sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Amor e Guerra – O Vermelho e o Negro (Stendhal) [Parte 2]

REFLEXO
Stendhal também utiliza a técnica – usada posteriormente por Machado de Assis, mesmo que com mais frequência – de colocar o autor e suas dificuldades de composição. No caso do alemão, problemas para atender aos apelos de um editor. Uma prova de como os livros, mesmo os de grandes autores, teriam que se preocupar em atender a um público consumidor:

(Aqui o autor desejaria colocar uma página de reticências.
- Isso ficaria sem graça – disse o editor – e num escrito assim tão frívolo a falta de graça mataria tudo.
- A política – respondeu o autor – é uma pedra amarrada ao pescoço da literatura, e que em menos de seis meses a submerge. A política no meio dos interesses da imaginação é como que um tiro no meio de um concerto. É um ruído que é cruel sem ser enérgico. Não se harmoniza com o som de nenhum instrumento. Essa política irá ofender moralmente metade dos leitores, e aborrecer a outra, que a viu de uma forma muito mais interessante e enérgica nos jornais da manhã...
- Se os seus personagens não falarem de política – tornou o editor – não serão franceses de 1830, e o seu livro não será mais um espelho, como o senhor pretende...). (op. cit., p.402).


Além desse trecho, outro que precisa ser citado – até mesmo para comprovar o receio com a moral da sociedade vigente, apesar de até ser no cotidiano mais progressista que Balzac (Lukács, op. cit., p.30) – é quando ele abre parêntesis para que Mathilde não sirva como um reflexo das jovens da época. E é aqui que o autor descreve como deveria ser a composição artística:

(Esta página prejudicará por demais o infeliz autor. As almas geladas o acusarão de indecência. Contudo, ele não faz a todas as criaturas jovens que brilham nos salões de Paris a injúria de supor que uma única dentre elas seja suscetível das loucas agitações que degradam o caráter de Mathilde. Esta personagem é inteiramente imaginária, e até mesmo imaginada fora dos hábitos sociais que entre todos os séculos assegurarão um lugar de destaque à civilização do século XIX.
[...]
Não é também o amor que se encarrega da fortuna dos jovens dotados de algum talento como Julien; eles se ligam com um laço invisível a um grupo, e quando o grupo faz fortuna todas as coisas boas da sociedade chovem sobre eles. Infeliz do homem de estudos que não pertence a nenhum grupo, censurar-lhe-ão até os mais insignificantes sucessos, e a alta virtude triunfará roubando-o. Senhores, um romance é um espelho que é levado por uma grande estrada. Umas vezes ele reflete para os nossos olhos o azul dos céus, e outras a lama da estrada. E ao homem que carrega o espelho nas costas vós acusareis de imoral! O espelho reflete a lama e vós acusais o espelho! Acusai antes a estrada em que está o lodaçal, e mais ainda o inspetor das estradas que deixa a água estagnar-se e formar-se o charco.
[...] ) [grifos nossos] (STENDHAL, pp. 381-382).


Vai ao sentido da teoria do reflexo estabelecida por Lukács ao mostrar a importância do desvelamento da sociedade, independentemente dos obstáculos postos para não se mostrar os caracteres negativos. E o jeito dele responsabilizar o contexto refletido pelo espelho e ter que se criticar seus responsáveis ratifica “uma tese fundamental do materialismo dialético [que] sustenta que qualquer tomada de consciência do mundo exterior não é outra coisa senão o reflexo da realidade, que existe independentemente da consciência, nas ideias, representações, sensações, etc. dos homens” (LUKÁCS, p. 25).

Os personagens de O Vermelho e O Negro mostram uma importante característica de Stendhal, que "cria em carne e sangue, cria a exuberante história de personagens vivos e concretos, cujo caráter adquire um valor típico, porque - embora a sua natureza constitua exceções extremamente individuais - eles personificam a profunda nostalgia dos melhores filhos da classe burguesa" (op. cit., p. 134).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LUKÁCS, Georg. Ensaios sobre Literatura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. (Biblioteca do Leiro Moderno – volume 58).

STENDHAL (Henri Beyle). O Vermelho e O Negro. Trad. de Casimiro Fernandes e De Souza Júnior. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1998 – (Biblioteca Folha. Clássicos da Literatura Universal; 14). Título do original: Le rouge et le noir.

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