sábado, 1 de novembro de 2008

Quem quer dinheiro?


Nos ônibus, de vez em quando, você acaba por escutar as conversas alheias, desde problemas pessoais a discussões mais profundas, teóricas até. Foi numa dessas discussões que ouvi comentários de dois universitários sobre a implantação do sistema digital de Televisão no Brasil. O mais interessante foi ouvir a indagação de um deles: “Para que high definition [alta definição] para assistir o Faustão?”.
Sempre reclamamos de quanto o nosso país é atrasado em alguns aspectos; quando há um desenvolvimento tecnológico próprio, eis que importamos o que fazem lá fora. Foi o caso da tecnologia digital para a televisão, o que o Governo federal chamou de SBTVD, nome com iniciais da emissora do Sílvio Santos. Enquanto universidades brasileiras, poucos centros de excelência ainda existentes, desenvolviam a tecnologia eis que o governo grita para o mercado estrangeiro, o famoso jargão do dono do SBT: quem quer dinheiro?
O resultado do leilão de qualidade e financiamento no país foi a vitória do sistema japonês sobre os padrões europeu (especificamente o francês) e americano. A única melhoria realizada é a inclusão de mais um canal para codificação de dados de vídeo, o tal do MP-4 em vez do MP-3 japonês. Você não está confundindo as coisas, é algo parecido com o aparelhinho que costumamos usar para o entretenimento durante os percursos do ônibus.
Explicando um pouco sobre essa nova tecnologia, a grande vantagem da TV Digital é a utilização do mesmo espaço no campo eletromagnético de forma melhor, já que, com as alterações previstas, abrirão espaço para mais quatro novos canais dentro do mesmo espaço ocupado por um analógico.
Isso poderia significar mais espaço para que outros tipos de informação chegassem aos nossos ouvidos. Podemos pensar em maior variedade de canais, aquele esportivo que só passa no canal a cabo, melhorar ainda mais a considerada até de boa qualidade TV brasileira. Já pensou um canal só para cultura, produzido por quem tem condições para bancar eventos desse gabarito?
Pois é, mas também podem vender esses canais, advindos de uma concessão “pública” – de renovação automática e sem consultar a sociedade –, para emissoras de televenda. Venda de tapetes, jóias, bugigangas eletrônicas para emagrecer, um canal para cada um. Não se gasta com a produção e ainda lucra no fim do mês! Ainda tem as empresas religiosas, popularmente conhecidas como igrejas, que já infestam nossas madrugadas televisivas.
Além da quantidade de canais a mais, a qualidade é o ponto de maior destaque com essa nova tecnologia, qualidade técnica é bom que se diga. O tamanho-base para a imagem reproduzida na tela será diferente (do 4X3 para o 16X9), além de melhorias no som e na própria imagem. Melhorias em shows transmitidos, partidas de futebol, novelas e outros eventos a serem mostrados pela televisão. Até para o Domingão do Faustão. Para que precisamos mesmo de alta definição?
O desenvolvimento para chegar a esse ponto para as emissoras de TV, em termos de gastos, é grande. Cada emissora que quer continuar daqui a dez anos a produzir seus programas, terá que desembolsar muito por equipamentos adequados a essa nova tecnologia. Já temos notícias que a emissora paulista Rede TV! estaria tendo dificuldades em adquirir câmeras e demais equipamentos que sejam adequados ao HDTV.
Ou seja, a segregação entre poderosos e os “nem tanto” na mídia brasileira irá se agravar. Como podemos esperar com boas perspectivas um processo que mal permite que as emissoras existentes permaneçam? Como acreditar que um movimento social consiga tal coisa, se ele já não possui estrutura para transmissão via canal analógico?
E como ficam os canais da rede Educativa espalhados por todo o país, cujos detentores são os governos estaduais? Aqueles estados que tiverem dinheiro para bancar a alteração permanecerão, outros, como a Educativa de Alagoas – que mal consegue transmitir para a capital – deverão acabar. Isso se lembrarmos que são nesses espaços que há maior quantidade de programas sobre cultura e produção local, ao menos na TV aberta.
Esperemos, esperemos. O processo de segregação social já começou na implantação inicial, começada pelo estado mais rico da federação, São Paulo. O futuro nos reserva o canal da Igreja dos Cafundós, o Teletapetes, o Globo 2, o da Igreja do Tapete, a Record 2, ...

2 comentários:

  1. Tudo ainda está muito confuso e a população não sabe o que é de fato essa tal televisão digital.
    Fala-se muito que a interatividade vai aumentar. Leia-se: Você vai poder fazer suas compras pelo controle remoto, votar no seu candidato do Big Brother e dizer quem vai ganhar o jogo que está sendo televisionado.
    Enquanto isto, na África...

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  2. Fizemos um trabalho interessante sobre isso, ou quase isso. O trabalho foi sobre a implantação do modelo de rádio digital.

    oq descobrimos foi aterrorizante: poucos dos interessadfos sabiam exatamente oq era, nem o padrão, nem nada, só o de sempre: "vai melhorar a qualidade". Acho q deve ser a mesma coisa na tv. Democratização da comunicação? vc vê por lá!!
    socialização? falamos com nossos compadres e as paredes q não tamparam os ouvidos ainda!!

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