sábado, 27 de julho de 2013

E se em 1930...

Uma Copa do Mundo cuja marca foi um goleiro defendendo uma bola chutada no ângulo. Impensável nos dias de hoje, quando todos nós sabemos que o mais importante é ver a gorduchinha no fundo das redes.

Mas, como já contamos no início desta série, ter chegado em 1930 à promoção de um torneio mundial de futebol é bem mais importante que a primeira representação comunicacional deste esporte - que contava somente com as publicações impressas e uma coletânea cinematográfica que viria a ser recuperada bem depois.

Entretanto, o amadorismo presente ia além disso. Neste torneio que deveria ter sido mundial, foram apenas 13 seleções presentes, dos continentes americano e europeu. Dentre as ausências, a dos inventores do futebol, a Inglaterra, que, assim como outros países, prefeririu não participar por causa da grande distância para o Uruguai. Seriam 15 dias para ir, 15 para jogar e mais 15 para voltar para casa.

Deixemos de lero-lero e contemos, da nossa forma, como um motivo tão banal pôde ter tanta importância para a primeira edição da Copa do Mundo.

>> E SE EM 1930...
Chegou o dia que Jules Rimet, presidente da Fifa, tanto esperava... O dia em que um país bicampeão olímpico poderia mais uma vez mostrar sua supremacia num esporte bretão... O dia em que o mundo começou a perceber o fenômeno globalizante do futebol.

93 mil pessoas ocupavam o Estádio Centenário na capital uruguaia, Montevidéu, esperando que a comemoração de 100 anos de independência do país fosse consolidada com mais um título da Celeste Olímpica. Não importava que oficialmente no estádio só coubessem 80 mil.

O dia 30 de julho de 1930 daria ao mundo uma das primeiras rivalidades sul-americanas numa final de Mundial. Separados pelo Rio da Prata, Argentina e Uruguai só pensavam em levantar aquele troféu dourado, que no futuro chamariam de Jules Rimet.

As duas seleções, coincidentemente, vinham de duas goleadas pelo mesmo placar nas semifinais: 6X1 (contra Iugoslávia, para os atletas da casa; e contra o Estados Unidos, para os vizinhos).

Dentre tão poucos países, o Brasil ficou no caminho. Numa intriga formada pela Confederação Brasileira de Desportos, que optou por não chamar nenhum dirigente paulista, os times de São Paulo não liberaram ninguém no Estado. A única exceção no selecionado carioca foi Araken, jogador do Santos, que brigado com a diretoria do clube resolveu se juntar à delegação que viajaria a Montevidéu.

Em dois jogos, uma derrota na estreia para a Iugoslávia por 2 a 1 e uma goleada sobre a Bolívia, 4 a 0. O primeiro gol brasileiro em Copas foi marcado por João Coelho Neto, o Preguinho, jogador do Fluminense.
Será que SE fosse uma Seleção realmente brasileira o resultado poderia ser outro?

Enfim, fato que na final estavam dois vizinhos do nosso país. Com sua tradicional camisa celeste, o Uruguai; do outro lado do campo, com listras verticais em azul e branco, a Argentina.

Só que o árbitro belga Jan Langenus encontrou um grande desafio antes do início da partida. Diferentemente de hoje, não havia bola oficial do torneio, assim, ambas as seleções faziam questão de atuar com as bolas fabricadas em seus países.

Sem ter como resolver o problema - nem sei se ele falava castelhano -, o árbitro resolveu fazer um sorteio: num tempo a bola seria de um país, noutro a do adversário.

Mesmo com a bola argentina para o primeiro tempo, Dorado abriu o placar para os anfitriões, aos 12 minutos. Porém, com melhor domínio da redonda, a Argentina virou. Aos 20 minutos Peucelle empatou e aos 37 foi a vez de Stabile virar o marcador e se firmar como artilheiro do Mundial, até o momento com oito gols.

Só que aos 12 minutos da segunda etapa, a posse da bola uruguaia deixou o placar igual no segundo tempo, com gol de Cea. A alegria da torcida só não foi maior que a que veio aos 23, com o gol de Iriarte, virando o marcador.

Em meio a tanta festa dos rivais, um dirigente argentino decidiu "resolver" o jogo: entrou em campo de forma sorrateira e jogou outra bola para ser reposta pelos seus jogadores no meio de campo.

Os uruguaios estavam tão empolgados com a virada e com a festa da torcida que não acharam estranho. Só não esperavam que Stabile recebesse sozinho um lançamento direto da intermediária, claramente a defesa não soube onde a bola chegaria, e batesse na saída de Ballesteros, aos 35 do segundo tempo.

Aos 44, o golpe fatal para a alegria uruguaia, cuja torcida já estava preocupada. O técnico Francisco Olazar pediu para que o artilheiro da Copa recuasse para a marcação, de forma a confundir a zaga adversária. E deu certo. Aos 44 minutos, Stabile deixou o capitão Manuel Ferreira livre para chutar na entrada da área. Foi o gol que calou o Centenário.

Fim de jogo. Festa dos argentinos e um tremendo silêncio no estádio uruguaio. Algo parecido talvez só tenha ocorrido em 2009, com a derrota da Celeste por 4 a 0 para o Brasil nas Eliminatórias.

* Relembrando, caso apareça algum desavisado: os textos da série E Se... não tem nenhuma intenção de se tornar referência histórica, ou seja, não adianta comentar, como fizeram no outro espaço, que eu estava errado. Eu não só sei disso, como afirmo que a intenção é esta. Sejamos criativos, amig@s! Como dizia no primeiro texto, a coluna E se... não chegou para mudar a história do futebol, mas para contar o seu principal evento de uma forma diferente.

2 comentários:

  1. O interessante dessa brincadeira de ficção seria encadear os vários "e se".

    Se a Argentina tivesse vencido a final da Copa de 1930, a mística da garra celeste ficaria abalada e conseqüentemente o Maracanazo de 1950 provavelmente não teria acontecido.

    Sem o Maracanazo e com o Brasil vencendo a Copa de 1950, aquela geração de craques não seria execrada e nomes como Barbosa, Zizinho e Ademir estariam dentre os convocados para a Copa da Suíça em 1954.

    Com esses craques reforçando a Seleção Brasileira, a derrota para a Hungria nas quartas-de-finais também seria inevitável, mas como estaríamos lá como detentores do título mundial, não existiriam acusações conspiratórias contra a arbitragem, nem brigas, sopapos e sapatadas fora de campo.

    Com o título de 1950 e a eliminação serena de 1954 na bagagem, não existiria o "complexo de vira-latas" e a preparação para a Copa de 1958 não seria tão obcecadamente detalhista como foi.

    Já em terras suecas e sem o peso de nunca ter vencido uma Copa (ainda que tenha conquistado a de 1950 na reserva), Nílton Santos possivelmente não teria a iniciativa da famosa reunião que levou Feola a escalar Pelé e Garrincha contra a URSS.

    Com a dupla permanecendo no banco, o Brasil poderia perfeitamente perder para o ataque francês na semifinal ou mesmo para a retranca galesa nas quartas.

    Assim, quarenta anos antes de Zidane, a França conquistaria a sua primeira Copa do Mundo. E o Brasil, com Pelé e Garrincha ganhando suas titularidades somente nas Eliminatórias de 1960/1961, chegaria ao Chile-1962 com grande pressão nas costas.

    Essa pressão, somada à contusão de Pelé na segunda rodada, contra a Tchecoslováquia, faria com que Amarildo não suportasse de imediato a fogueira em que foi lançado e o Brasil acabasse derrotado pela Espanha, com um gol solitário de Adelardo.

    Classificado em segundo lugar de seu grupo, o Brasil pegaria a Hungria em Rancágua. Em Viña del Mar, um cachorro invade o campo de Inglaterra x Espanha, é rapidamente agarrado e o episódio acaba não tendo maior repercussão.

    O Brasil, com Amarildo já menos nervoso, ganha apertado da Hungria e pega nas semifinais a enjoada Iugoslávia, então vice-campeã européia...

    Paro por aqui, para não me alongar ainda mais, mas acho interessante ver como um "e se" afetaria todos os eventos posteriores como num "efeito dominó".

    Deixo apenas algumas perguntas, para aguçar quem quiser continuar essa história:

    - Com a "geração de ouro" perdendo a Copa de 1958 a talvez a de 1962, Telê Santana chegaria a 1982 acreditando cegamente que o espetáculo por si só garantiria a vitória?

    - Com a "geração de ouro" perdendo a Copa de 1958 a talvez a de 1962, as pressões (e seus efeitos) dos defensores do "futebol-arte" contra os técnicos Parreira (1994 e 2006) e Dunga (2010) teriam sido os mesmos?

    - Com a França de Fontaine e Kopa vencendo a Copa de 1958, a atmosfera psicológica da final de 1998 (e por conseguinte do "jogo do meião" em 2006) teria sido a mesma?

    Só Deus sabe...

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    1. Oi Marcelo, muito bom o seu encadeamento e realmente é interessante como algo mais simples poderia ter mudado tudo o que entendemos do futebol. Não lembro se tinha parado nos "e se"s na Copa de 50 ou de 54, por mais que motivos como os já citados por você - Garrincha e Pelé poderiam ser "eternamente" reservas em 58; além de tudo,62 tem o não pênalti de Nilton Santos - para contar o que poderia ter ocorrido.

      Espero desta vez conseguir terminar tudo, já prestando atenção nos encadeamentos simbólicos, de tradições que foram criadas, muito bem apontados por você.

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