quarta-feira, 22 de junho de 2016

Felicidade Clandestina

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Primeiro entrou a mãe no ônibus, segurando um bebê que preferia ficar em pé, ainda que no colo. Depois, a tia e, por último, ela. Menos de 3 anos, olhos puxadinhos, cabelos negros como uma índia. Eu lia "Felicidade Clandestina", de Clarice Lispector, no banco mais para trás e do lado.

Agoniada, também não queria ficar sentada. Nada de colo da tia. Nada de ficar sentada entre a mãe e a tia. Queria ficar de pé. Até ver que eu estava lendo. Aproximou-se uma vez. "Deixa o moço, ele está lendo". Aproximou-se uma segunda, mesma negativa. Até que a tia deixou.

Subiu de frente ao banco, escalando-o até conseguir chegar nele, com as pernas balançando. Olhou para mim, olhou para o livro. Ficou de joelhos e ficou mais perto. "Deixa o moço ler o livro dele". Não adiantava.

Parei de ler. Encantou-se com o marca-página laranja, que tinha algumas coisas saindo da cabeça de uma menina, entre balões, pássaros e outras coisas. "Devolve o marca-página do moço". Devolveu.

Voltou a me olhar lendo o livro. Parei de ler de novo e mostrei o livro a ela. Ela o pegou. Passei o dedo dela na capa, cujas letras foram impressas diferentes. Ela virou o livro e ficou tocando a foto de Clarice, as letras na contra-capa. "Devolve o livro para o moço, você nem sabe ler ainda, não tem nem 3 anos". Ela devolveu.

Mas pegava de volta. Folheou para um lado, folheou para o outro. Eu atento para não desmarcar a página que estava lendo, até ela aprender que podia mexer no livro, mas sempre deixando o marca-página no lugar certo. Virou o livro de lado, folheou de novo. Eu só pensava na curiosidade dela em relação ao que tanto me prendia a atenção e que ela não fazia ideia.

Na capa, a menina voando em cima segurando um livro, ela mostrou à tia. "Devolve o livro para o moço guardar". Devolveu. Brinquei em fazer subir e descer o marca-página atrás do livro e ela feliz da vida com isso. "Venha pra cá". Balançava a cabeça que não.

Guardei o marca-página e ela voltou a se levantar, buscando outras cadeiras, ao lado e à frente da família. Quer melhor "felicidade clandestina"?