domingo, 5 de fevereiro de 2012

O Brado Retumbante da Globo (?)

Não pretendia assistir à microssérie de oito episódios "O Brado Retumbante" da Rede Globo, que substituiria "Dercy de verdade" após aquele reality show deles. Primeiro, mal assisto TV aberta, geralmente ficando restrito às partidas e programas de futebol, portanto, não via a homenagem feita à Dercy, que pelo que li foi muito boa.

Mas o principal problema para que eu não assistisse a série de Euclydes Marinho foram os comentários via redes sociais sobre ela. Todos eles vinham de quem é aliado do governo de turno, que acusavam a emissora de criar uma série às pressas para criticar os casos de demissão de ministros do Governo Dilma em tão pouco tempo - além do famigerado caso do "Mensalão" no Governo Lula.

Como a história trata de uma pessoa incorruptível que vai parar na presidência do "nada", após um acordo de lideranças de partidos oligárquicos, eu imaginava inicialmente que seria uma forma de mostrar alguém que perde os seus princípios por um cargo político. Além disso, por Domingos Montagner, que interpretou o protagonista Paulo Ventura, ter formação circense como palhaço, li muita coisa dizendo que seria uma depreciação ao Lula, que era torneiro mecânico. Devaneios...

Depois ainda li uma piada ou outra dizendo que o José Serra teria visitado as gravações para mostrar qual deveria ser o perfil do presidente criado pela Globo... Até mesmo porque, assunto que tratarei mais abaixo, o ator parecer muito, mas muito mesmo com o maior rival do Serra, Aécio Neves.

Enfim, após a exibição do primeiro episódio da série (17/01) acabei lendo numa rede social uma discussão entre cineastas alagoanos sobre a qualidade estética, ou falta de - dependendo do ponto de vista. Um apontava vários erros de produção, como o caso do presidente viajar junto com o seu vice, o que não acontece por questão de segurança - presidente e vice morrem após queda de helicóptero. A resposta foi que a produção audiovisual brasileira sofria com uma mania de "realismo".

Fiquei curioso para assistir. Até mesmo porque, por via das dúvidas, é melhor verificar o que uma emissora desse porte, que apoiou de forma aberta todos os governos de 1964 a 2002, pensa de como deve ser um presidente da República e as questões sociais envoltas no cargo.

A SÉRIE
Assisti aos oito episódios depois que eles tinham passado na televisão, muito tarde e depois de um programa que não gosto de assistir. A única vez que dei uma olhada em "O Brado Retumbante" pela TV foi logo após Inter X Once Caldas, pela Pré-Libertadores.

Enfim, a série traz a história de Paulo Ventura, um deputado federal que chegou ao posto com muitos votos, com forte campanha pela internet - onde mantém um blog - e com a ajuda de fieis escudeiros das mais diversas áreas (de ministro-chefe da Casa Civil à lá Dirceu, passando por militar, militante fervorosa a hacker).

Se a vida política era até então falando para que poucos escutassem no Congresso, o deputado federal tinha uma vida particular bastante conturbada. Separado da mulher Antônia por tratar com preconceito o filho, que fugiu, pai de outra filha com problemas depressivos, além de um cunhado envolvido com financiamento irregular de políticos, um tio mais parecido com bicheiro e uma mãe que não o respeita de jeito algum.

Ah, Paulo Ventura, por mais incorruptível que possa parecer, é muito mulherengo, fazendo crer que as mulheres caiam em qualquer coisa para sair com ele, que não tinha preocupação alguma em estar desrespeitando ou não a esposa - as feministas teriam muito o que falar contra ele e até mesmo contra a série...

Curiosamente, no estilo Severino Cavalcante, ele assume a presidência da Casa graças a acordão entre líderes partidários, que não viam nele perigo nenhum, que podia ser facilmente manipulado. Uma suposta armação para a morte do presidente e do vice e pronto! O país ficaria com quem mandava. O que acaba por não acontecer.

Escândalo atrás de escândalo, os ministros do presidente Monsanto são retirados do poder, numa prova de que a corrupção no país acabaria. No meio disso, vários transtornos criados por adversários políticos, com direito a atentado, criação de conta em paraíso e fiscal e todo o possível para desqualificação, que ele consegue passar - inclusive da morte e de um processo de impeachment.

Até Maradona virou presidente da Argentina. Nada de kirchnerismo.
POSICIONAMENTO POLÍTICO-IDEOLÓGICO
Até que alguns desses episódios dava aquela rotineira revolta com a política nacional, (re)lembrando tempos carlistas, malufistas e sarneysistas e de tantas "feras" políticas que sabem como poucos controlar os rumos nacionais - alguém falou em PMDB? Mas noutros...

Logo no início, Paulo Ventura resolver tentar criar a "Lei de Responsabilidade Pública", que puniria com demissão qualquer tipo de crime em serviços públicos. Não sei porque achar que os servidores públicos do país reclamariam de uma lei assim, mas enquanto parte da população apoiava o presidente, os sindicatos dos funcionários públicos protestavam. Clara visão deturpada sobre o movimento sindical - independente de visão realista ou não como intuito deste produto audiovisual.

Mas o "pior" estava por vir, e centrado no último episódio da primeira semana da microssérie, a sexta-feira 20 de janeiro.

Neste episódio, a primeira-dama recebe uma denúncia de que os livros de história do Brasil contavam algo que nunca teria existido, uma verdadeira cartilha de forte cunho ideológico. Aqui ficou claro o modelo educacional, base para qualquer sociedade, defendido por quem fez e exibiu "O Brado Retumbante".

De forma altamente exagerada, o livro trazia informações sobre reforma agrária e propriedade privada, problemas que viriam desde a época de dominação portuguesa neste território. Algo que, na visão de Antônia (Maria Fernanda Cândido) é uma deturpação imensa. Além do claro destaque em achar que a história tradicionalmente contada não traz uma carga ideológica por si só. É a velha discussão sobre a neutralidade, que perfaz vários campos (jornalismo, ciência,...) e que esquecem de que para isso ocorrer seria preciso apagar traços de formação de quem produz informação e conhecimento...

Voltando à visão negativa sobre sindicalistas, a responsável pela produção desse livro faria parte de um esquema que pretendia mudar em todas as áreas do conhecimento o que vinha sendo ensinado, com a sindicalista utilizando vários outros nomes. Na conversa com ela, Antônia afirma o absurdo de se afirmar que se pode falar errado - resgatando a discussão sobre uma cartilha do MEC que não dizia isso, mas fazia a diferença entre linguagem culta e linguagem coloquial...

Ah, a sindicalista parece ter fortes convicções ideológicas, mas que são rapidamente quebradas já que ela possui uma mansão e vários carros na garagem, garantidos pela "militância" em seu partido político. Afinal, tudo aquilo era feito pelo partido - vá lá que nalguns casos isso tem um (lá no) fundo de verdade...

Ao mostrar como os meios de comunicação refletiram o episódio, aparece a sindicalista dizendo que se tratava de ataques de uma "mídia golpista atrelada às elites" - o bom e velho P.I.G. Aparentando que essa crítica fosse para apagar os casos de corrupção. Uma utilização de uma crítica aos meios de comunicação na realidade, todos eles com sua posição político-ideológica, para dirimir qualquer dúvida sobre a credibilidade destes meios.

Para finalizar o show de absurdos, aparece membros de partidos ligados à oligarquia política do país defendendo movimentos de trabalhadores rurais sem-terra e a proposição de uma educação "revolucionária". Realmente, uma grande FICÇÃO!!!!

Ainda teve, episódios depois, o problema com o governo da Bolívia do Sul, comandada por "El Hombre" e com fortes ligações com a FAL, organização militar muito parecida com as FARC. Sendo o presidente do país vizinho uma versão degradante do venezuelano Hugo Chávez.


A MÍDIA RETRATADA
Para fechar a análise da série, basta elogiar o jornalismo praticado pelo principal canal de televisão a cabo do país, em que a apresentadora (Cris Nicolotti) faz análises muito boas sobre as mudanças e fatos que aparecem na política do Brasil. Se as Organizações que difundiram esta microssérie fizessem esse tipo de jornalismo, não teríamos muito o que reclamar.

Ah, além disso, a retratação da "cópia" da revista Veja. A maior revista do país publica o "Dossiê Uruguai" contra o presidente da República, que teria mandado US$ 10 milhões para um paraíso fiscal. Depois prova-se que tudo aquilo era ação da oposição. Acho que até sem querer, "O Brado Retumbante" conseguiu refletir algo que muitas vezes já aconteceu.

Até vale a pena assistir, rir e se irritar com alguns absurdos. Além de ser inquestionável que Aécio parece muito nos quesitos "mulherengo" e "físico" com Paulo Ventura, o modelo incorruptível criado pela Globo para presidir e salvar o país. Pelo final da temporada, com o debate eleitoral, provavelmente a emissora trará mais episódios, até mesmo porque 2014 está bem aí...

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