segunda-feira, 9 de novembro de 2009

"A realidade é absurda, a literatura não"

Em meio a dias cansativos e muitas caminhadas pela Bienal por causa da .bula, ao menos consegui assistir algo interessante. No sábado à noite, o escritor (cronista, romancista e contista) Ignácio de Loyola Brandão (1936-...) apresentou “Memória, Imaginação, Realidade. O processo de criação e a chamada inspiração”, na Sala José Marques de Melo da IV Bienal Internacional do Livro de Alagoas.

No dia nem sabia qual era o tema, lembrava que podia ser algo ligado à criação. E criação não é a nossa (jornalista) fonte de sustento? - ao menos deveria ser. Acabamos indo ver, eu e um colega da universidade.

Lutei contra o sono que me forçava a fechar os olhos por uns instantes, fingir que ajeitava os óculos para garantir mais alguns segundos do tão próximo descanso, que ainda teria que esperar por mais de quatro horas.

Ignácio misturou crônicas contadas, com direito a propagandas dos livros em que elas estavam, com a sua vida, fazendo-o em certo momento deixar o aviso que costumava misturar em suas palestras realidade com ficção.

Apesar de achar que na literatura não há nada de absurdo, só que ela tem que refletir de forma criativa, com um toque de imaginação, a realidade. "A realidade é absurda, a literatura não. Absurdo mesmo talvez seja lá em Brasília".


DESAFIO

Uma das mais interessantes foi que ele falou que quando criança era bem magro, com cara de chato - a qual tem até hoje, apesar de não ser tanto como a do Ariano Suassuna, e talvez não tanto quanto eu - e que escolheu fazer o antigo científico mesmo sendo mais ligado às ciências humanas.

O professor perguntou no final do ano se ele precisava de muito para não ser reprovado. A resposta: "Preciso tirar 9,7 na última prova". O professor o desafio para algo que valeria ou 0 ou 10, tudo ou nada. Como já não tinha nada mesmo a perder, resolveu aceitar.

Teria que responder uma questão a uma turma recheada de meninas de uma série anterior. Ele não entendia nada do assunto, mas não podia passar vergonha entre mulheres tão bonitas. Começou a escrever todos os sinais matemáticos que conhecia: raiz quadrada, potência elevada a outra potência e até logaritmo ("algo com som interessante").

Ao final, esperava o zero, mas a honra com as meninas estava sob defesa. Muitas olharam-no como um gênio. Chegando ao professor, surpreendeu-se quando disse: "você tirou dez". "Mas como? Eu errei tudo?". "Dez pela sua coragem, sua criatividade e inteligência. Saia logo disso que seu negócio é com a imaginação".

Até hoje, desde 1956, ele segue isso.

"A RUA ENTRA"

Loyola Brandão utiliza fatos do cotidiano para escrever suas crônicas, contos e romances e disse que para ajudar como memória utiliza pequenas cadernetas onde anota fatos curiosos do dia-a-dia. Além disso, há uma em que anota possíveis nomes para personagens, já "que um nome pode arruinar uma história". Na última contagem, tinha 4092 cadernetas.

Uma dessas histórias aconteceu em São Paulo, perto da Av. Paulista. Uma mulher perguntou se uma determinada rua já havia entrado ali. Como estava próximo a um ponto de ônibus, ele respondeu que o ônibus com o nome da rua não havia passado ainda. Só que a mulher respondeu assim: "Como paulista é burro! A rua passa por aqui. Quero saber quando ela passará".

Como sabia que não adiantava responder honestamente, e como queria continuar a conversa, disse que a rua já havia entrado ali logo cedo, voltaria a passar às 14h e a última vez à noite. E depois disso foi embora.

Foi ao trabalho - era diretor-geral da revista Vogue - e quando voltou a passar pelo local no final da tarde, percebeu que a mulher não estava lá. "A rua deve ter entrado mesmo".

CRÔNICAS

Além das histórias, foi uma aula a que presenciamos naquela sala. Para quem gosta de escrever foi servido um prato cheio de boas e simples dicas para textos futuros. O problema será ter tempo para preencher tantas cadernitinhas.

*Foto extraída do site do autor: http://www.ignaciodeloyolabrandao.com/

Um comentário:

  1. A crônica cotidiana literaliza o dia-a-dia e Loyopla o faz como ninguém1 A realidade é absurda e pode ser desmistificada em letras...e vista por outro angulo. Execelente post e blog. parabéns1

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