- Eles já fizeram dois lá, p... Só precisamos de um aqui! Acerta esse pé Wilson!

O que seria uma notícia ruim, a vitória do arquirrival, poderia não ser tão má assim. CSA e Murici estavam empatados até no saldo de gols com os resultados até ali, com a diferença sendo no confronto direto, em que o time do interior venceu por 2 a 1. Ironicamente, até um gol do arquirrival classificaria o CSA. Mas vê se Azulino queria saber disso:

- Que nada de gol deles. Vâmo ganhar aqui!

Mal esperava ele que minutos depois, o lateral-esquerdo Claudinho receberia o segundo cartão amarelo na partida e seria expulso...

- PQP. Agora já era! O Claudinho só soube estrear bem, depois não rendeu direito. Ainda me faz essa hoje, quando a gente mais precisa! Que filho...

Final de primeiro tempo em todas as partidas. Com os resultados, classificam: CRB, Corinthians, ASA e Murici. Para o CSA, basta um gol numa das três partidas: se sai um dele, classificação em 3º, um do Sport ou um do CRB, classificação em 4º.

SEGUNDO TEMPO
Azulino fica feliz com as alterações feitas pelo treinador Cirio Quadros:

- Wilson perdeu muitos gols e Adriano não aguenta jogar 90 minutos, não sei porque colocá-lo no início de um jogo tão importante... Que Maico Gaúcho e Edson Di queiram jogar...

No Rei Pelé, mesmo com um a menos é o CSA que cria mais chances, todas desperdiçadas e com uma boa atuação do goleiro Humberto. Em Murici, é o time da casa que vai criando mais oportunidades, não parecia que o CRB quisesse fazer mais gols só para "ajudar" o arquirrival. Em Atalaia, quase nada...

Roni, artilheiro do CSA no torneio, vai perdendo o confronto contra Humberto. Em duas chances, duas defesas do goleiro do time de Olho D'Água das Flores. O zagueiro Leandro tem uma grande oportunidade, mas manda para fora. A seguir, é a vez do CEO chegar num contra-ataque e o CSA ser salvo, como em quase todas as partidas deste Alagoano, pelo goleiro Flávio...

- Tá difícil...

Washington municia os atacantes até cansar e ser substituído por Alison. Momentos antes foi a vez de Edson Di parar numa grande defesa de Humberto...

- Vâmo lá! Só um gol!!!

43 minutos de segundo tempo em Maceió e todos os demais jogos que começaram às 16h15 estão encerrados: o CRB venceu o Murici na casa do adversário por 2 a 0 e se classificou em primeiro; o Corinthians perdeu por 3 a 0 para o Coruripe, Adrianinho marcou o terceiro; e o Sport Atalaia empatou sem gols com o ASA. Um gol do CSA classifica o time, mas a torcida começa a sair do Rei Pelé...

- São uns torcedores de m... Ano passado o gol saiu aos 45 minutos! Não sairei daqui!

Alison tenta com a técnica passar pela marcação, mas ou para no marcador seguinte ou nas mãos do goleiro Humberto, numa tarde inspirada, assim como toda a equipe do CEO, que apresentou uma formação tática praticamente impecável.

O árbitro apita o final de jogo. Cabe a Azulino sair chateado e de cabeça baixa, de tanto ferver, para casa. Próximo jogo do maior campeão de Alagoas só em março. Não há nada o que dizer nesse momento...

PRÓXIMA FASE
Na segunda fase do segundo turno, CRB e Murici voltam a se enfrentar em mais duas partidas, a primeira sendo na quarta-feira à noite no Estádio José Gomes da Costa. O outro confronto é entre Corinthians e ASA, com o primeiro jogo no Estádio Coaracy da Mata Fonseca, na quinta-feira à noite.

Curiosamente, a única vantagem de CRB e Corinthians, que classificaram nas primeiras posições, é poder jogar a segunda partida em casa. Para piorar, os "gênios" resolveram colocar como único critérios nos confrontos da segunda fase (semifinais ou final) a maior quantidade de pontos. Assim, mesmo que um time goleie o outro numa partida e perca por diferença mínima no placar na seguinte, o jogo vai para a prorrogação e, persistindo o empate, para os pênaltis - num modelo antiquado.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

A "Infância" de Graciliano e de muitos alagoanos

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Comprei o livro num dos sebos da Sé, em São Paulo, achando que fosse Linhas Tortas (1962), era o que dizia a lombada. Passei meses até ter tempo para me dedicar aos prazeres de uma literatura que não me exigisse fichamentos e eis que bastou abri-lo para perceber que se tratava de Infância (1945). Mais uma coisa para completar as férias que acabaram não sendo férias e os livros que no final das contas eu esperava ler e acabei não lendo.

De qualquer forma, apesar de já ter lido um boa quantidade de obras de Graciliano Ramos, dos mais diversos tipos, Infância eu não havia adquirido para ler - Viventes das Alagoas (1962) acabou ficando em Maceió para uma leitura possível só a partir do ano que vem. Ah, além disso, por mais que a edição date de 1976, por conta do erro de encadernação o livro foi praticamente intocado, pois encontrei muitas páginas grudadas, que me fizerem deixar marcas nele - e eu não gosto de livros de qualquer forma marcados....

INFÂNCIA
Como o posfácio de Octávio de Faria destaca, Infância serve para entender a formação sociocultural recebida por esse destacado autor do regionalismo brasileiro, a secura de livros como Vidas Secas e São Bernardo presentes em boa parte do crescimento de Graciliano Ramos.

Quem nos conta esta história é alguém ciente do que vivenciou, quer dizer, ciente de que a memória não permitirá com que lembre datas exatas, ainda mais que quando criança pouco se preocupava com essas coisas. As páginas iniciais começariam com ele tendo cerca de dois anos - se é que há alguém que lembra de algo dessa idade. O estilo da narração, puxando para esse narrador do futuro olhando para o passado, é a marca do seu escrever, como nos clássicos casos de personagens-narradores Luís da Silva, em Angústia, e Paulo Honório, em São Bernardo - este que é citado nalguns trechos: “E o bando aumentava, era diante do muro de Seu Paulo Honório um pelotão ruidoso, que enfeitava a areia com flores de mulungu” (82).

Contando, inclusive, com as dificuldades encontradas mesmo para uma família de classe média, como a dele, que por algumas vezes o patriarca teve que mudar de ofício e, consequentemente, de cidade - entre Maceió e cidades do interior de Alagoas e Pernambuco. Num dos trechos, Graciliano narra a preocupação do seu pai com a condição social de classe média, numa descrição até que boa, por sinal, se analisarmos do ponto de vista sociológico, apesar de ser sob a perspectiva para justificar as surras que ele enquanto criança e José, negrinho mais velho que ele, sofriam de vez em quando:

“Hoje acho naturais as violências que o cegavam, Se ele estivesse embaixo, livre de ambições, ou em cima, na prosperidade, eu e o moleque José teríamos vivido em sossego. Mas no meio, receando cair, avançando a custo, perseguido pelo verão, arruinado pela epizootia, indeciso, obediente ao chefe político, à justiça e ao fisco, precisava desabafar, soltar a zanga concentrada. Aperreava o devedor e afligia-se temendo calotes. Venerava o credor e, pontual no pagamento, economizava com avareza. Só não economizava pancadas e repreensões. Éramos repreendidos e batidos” (30).

ALFABETIZAÇÃO
É difícil imaginar hoje, mas Graciliano Ramos teve uma relação inicial de ódio com as letras. O interesse se deu a esmo, após se encontrar curioso frente a livros com folhas amarelas e manchas pretas em seu interior.  O jovem Graciliano achou estranho que o pai tenha perguntado se ele queria conhecer aquilo, já que sempre o mandavam fazer as coisas:

Meu pai tentou avivar-me a curiosidade valorizando com energia as linhas mal impressas, falhadas, antipáticas. Afirmou que as pessoas familiarizadas com elas dispunham de armas terríveis. Isto me pareceu absurdo: os traços insignificantes não tinham feição perigosa de armas. Ouvi os louvores, incrédulo (102).
[...]
Foi assim que se exprimiu o Tentador, humanizado, naquela manhã funesta. A consulta me surpreendeu. Em geral não indagavam se qualquer coisa era do meu agrado: havia obrigações, e tinha de submeter-me. A liberdade que me ofereciam de repente, o direito de optar, insinuou-me uma vaga desconfiança” (103).

A relação acabou sendo de mais ódio do que amor, até que ele descobrisse por conta própria o interesse pela leitura, a possibilidade de conhecer lugares que ele nunca sequer imaginara que poderia chegar. Isso se deu justo quando nem os pais esperavam alguma coisa dele em relação aos estudos. Nem ele esperava mais alguma coisa, via-se como um incapacitado, tamanha a dificuldade em ler (especialmente por conta dos ds e ts) e escrever. 

Infância mostra a sua jornada de esperanças e raivas, na maioria das vezes com o maior incentivo da segunda por parte de seus familiares e até mesmo da maioria dos seus professores enquanto criança:

“Não me ajeitava a esse trabalho: a mão segurava mal a caneta, ia e vinha em sacudidelas, a pena caprichosa fugia da linha, evitava as curvas, rasgava o papel, andava à toa como uma barata doida, semeando borrões. De nada servia pegarem-me os dedos, tentarem dominá-los; resistiam, divagam, pesados, úmidos, e a tinta se misturava ao suor, deixando na folha grandes manchas” (118).

No meu entender, apesar de publicado em 1945, há uma forte crítica perante a educação formal das crianças num dos Estados, ainda hoje, com os maiores índices de analfabetismo do país. Só uma professora é mostrada como carinhosa - a "tia" que muitos de nós lembramos -, os demais mostram falta de interesse por um aluno com dificuldade de aprendizado. Além da total falta de perspectiva para tornar a aula com maior atratividade - um problema ainda em todos os níveis do conhecimento...

O lugar de estudos era isso. Os alunos se imobilizavam nos bancos: cinco horas de suplício, uma crucificação. Certo dia vi moscas na cara de um, roendo o canto do olho, entrando no olho. E o olho sem se mexer, como se o menino estivesse morto. Não há prisão pior que uma escola primária do interior. A imobilidade e a insensibilidade me aterraram” (195).

Mas a vontade de conhecer o que tinha naqueles papeis e nos folhetos continuava a ponto de irritá-lo sobremaneira. Numa segunda tentativa, após o jantar, o pai acaba conseguindo fazer com que a curiosidade sobre uma história desatravanque o pensamento perante erros de leitura, afinal ele queria saber como a história terminasse, por "pior" que fosse o livro.

O momento em que ele é atiçado é bem interessante:

Alinhavei o resto do capítulo, diligenciando penetrar o sentido da prosa confusa, aventurando-me às vezes a inquirir. E uma luzinha quase imperceptível surgia longe, apagava-se, ressurgia, vacilante, nas trevas do meu espírito” (196).

Mesmo com a rejeição posterior do progenitor, ele consegue pegar o gosto pela leitura e não para mais, a ponto de procurar alguém que tenha livros que pudessem emprestá-los e a começar a escrever para um pequeno jornal da comunidade, através de um clube de leitura.

Enquanto isso, a escola continuava com o ritmo de sempre, e que vai continuar, pelo menos, até os meus tempos: a preocupação não é que a criança tenha curiosidade sobre o mundo, mas que decore durante uma semana uma série de semanas, até esquecer no final de semana seguinte. Ele discorda do método e, apesar de saber de muito mais coisas que seus colegas, acaba relegado na turma:

Eu achava estupidez pretenderem obrigar-me a papaguear de oitiva. Desonestidade falar de semelhante maneira, fingindo sabedoria. Ainda que tivesse de cor um texto incompreensível, calava-me diante do professor – e a minha reputação era lastimosa” (219).

Isso só muda quando há um teste surpresa. Mesmo sem ter saído de casa, ele conhece geografias, detalhadas, de vários lugares da Europa. Os primeiros textos para o jornalzinho são modificados pelo editor - sempre eles -, o que faz sentir com ainda menos qualidade do que os outros pudessem imaginar.

CRÍTICA SOCIAL
Através do perfil crítico do Mestre Graça - ainda mestre, apesar de ter dito na década de 1920 que o futebol seria "modismo litorâneo" e "fogo de palha" -, percebi vários "causos sociais" típicos de Alagoas que, infelizmente, continuam a aparecer aqui ou acolá e marcando os anos de vida de muitos dos habitantes nascidos ou que passam por terras caetés.

Mas antes disso, faço questão de registrar que o menino Graciliano refletia muito dos preconceitos arraigados na sociedade recém-saída do escravismo. Além de uma tentativa de mostrar ao amigo negro José que eles eram diferentes, ao tentar "auxiliar" o pai numa surra - e acabar dividindo as pancadas como castigo - ele cita numa parte a "estranheza" por ver uma pessoa afrodescendente bem vestida, que é "saudado" pelo pai na mercearia:


Foi por esse tempo que o negro velho apareceu, limpo, de colarinho, gravata, botinas, roupa de cassineta e óculos. Estranhei, pois não admitia tal decência em negros, e manifestei a surpresa em linguagem da cozinha” (109).

Já um pouco mais crescido, ele acaba por ver o pai tratar mal um mendigo, que nada tinha e nada perturbara, só entrara na casa de sua família e foi tremendamente rejeitado pela mulher da casa. O homem, recém-empossado juiz substituto usa-se disso para pedir a prisão de Venta-Romba. Graciliano se revolta, mas não teria e nem consegue fazer nada para evitar a tremenda injustiça, com alguém já com tantos problemas na vida:

A voz corria mansa; as rugas da cara morena se aprofundavam num sorriso constante o nevoeiro dos olhos se iluminava com estranha doçura. Nunca vi mendigo tão brando A fome, a seca, noites frias passadas ao relento, a vagabundagem, a solidão, todas as misérias acumuladas num horrível fim de existência haviam produzido aquela paz. Não era resignação. Nem parecia ter consciência dos padecimentos: as dores escorregavam nele sem deixar mossa” (223).

Por mais importância que pudesse parecer para uma pessoa com pouca preocupação de consciência e, principalmente, de exigir qualquer poder perante os outros - além das crianças -, Graciliano explica que era um função que o coronel da cidade precisava por uma pessoa que não fizesse nada demais. As coisas naquela época - será que só naquela época - eram da seguinte forma:

Naquele tempo, e depois, os cargos se davam a sequazes dóceis, perfeitamente cegos. Isto convinha à justiça. Necessário absolver amigos, condenar inimigos, sem o que a máquina eleitoral emperraria.
Os magistrados de anel e carta diligenciavam acomodar-se, encolher-se, faziam vista grossa a muita bandalheira. De repente acuavam, tinham melindres que o mandão local não entendia e lançava à conta de má vontade. E lá vinham rixas, viagens rápidas, afrontas, um libelo contestado a punhal ou cacete. Enfim, os bacharéis se aguentavam mal” (222).

Período que acabou por marcar fortemente o alagoano como quem vive sempre com uma peixeira, assassino nato, dada a quantidade de casos que se multiplicaram e se tornaram famosos. Casos estes que avançaram décadas, chegando até meados dos anos 1990, sob ação dos policiais membros da chamada "Gangue fardada", sob o comando do Coronel Cavalcante, que recebiam as encomendas para executar o crime de famílias com destaque na sociedade alagoana. 

Graciliano cita alguns destes sobrenomes, que, curiosamente, ainda percorrem o imaginário político local através de seus descendentes - e suas histórias de pedido ou alvo de emboscadas por motivos políticos. Eles mandavam e desmandavam nas cidades:

Os maiorais do município, governo e oposição, vinham de um grupo de famílias mais ou menos entrelaçadas, poderosas no Nordeste: Cavalcantis, Albuquerques, Siqueiras, Tenórios, Aquinos” (50).

A violência era alardeada pelos jornais da época, mas pouco, ou quase nada se fazia para evitar a matança, que geralmente acometia membros das classes subjugadas, com raros casos de membros da elite sendo alvo desta violência. Se pegarmos as possibilidades de aquisição de segurança, a diferença entre pobres mortos e ricos é ainda maior hoje, por uma conjunção de motivos bem diferentes daquela época, por mais que seguido com alguns deles.

A definição do período é bem interessante, inclusive para entender a violência na zona rural do país e, além disso, como esse fator não vem a ser novo em Alagoas com o crescimento desordenado vivenciado nas últimas décadas, especialmente em quantidade de moradores na capital:

Vivíamos num grande cercado de engenho, e só tinha sossego quem adulava o senhor. Os jornais da capital noticiavam horrores, mas ninguém se atrevia a assinar uma denúncia. Qualquer indiscrição podia originar incêndios, bordoadas, prisões ou mortes.
Presumo que, enquanto morei ali, o júri não funcionou. Contudo chegavam defuntos à cidade quase diariamente.
O velho frade, influente num município vizinho, dizia que nunca matara um homem. Matava cabra ruim, muito cabra ruim. No meu município também se assassinavam homens, embora se preferissem os cabras ruins. Quando um proprietário governista queria molestar um adversário, mandava suprimir-lhe alguns moradores – e a pessoa ameaçada vendia-lhe a terra por menos valor. Se não vendia logo, novos moradores iam desaparecendo, até que a transação se efetuava. Só raramente, em casos de ofensas pessoais, questões de família, se eliminavam membros da classe elevada. A esses tomavam-se os bens, por meios mais ou menos legais. Mas a canalha era dizimada, os cabras ruins do velho Frade morriam em abundância, e a gente se habituava aos cadáveres que manchavam a cidade” (211).

DESENHOS
Não pude folhear ainda alguma edição nova deste livro, ainda sob o comando editorial da Record, percebi, pelo que busquei na internet, que a capa traz um dos desenhos que perfazem toda a obra. Gostei bastante dos traços, literalmente, utilizados para descrever algumas cenas.

O autor é Darcy Penteado, que a internet me diz que faleceu em 1987, e que além de desenhista era cenógrafo, autor teatral e pioneiro na militância pelos direitos das Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT). A assinatura de todos os desenhos é de Paris - lembrando que vivíamos um período de forte repressão pela ditadura militar.

Eles são a cereja do bolo de um livro que nos faz entender muito do contexto social que cresceu Graciliano Ramos, mesmo que com todas as incertitudes que a memória pode nos causar, com o acréscimo de sensações e fatos criados pela própria consciência.

REFERÊNCIAS

RAMOS, Graciliano. Infância; posfácio de Octávio de Faria, ilustração Darci Penteado. 11.ed. Rio, São Paulo: Record, Martins, 1976.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

[Circo a motor] Dinheiro

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Em meio à minha última melhor performance escrevendo para o blog, com direito a análises após cada corrida da Fórmula 1, um dos meus maiores e melhores leitores, o então colega da graduação Bruno Martins chegou a me perguntar sobre um livro de jornalismo esportivo que desdenhava do caráter esportivo dos esportes a motor. 

Na época fiquei na dúvida. Além de não ter lido o livro, também não tinha fortes argumentos para defender, enquanto assíduo telespectador das corridas, a Fórmula 1, em especial, como algo que possa ser comparado com vôlei, luta olímpica, futebol ou qualquer outra coisa.

Pois bem, a volta da coluna a este blog foi com um texto sobre a aposentadoria de Rubens Barrichello da categoria. Nele, comentava que o dinheiro pesou muito mais na escolha de Bruno Senna pela equipe Williams F1. Mais um sinal é ligado na minha cabeça: será que uma competição em que cada vez mais as vagas são disputadas por quem paga mais pode ser considerada um esporte?

O livro citado era Manual de jornalismo esportivo (Contexto, 2006) escrito por Heródoto Barbeiro e Patrícia Rangel, que li no ano passado e fiz questão de deixar num arquivo, dentre outros, o parágrafo que traz de forma sucinta a opinião dos autores sobre o assunto:

“Por falar em tecnologia moderna, vamos nos dedicar, agora, às competições que envolvem o uso de veículos e que estão fora das Olimpíadas. A razão disso é que nem todo mundo (o COI, por exemplo), considera esses campeonatos como esporte e sim exibições de carros, motos, aviões etc. São os chamados esportes a motor, muito mais uma competição de caráter tecnológico, empresarial, uma disputa econômica do que um desafio de igualdade de condições. Não é sem razão que se qualifica de circo da Fórmula 1 as competições dessa modalidade em todo o mundo. Tal e qual um circo, há a montagem da infraestrutura, os mesmos pilotos de anos e anos se apresentam e as fábricas de carros interessadas em testar peças e componentes para serem usados nas linhas de produção de veículos brilham” (p. 102).

A Fórmula 1 atual traz ainda mais problemas para corroborar com a lista descrita acima. Primeiro, é preciso dizer que apesar das 12 equipes presentes na categoria, após uma intensa disputa há alguns anos para saber quem fecharia o pit, está longe de ter significado qualidade. Pelo contrário, não se sabe por qual motivo, continuamos a ver em 2011 "carroças" andando ao lado de carros esportivos, atrapalhando em treinos e corridas quem têm um bom ritmo. Para se ter uma ideia, a Hispania só vai apresentar o carro 2012 em março, porque não foi aprovado em dois testes de impacto a FIA.

Tudo bem, a crise econômica atrapalhou muito uma "brincadeira" tão cara como a disputa de esportes a motor, a ponto de três grandes fabricantes de carros acabarem com suas equipes: Honda, Toyota - que por muito tempo foi a que mais gastou, mais que Ferrari e McLaren - e a Renault - que cedeu aos poucos na sociedade de sua equipe, que a partir deste ano será a única Lotus no grid. E também é fato que o dinheiro faz com que para se ter uma grande chance no campeonato é preciso ter dinheiro para bons pilotos, mecânicos, engenheiros, dirigentes e peças de reposição.

Charge de Diogo Salles/Jornal da Tarde-São Paulo
Mas ver o que ocorreu com uma equipe com o histórico da Williams, que dominou a Fórmula 1 no início da década de 1990 é lastimável. Numa queda que parece nunca terminar nos últimos anos, perdeu o que era antes o seu principal patrocinador e terá em 2012 dois pilotos que pagarão para correr. O primeiro é o venezuelano Pastor Maldonado, sob a "bênção" da petrolífera PDVSA; o segundo é o já citado Bruno Senna, com alguns apoios, como da OGX - do bilionário Eike Batista - e da Gillette.

Acrescente-se a eles o bom piloto mexicano Sergio Pérez, na Sauber, que chegou à Fórmula 1 com a ajuda de um dos homens mais ricos do mundo, Carlos Slim, que com a sua Claro patrocina a equipe. Apesar disso, e é bom que se diga, o piloto é arrojado, às vezes até demais, e provou que tem potencial para seguir adiante. Só que com a falta de referências sobre o automobilismo do México, dificilmente as portas da F1 se abririam para ele.

Em 2009 escrevi um texto que tratava da "influência do dinheiro", voltado a mostrar indignação perante a determinação de horários de algumas corridas simplesmente para atender ao público de grandes emissoras de TV europeias. O caso atual me parece mais grave, pois em vez da qualidade nas categorias de base - que dependem muito do "paitrocínio" -, o que pode prevalecer cada vez mais nos próximos anos é a quantidade de patrocinadores que o piloto trará, numa reversão do que deveria ocorrer se pensarmos quem vende a força de trabalho para quem...

FALANDO EM DINHEIRO...
Só para não dizer que eu não estou acompanhando, Rubinho realizou treinos com carros da Fórmula Indy e pode mudar a tônica por lá, que sempre foi o de o piloto trazer patrocinadores para a equipe e assim garantir correr algumas corridas ou a temporada completa.

Barrichello ainda tem potencial para o automobilismo e, além disso, seria capaz de trazer a atenção para a categoria com forte traço estadunidense, cuja imagem foi fortemente abalada com a morte de Dan Wheldon na última corrida do ano passado.

Para ver a diferença que a sessão de treinos já criou, basta saber que nunca os veículos das Organizações Globo falaram tanto da Indy quanto neste início de ano. Esperemos a decisão do piloto, que ainda diz que aguarda uma vaga da F1, por mais que aparentemente não tenha sobrado nenhuma.