sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Amor e Guerra – O Vermelho e o Negro (Stendhal)

Sangue e batina, guerra e religião, amor e guerra,... Muitas são as tentativas de se entender o que o título O Vermelho e o Negro pode significar. Mas se esta grande obra de arte mundial veio de alguém que precisou de dezenas de pseudônimos para assinar seus livros, não é nada de se estranhar tal dúvida, que fica mínima perante as suas mais de 500 páginas e a sua capacidade de reproduzir a típica sociedade da época.

Se falarmos que o autor desta obra é o francês Henri Beyle (1783-1842) talvez você nunca tenha ouvido falar nele. Beyle sofreu com a morte da mãe enquanto era adolescente e não se sentia à vontade para assinar seus textos com o nome de batismo; via-se acuado, sem proteção. Stendhal foi um dos mais frequentes nomes utilizados, o qual tinha sua origem na designação de uma cidade alemã que o escritor visitara.

Contemporâneo de Honoré de Balzac, Stendhal chegou a receber um texto em especial, onde o outro autor francês realiza algumas críticas, especialmente no que concerne ao seu estilo de compor, apesar de apontar nele uma incrível capacidade de mostrar a realidade de forma objetiva, através da prática de um ser humano comum.

Como explica Georg Lukács (1965, p.120) no trecho a seguir, as semelhanças entre esses eles era maior: "Este apaixonado esforço em direção ao essencial, o desprezo por todo o realismo mesquinho, constituem a ponte que une os dois artistas, não importando a dimensão do contraste entre eles na concepção do mundo e nos métodos de trabalho".

O LIVRO
O Vermelho e O Negro é uma das grandes obras da literatura mundial e foi publicada pela primeira vez em 1830. O livro traz a perspectiva de um jovem filho de camponês que com grandes ambições pretende seguir o caminho vitorioso de seu ídolo maior, Napoleão Bonaparte. Julien Sorel, oriundo de uma família de carpinteiros, é mais uma demonstração da metamorfose da sociedade capitalista.

A obra é divida em dois tomos, ambos seguem transformações na vida do protagonista que, de forma gradual, consegue conviver com importantes na estrutura social da França.

Na primeira parte, a mudança inicial na sua vida, quando o oferecem um emprego para ensinar latim para os filhos do prefeito de Verrières. Seu pai praticamente o vende para o senhor de Rênal, afinal o filho não queria trabalhar como os outros e preferia ler livro em cima de árvore.

Sorel tinha aulas com um padre e entendia que era esta profissão poderia dar-lhe o poder e o respeito necessários nesta nova forma social. Com o período da Restauração, pós-Napoleão, apagou-se a idéia de que politicamente poderia atingir um poder supremo, a vida na catequese poderia garantir uma boa renda, desde que se tivessem feitos os acordos políticos necessários.

Porém, ele contraria a sua origem e tenta mostrar uma altivez que chama a atenção de quem o cerca ao longo da história. E a maior parte dos seus movimentos é estrategicamente pensada como uma forma de demonstrar que pode conseguir qualquer coisa. E é por causa disso, especialmente no que confere às mulheres, que o lado emocional (vermelho) aflora.

A sua relação com duas mulheres, uma em cada tipo de local (província e capital), é o que traz o caráter de tipicidade à história. Enquanto que com a senhora Rênal ele tem de agir com alguém tradicional e ligada a mistificações, com a jovem Mathilde ele tem que lidar com alguém com utopias dedicadas à nobreza, apesar de se apresentar para discussões mais difíceis e polêmicas. As duas personagens apresentam a mudança, parcial, da posição da mulher na sociedade.

Para o protagonista, ao menos em boa parte desses casos amorosos, tudo era como uma batalha: “‘Na batalha que se prepara’, acrescentou ele, ‘o orgulho do nascimento será como que uma coluna elevada, desempenhando uma posição militar entre ela e mim. É ali que será preciso manobrar’” (STENDHAL, 1998, p.352).

Porém, como Lucáks (p.133) comenta, os personagens stendhalianos tendem a percorrer todos os níveis da sociedade capitalista, conhecer o jogo das forças – vide uma reunião que Sorel participa com nobres que pretendiam “mudar” a França – sem, contudo, deixar-se levar por esse jogo. Mesmo que a “redenção” não garanta a existência futura. Perceba um dos quadros finais deste personagem: “Julien achava-se pouco digno de tanto devotamento; a falar verdade, estava fatigado de heroísmo. Ele seria sensível a uma ternura simples, ingênua e quase tímida, ao passo que a alma altiva de Mathilde necessitava sempre da ideia dum público e dos outros.” (STENDHAL, p.504).

O protagonista de O Vermelho e O Negro é um exemplar claro dessa negação ao sistema vigente ao não conseguir se “enquadrar” em nenhum grupo social, mesmo que tenha aproximação com padres, bispos, policiais, políticos, burgueses,... Como poderia alguém falar isso, um exemplar, mesmo que simples, da luta de classes já presente na sociedade francesa:

‘Mereço, pois, a morte, senhores jurados. Mas, mesmo que eu fosse menos culpado, vejo homens que, sem contemplação para o que a minha juventude possa merecer de piedade, hão de querer punir em mim e desencorajar para sempre os jovens que, oriundos de uma classe inferior e de qualquer forma oprimidos pela pobreza, têm a felicidade de conseguir uma boa educação, e a audácia de imiscuir-se naquilo que o orgulho da gente rica denomina boa sociedade.

‘Este é o meu crime, senhores, e ele será punido com maior severidade pelo fato de eu não ser julgados pelos meus pares. Não vejo no banco dos jurados nenhum camponês eariquecido, mas unicamente burgueses indignados...’. (op. cit., p.518)


[Continua no post abaixo...]

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