domingo, 26 de fevereiro de 2012

[Por Trás do Gol] Jogadores do mundo, uni-vos!

Tinha visto um título de matéria aqui ou ali, mas só na sexta-feira li textos referentes à greve dos jogadores de futebol no Campeonato Peruano. Após anos e mais anos com os clubes não horando os compromissos salariais com os seus jogadores, a Agremiação de Futebolistas (Safap) pressionou a Federação Peruana de Futebol e conseguiu que os clubes fossem obrigados a negociar as dívidas para poderem participar do campeonato local em 2012.

Só dois dos dezesseis times, ambos recém-saídos do amadorismo, conseguiram não só pagar todos os salários atrasados, como apresentar garantias de que poderiam fazê-lo para esta temporada. A associação dos clubes fez um acerto com a Federação e prometia pagar o que devia em até 24 meses (dois anos!). Os jogadores discordaram, querendo receber em 12 meses. Sem acordo, os atletas, mesmo os de clubes que pagavam em dia, entraram em greve, "ameaçando" não só o campeonato peruano, mas também os representantes nacionais na Copa S... Libertadores, Juan Aurich (que está no grupo de Santos e Internacional) e Alianza Lima (adversário do Vasco).

Os jogadores não atuaram pela primeira rodada, com os torcedores vendo os juvenis das equipes em campo. Na Libertadores, todos continuaram a jogar, ao menos por enquanto. Apesar que os atletas do Alianza, com dois meses de salários atrasados, fizeram, literalmente, uma fila da sopa em frente ao estádio.

De concreto, o Universidad São Martin, um dos que pagavam em dia, fechou as portas. Enquanto o outro que fazia o mesmo, o Universidad César Vallejo, resolveu demitir todos os jogadores por "deslealdade". Fala-se nos bastidores que o clube pretende contratar os jogadores do São Martin. O Inti Gas também demitiu todo o elenco grevista, enquanto que o Sport Boys enviou carta de demissão a cinco dos então titulares...

O presidente da Federação estava em Zurique, em meio à grave crise local, e só após muita pressão pública é que "justificou" sua ausência para resolver justamente este problema. Uma das hipóteses, defendida por alguns clubes, seria cancelar o Nacional do primeiro semestre.

(Vi notícia após publicar este texto, que o presidente retornou e proporá novo acordo. Caso os clubes sigam sem pagar salários perderam dois pontos na classificação global do campeonato, mais dois no segundo mês e será excluído do torneio caso passe três meses. Esperar para ver...).

ASSUNTO ANTIGO E CORRIQUEIRO
O assunto é mais antigo do que se pensa. No próprio Peru havia até então uma regra de que clubes com salários atrasados poderiam perder pontos de partidas. Quatro times perderam pontos nas temporadas de 2010 e 2011, mas tudo continuava a ocorrer como antes até a revolta geral neste ano.

Também não é algo novo no mundo dos esportes. As temporadas 2011/2012 de esportes como o basquete nos Estados Unidos (NBA) e o hóquei no gelo (NHL) tiveram o início adiado até que a divisão de lucros fosse resolvido, passando meses num lockout - greve ao contrário, em que os proprietários dos clubes não deixam os atletas usaram a estrutura física até resolver o impasse financeiro.

No futebol, Espanha e Itália viram seus famosos e milionários campeonatos nacionais terem que adiar a primeira rodada porque vários clubes não estavam pagando em dia. Enquanto Real Madri, Barcelona, Milan, Juventus e Internazionale gastam fortunas com cada atleta, vários outros times não conseguem manter o elenco por um mês sequer. 

Vale lembrar que mesmo os atletas do grandes, que pagam muito e em dia, fortaleceram a greve. Com destaque para o capitão da seleção espanhola e do Real Madri Iker Casillas, e o capitão do Barcelona, Carles Puyol, que apareciam na primeira fileira atrás do presidente do sindicato dos jogadores.

Os campeonatos começaram após uma garantia de que se criaria um fundo para ajudar os atletas caso os clubes atrasassem salários e  o estabelecimento de novos acordos para rever o que os clubes deviam.

No Brasil, vimos a disputa TrafficXFlamengo quanto ao não pagamento de parte dos salários de Ronaldinho Gaúcho por não haver contrato entre a empresa e o clube. Além desse caso, o rubro-negro carioca deve muitos meses dos direitos de imagens de Deivid, que entrou na Justiça, e viu Alex Silva abandonar o barco antes da estreia na Pré-Libertadores. Não canso de repetir o "filósofo" Vampeta para este caso: "Eles fingem que pagam e eu finjo que jogo" - Ronaldinho, mesmo recebendo, esqueceu de mudar a segunda parte...

Outro caso comentado neste início de ano foi do Vasco da Gama. Sem receber parte dos salários há alguns meses, os jogadores resolveram parar de se concentrar antes das partidas. Concentração, lembramos, que foi abolida para os casados na época da "Democracia Corintiana", na década de 1980, e que não existe para jogos em casa na Europa.

Enquanto os resultados em campo deram certo, não se viu problemas nesta decisão dos vascaínos. O "mundo" caiu em cima mesmo foi do meia Bernardo, que entrou na Justiça para receber os atrasados. Torcida começou a vaiá-lo em campo, jogadores discordaram da decisão dele e indicaram que o caminho do jovem jogador no Vasco poderiam estar chegando ao fim...

No Cruzeiro, que após os mandatos dos Perrela viu a "fonte" secar, o novo presidente mal assumiu e caçoou da reclamação dos jogadores por conta de atrasos salariais, ao dizer em entrevista coletiva que "eles reclamam porque recebem pouco, dependem do salário para sobreviver". Em resposta, os jogadores divulgaram uma carta para a imprensa repudiando o presidente do clube.

UNI-VOS
Até entendo a importância de regulamentação trabalhista também para o caso dos jogadores de futebol - e que deveria existir também para a arbitragem, num entendimento de ser considerada profissional -, mas é preciso mais do que o frequente individualismo das "estrelas da bola" para que casos de falta de pagamento sejam punidos de forma exemplar.

Após eu reclamar de que não deveriam ser os jogadores a serem demitidos, mas os dirigentes dos clubes peruanos, sugeriu, ironicamente, um "Jogadores do mundo, uni-vos". Até que não seria uma má ideia.

Antigamente, os atletas estavam presos aos clubes por conta do passe, em que eles só poderiam sair caso o time de origem autorizassem. Em meio a um processo de liberalização econômica, iniciativa de livre mercado, havia regras sobre o trabalho da época da escravidão, nem de perto próxima ao "acordo" de venda de trabalho que existe com o capitalismo...

Na década de 1970 houve um jogador brasileiro a conseguir na justiça o direito de transferência sobre a sua força de trabalho, mas só na década de 1990 que isso muda em parâmetros internacionais. Jean-Marc Bosman, após uma batalha judicial de anos, consegue em 1998 sua liberdade enquanto jogador de futebol e a de todos os demais, já que ações semelhantes na Justiça teriam a mesma interpretação. 

No mesmo ano, o presidente FHC sancionou a Lei do Esporte/Pelé, com alguns incrementos em 2000 e 2003, permitindo que os atletas saiam de qualquer clube de futebol, independentemente de contrato, caso eles estejam três meses sem depositar o FGTS - como qualquer outro trabalhador - e/ou seu salário. Esta renovação do código desportivo é muito centrada sobre a prática do jogador de futebol, deixando vácuos nos esportes considerados amadores. Apesar dela, sob a rúbrica de "direitos de imagem", onde concentram a maior parte do salário a ser pago, abriu-se uma via para o atraso sem se perder o jogador.

Vivemos num mundo que, muitas pessoas se gabam, de ser globalizado, em que se pode ter empresas estadunidenses explorando trabalhadores nos confins asiáticos e jogadores brasileiros ganhando muito em confins da Arábia ou na China. Nem sempre o jogador consegue receber em dia e, o pior, fica a mercê de parcas legislações trabalhistas.

Uma entidade sindical que pudesse trabalhar em conjunto com os jogadores de futebol, seja de qualquer valor salarial, poderia criar uma situação diferente para a prática deste esporte, revertendo a lógica de que quem manda é o patrão (que pode ser o cartola brasileiro, o mafioso russo ou o bilionário sheik). Os torcedores - outro grupo que deveria se unir pelos seus direitos e pelos da sociedade, como fizeram no Egito - poderiam saber o porquê de algum jogador não querer sequer entrar em campo pelo clube.

No mundo do trabalho só se pode existir lealdade entre os membros de uma mesma classe!

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