sexta-feira, 20 de junho de 2014

[Copa] Tempos de Fla-Flu para tudo

O que será do verde dos gramados num país em que muita gente só enxerga o azul e o vermelho? Esse é um questionamento em tom de irritação para o atual momento, algo que frequentemente me dá raiva, e que passo neste texto, apropriando-me do termo falado nesses dias por Juca Kfouri, a chamar de "Fla-Flu" político-partidário, logo uma versão piorada.

Tentarei ser pontual - até por conta de um resfriado que não me deixou em paz o dia inteiro. Trago o exemplo da "disputa" entre o pessoal da ESPN, com José Trajano à frente, contra certa mídia que alimentaria a tal "elite branca" que xingou a presidenta na abertura da Copa deste ano, com destaque para Reinaldo Azevedo e a Veja. Não vou falar sobre os xingamentos, até porque muitos já falaram (e bem) sobre isso, lembrando, inclusive, que a tal governabilidade não permite que o mundo político brasileiro se divida em duas cores e os dois lados sabem muito bem disso.

O problema é que há pessoas que esquecem totalmente disso. Usando os termos irônicos aplicados aos lados da estúpida batalha, há os "yellow blocks" de um lado e a "esquerda caviar" do outro. De um lado, quem vive num Brasil comunista; enquanto que do outro o partido que tem como parceiro inimigos de classe, apesar da sigla ter Trabalhadores no nome, mas que seria a única esquerda realmente existente no universo. Qualquer crítica a qualquer um dos temas e você se torna "comunistazinho" ou "neoliberal" num estalar dos dedos.

Trago o exemplo do pessoal da ESPN por um motivo simples. Meio historicamente combativo no jornalismo esportivo brasileiro, que elogia e critica quando necessário, foi desde 2007 um local contra a Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 e os Jogos Olímpicos de Verão Rio de Janeiro 2016. Por mais que, como todo mundo que ama futebol, esteja adorando o que vem sendo feito nos gramados brasileiros, permanece a crítica à falta de infraestrutura, aos aceites perante às exigências da FIFA, inclusive a isoneração fiscal para ela e seus parceiros, e demais problemas costumeiros - atraso na entrega das obras, fiscalização, inclusive trabalhista, frouxa e outras coisas.

Durante este tempo, acabei me encorajando a discutir com pessoas que apoiam a Copa porque "foi o PT que trouxe", sem entender nada da estrutura absurdamente retrógrada que demarca as instituições que comandam o esporte no mundo (clubes brasileiros, CBF, FIFA e COI entre elas). A resposta era que não havia nada provado ou que isso não cabia ao governo, que tinha de ser parceiro. Num caso, num blog alternativo famoso, tive de tentar algumas vezes para conseguir publicar o comentário.

Enfim, bastou os jornalistas da ESPN criticarem os xingamentos à presidenta Dilma, que teriam vindo dos setores vips da Arena Corinthians, para que se tornassem alvo dos porta-vozes da "super ultra direita", como diria um amigo meu. Ao mesmo tempo em que eram endeusados por representantes do mesmo grupo com quem eu tentava dialogar pacificamente sobre os problemas dos megaeventos e que seguem apontando para quem era contra, dado o resultado no ânimo gerado pelos gramados, como inimigos do país - como se as construtoras não tivessem ganhado tanto, os trabalhadores não tenham feito greves por más condições de trabalho (alguns morreram, inclusive) e milhares de pessoas tenham sido desalojadas (ver a "Copa Pública"). 

Lembro mais, para o caso dos segundos. Não à toa costumo dizer que o Juca Kfouri está para a CBF como o Andrew Jennings está para a FIFA. E o Juca sempre conta a história, quando pode, do quanto ficou frustrado com as políticas para o esporte do governo Lula, quando ele estava na primeira fila da promulgação do Estatuto do Torcedor em 2003 e veria o então presidente abraçado com os cartolas que prometera naquele evento que o jornalista não precisaria mais se preocupar.

No caso dos opinólogos de sempre, como Trajano respondeu à altura aos achincalhes costumeiros deste setor, até ameaças de processo surgiram. Mas como crer em gente que chega ao ponto de afirmar que o vermelho em 2014 da logomarca da Copa deste ano é exigência do PT? Ainda mais, que disse que a presença da bandeira de Cuba no videoclipe oficial é sinal da "Copa comunista"? Coisas de propriedade intelectual da bilionária FIFA, assim como o próprio football association. Logo não ser estranho que pessoas assim tenham virado piada até para jornalistas estrangeiros.

Confesso que não leio tais opinólogos e quando vejo coisas assim só me resta rir de tamanhos absurdos, de como eles costumam se posicionar como especialistas em tudo, de forma que têm total liberdade para dizer o que passa pela imaginação porque têm a opinião dos que lhes pagam mensalmente - e dão audiência, seja por alimentar pessoas que pensam do mesmo jeito ou de quem é contrário e perde tempo com eles. O problema aqui é que eles ocupam um espaço jornalístico, com a tal marca de "neutralidade" que as empresas de comunicação resolveram defender, de "mostrar o que está aí", como me disse outro dia um vendedor da Abril que queria me passar a revista semanal deles após eu responder que discordava da revista por questões político-ideológicas.

Para o outro lado, fico com o caso de um famoso perfil "fantasioso" do Twitter pró-Governo, que comentou outro dia que não assistia à Copa pela ESPN porque ela era da Disney e parece que sua versão brasileira tinha como um dos sócios o filho de José Serra. Vejam só, ele prefere ver pela Fox Sports - como se Rupert Murdoch fosse mais dócil e inocente no mercado internacional, os britânicos que o respondam.

Até mesmo nas teorias do jornalismo, para quem busca o avançar da reconstrução dos fatos, pensar que só existem dois lados é errado. Podem haver vários lados, principalmente cada qual conta a história de um jeito, visualiza um cenário de determinada maneira. Pensar o mundo cartesianamente, como cada vez mais se vê por aqui, a ponto de qualquer visão alternativa ser execrada como um nada - ou como de direita por ser contra o governo para uma lado, ou como ditadores e censores para o outro. Pluralidade de opiniões numa maior democratização dos meios de comunicação é dar espaço para qualquer um falar, mesmo que seja uma opinião contrária à nossa ou restrita a determinado grupo social.

Enquanto o tal "Fla-Flu" segue, os grandes empresários dividem as doações de campanha para os dois lados e colhem ao longo da gestão, independente de quem assuma; o capital financeiro segue sendo priorizado em detrimento às políticas sociais; e o país anda com a renovação de nomes a cada quatro anos no Congresso, que não significa renovação política - lembrando, há quanto tempo o PMDB é maioria faz parte dos governos?

Defendemos respeito ao debate, pois para mim não há isso de que há temas que não podem ser discutidos e que não possam ter gerado outras interpretações. Se futebol não pudesse, não haveria tantos programas pós-jogos, mesas redondas e tudo o mais. E uma raspinha de coerência nos argumentos, defendendo o lado de que se parte, também seria uma boa, por mais que eu ache que seja exigir demais.

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