quarta-feira, 19 de outubro de 2016

"O Anderson resolve"

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Era para ser uma postagem irritada no Facebook. Desde a semana passada que estou ainda mais irritado com as pessoas. Voltei mal do México, tive febre mesmo longe da altitude, na cidade em que trabalho, e "apareceu" um problema que não seria para eu resolver, tanto por não ser da minha alçada (cargo) quanto por eu ter avisado que estava mal e que nem passaria em outro lugar que não fosse casa e sala de aula. Fora cobrança de aluno que eu nem sabia que tinha que fazer. Fiz um post irritado na quinta, horas depois fui ao hospital após assustar a minha terapeuta por estar visivelmente mal.

O que mais ouvi foi que eu deveria mandar todo mundo pastar e largar tudo, ganhei exemplos do quanto o trabalho em excesso pode prejudicar a saúde e o quanto sair de algum melhora. Venho tentando dizer não a coisas de trabalho ou dizer que não dá para eu fazer algo sozinho desde o ano passado. Consegui diminuir as coisas que poderia fazer, mas ainda seguem muitas e ser coordenador de uma unidade na periferia da periferia exige muito.

Para ficar em alguns exemplos desta semana. Ameaça na semana passada e corte de água das coisas que funcionam boa parte do serviço técnico da universidade por atraso de pagamento; contratação de professor que não sai, dois desistiram e no meio disso o processo ficou estacionado em mesas por mais de um mês, foram 5 turmas perdidas no semestre; fora as outras duas turmas novamente perdidas por um vem não vem de outro professor que teve o direito de escolher quando começaria a trabalhar, e ainda assim não entregou os documentos devidos; não se pode ter carro à noite, então tive que pagar mais que o que pago de ida e volta para trabalhar para ir uma reunião de apresentação de um projeto de extensão numa escola.

A reunião do conselho do Campus foi de lamento pela falta de planejamento do mesmo, que não tem sala de professores, muito menos espaço para grupos de pesquisa e até para cursos de pós-graduação de qualquer nível, ainda que sejamos cobrados para isso - e aqui em Santana, há 6 anos instalados, nem prédio ficou pronto ainda, daí o problema com as contas. Entrei numa discussão que alguém contra-argumentou que não dava para esperar a estrutura ficar pronta, mas falta o mínimo de planejamento e organização para as coisas caminharem.

A universidade vive especialmente para a sala de aula e um processo para que professor possa ir à sala para por mais de um mês? E só anda porque ficamos procurando a cada semana, cobrando a diferentes pessoas a cada semana?

Um prédio é projetado para atender os requisitos do presente, sem pensar em qualquer crescimento no futuro, ainda que sejamos exigidos constantemente pela universidade, MEC, agências de fomento para crescermos? 1 ou 2 anos sem prédio próprio é vá lá aceitável para garantir que algo ande, a presença da universidade no interior é importantíssima, mas 7 anos nessa de torcer para prefeitura pagar conta de uma instituição federal, que a dona da escola ainda queira nos alugar o espaço por mais alguns meses - com ela detendo o único espaço que nos cabe na cidade?

Não sei se a minha paciência já se esgotou - acrescido isso a outros problemas pessoais que só pioraram da metade do ano para cá. Mas é muito difícil cumprir com as exigências de ensino, pesquisa, extensão e gestão desta forma. Eu poderia muito bem não estar na gestão, pois tenho pontuação de pesquisa mais que suficiente para passar no probatório e provavelmente para a progressão (possível), faço pela responsabilidade do dever de um docente DE numa universidade federal, mas que é muito cansativo é.

Para piorar, fiquei com a fama de resolver tudo. Um colega fala isso sério comigo há semanas. "O Anderson sabe todas as resoluções". "O Anderson resolve tudo". Até estudantes que orientando na extensão já me comentaram isso. Pior ainda que é reflexo da prática. Já teve caso de eu estar afastado e uma gestora da universidade dizer que só podiam fazer determinada coisa se o coordenador acadêmico pedisse. E me esperaram voltar doente de um afastamento para evento noutro país para fazer o pedido - que me fez vir ao escritório na terça, mesmo estando um zumbi e tendo febre no dia anterior.

Nos grupos de pesquisa, mesmo jeito. Fulano ficou de fazer algo, não fez, "Anderson, você pode fazer?". Venho até sendo repetitivo com o "não tenho tempo", "não posso fazer tudo sozinho", mas está difícil. A parada não anda. Na real, ser responsável é a pior coisa que existe - já virei coordenador de núcleo de estudos na época da graduação sob essa justificativa, mesmo tendo pessoas com bem mais experiência acadêmica que eu.

Tem um monte de outras coisas, mas vocês conseguem entender agora o meu "deixem-me em paz" da quinta-feira?

Por sorte, a reunião com xs professorxs da escola municipal do povoado foi acima da minha expectativa - rolou até sopa, bolo e chá -, e isso até me deu um fôlego para seguir adiante. No final das contas é para projetos desse tipo que eu sempre quis ser professor de universidade federal, poder desenvolvê-lo em Alagoas traz ainda mais importância, como foi comentado hoje.

O problema é que sou um só. Um só que não tem tempo de ir ao médico, para além da terapia e do dentista. Um que já teve duas infecções (uma estomacal e outra respiratória, esta noutro país) e um problema na cervical num acidente no início do ano, que segue sensível. Só vou à emergência. Não resolvo tudo. Não trago x amadx em três dias, porque nos últimos anos não está dando tempo nem de arranjar alguém para gostar minimamente; as "amadas" que surgem caem fora em semanas, então não resolvo nem minha vida, que está indo ladeira abaixo. Nunca me senti tão solitário.

Disse no primeiro dia de UFAL que voltar como professor era um misto de orgulho e responsabilidade, nunca fui tão certeiro numa frase. Confesso que neste segundo semestre já deu vontade de jogar tudo para o alto, mas já é difícil não pegar as coisas que dá vontade de jogar depois, nesse nível é impossível. Só sei que para esse super que "resolve tudo" está sobrando kriptonita.