sexta-feira, 1 de março de 2013

Um monstro, mas muito gentil - Amour

Ela pede para que ele junte os joelhos com os dela, para mantê-la segura. Depois, que passe o braço direito por trás do seu copo. Os braços dela seguem para cima dos ombros dele. Passos sincronizados para frente. O movimento segue.

A polícia invade o apartamento após a preocupação dos vizinhos, sem notícias há muitos dias de quem vivia ali. Um fedor ocupa todo o espaço. Abre-se cômodo a cômodo, janela a janela, até encontrarem um quarto fechado e lacrado com fita adesiva. Arromba-se a porta e lá encontram o corpo de uma senhora usando preto e segurando flores e com algumas pétalas em volta. Aparece o letreiro com o nome do filme: AMOUR.

Imagens contraditórias? Amour, dirigido pelo alemão Michael Haneke (A Fita Branca, La pianiste, Caché) numa co-produção entre França, Alemanha e Áustria, apresenta o final da história de um casal de senhores franceses, na casa dos 80 anos, após o avançar da doença de uma ex-professora de piano. O que eu vi foi uma dança. Como ocorre nesta, guiada pelo homem, Georges (Jean-Louis Trintigant), mas com a beleza e glamour da mulher, Anne (Emmanuelle Riva), chamando todas as atenções.
Escolha
Era para eu ter assistido ao filme há mais de um mês, mas a vontade de ficar mais recluso e, principalmente, o título do filme me afastaram. Alguém tão diferente como eu fica receoso com títulos melosos, por mais que seja um filme bem longe do padrão estadunidense, até mesmo pelos locais de produção e direção, e ainda que tenha ganho a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2012.

No domingo passado, confirmou o favoritismo ao vencer o Oscar de melhor filme estrangeiro. Nesta categoria, confesso que o que fiquei curioso em ver foi No, que trata da campanha do plebiscito de 1988 para evitar que o general Pinochet seguisse na presidência do Chile, após forte pressão internacional contra a ditadura. Não vi e nem sei se poderei vê-lo, por não ter ido aos cinemas que costumo frequentar.

Depois da defesa da dissertação, resolvi dar uma olhada nos filmes dos espaços que costumo frequentar em Porto Alegre, após um bom tempo sem consultar as programações. Amour estava na programação da Cinemateca Paulo Amorim, da Casa de Cultura Mário Quintana. Assim como, O Mestre e Argo, o último o vencedor de melhor filme de 2012 em vários prêmios anunciados nos últimos meses.

Acabei escolhendo ver Amour e Argo, filmes com grandes diferenças entre si. Se eu nem tive tanta vontade de assisti-los por conta do prêmio mais recente, não posso dizer o mesmo dos que me acompanharam. A sessão do filme de Haneke tinha mais de 30 pessoas, creio que o maior público para sessões em que eu já tinha ido na CCMQ - que seria superado pela lotação completa de Argo numa sessão com início às 17h10!

Com a minha mania de estatísticas - justificando a escolha do meu nome por parte dos meus pais -, achei curioso que haviam cerca de 8 homens entre trinta e tantas pessoas na sala. Creio que de forma solitária apenas eu. Pelo jeito, problemas em ver filmes com nomes assim, digamos, sentimentais, podem ser algo comum ao padrão machista da nossa sociedade...
Problemas na sala, mas não do filme
Li aqui ou acolá críticas a problemas apresentados na exibição de filmes na Cinemateca Paulo Amorim. A mais recente havia sido na página oficial de O Som Ao Redor, que alguém reclamou que o filme apareceu desfocado em alguns momentos de exibição. Vá lá que tem alguns problemas de áudio que eu notei algumas vezes, mas nunca havia passado por lá com deficiência mais grave. Eis a primeira vez.

Passados 20 minutos de filme e a cena aparece dividida ao meio. A máquina da projeção deve ter levado alguma pancada ou o filme estava mal colocado. Reclamações, palmas, algumas pessoas saindo para reclamar. Corrigiram o posicionamento. As pessoas seguiram reclamando que perderam parte do filme. Mais reclamações e pessoas saindo para reclamar que deveria começar do início. O filme volta algumas cenas depois de onde deu problema. Mais reclamação - por isso que não gosto de sessões cheias... Volta-se à cena anterior.

Café normal na vida do casal. Anne para o olhar em direção ao infinito. Georges a chama várias vezes e nada, pergunta o que estava acontecendo e nada, pega um pano, liga a torneira, molha-o e depois passa na cabeça e na nuca da esposa, nada. Ele sai atarantado para se vestir. Para de escutar o barulho da torneira e retorna à cozinha. Anne estava como se nada tivesse acontecido e se chateia com os questionamentos do marido do porquê de estar fazendo aquelas brincadeiras. O casal discute e ele tenta explicar que algo ocorreu e o médio deveria ser chamado. Anne erra a mira do chá na xícara.

As cenas que não vimos inicialmente eram escuras, mostrando a casa vazia, tudo do mesmo jeito que estava no momento anterior, com a toalha molhada em cima da mesa. Uma tomada bastante silenciosa. Dali, um pulo para a conversa de Georges com a filha, Eva, que fala mais de outras preocupações, empurrada pelo pai, que não queria falar dos problemas de saúde da esposa.

Ainda houve gente a teimar que pularam a cena. Não entenderam a simplicidade da passagem que indicou a saída para o hospital e o retorno. Eva aparece em mais alguns momentos, para irritação de Anne, que não a queria ver. Alexandre, a quem somos apresentados no início da "vida comum" do casal por ter sido aluno de piano de Anne, aparece para fazer uma surpresa e é surpreendido porque a sua ex-professora aparece de cadeira de rodas.

O filme segue com momentos do cotidiano, agora modificados. Georges parece ser alguém "carrancudo", bastante preocupado com a situação da esposa, apaixonado. Chega ao ponto de contar histórias da sua infância - a última delas numa construção cênica e de roteiro genial, marcante para o filme -, mesmo que isso prejudique a imagem que construiu.

Na primeira, ele fala sobre a lembrança do sentimento que teve ao ver um filme. Criança, encontrou um dos valentões típicos da idade, que perguntou porque ele estava chorando. O filme, foi a resposta. Georges não lembrava sequer o nome do filme ou como ele era feito, mas nunca esquecera da sensação que teve após ele, sensação esta repetida, com as lágrimas caindo novamente, ao falar com a outra criança. Anne ri muito na mesa de café, mesmo com o lado direito paralisado, e diz que ele não contava mais histórias assim para não mudar a imagem dele: "Você às vezes é um monstro. Mas, muito gentil".

Anne parece ser mais doce, mas sente muito as mudanças promovidas pela doença, fazendo o máximo para se afastar das pessoas, sejam as enfermeiras ou, até mesmo, a filha. Antes do ápice da doença, demarcado por ter acordado toda molhada, chega a exigir que, para o bem dos dois, que acabasse logo com aquilo. Ele diz que caso ela estivesse no lugar dele manteria os mesmos cuidados. E ela responde, seca, que imaginação e realidade são coisas bem diferentes. Quebrando com qualquer argumento possível.

Amour segue e o amor também, mas não para mostrar um casal no final de sua relação por conta da morte, já apresentada nas cenas que servem de prólogo, e sim para saber que, apesar de qualquer atitude que possa parecer reprovável - a ponta de gerar a reação de subir a camisa até o rosto, como fez a minha vizinha de cadeira -, a companhia (ou lembrança dela) segue.
Atuação
Emmanuelle Riva ganhou o BAFTA (principal prêmio cinematográfico britânico) e tornou-se a atriz mais velha (aos 85 anos) a concorrer ao Oscar nessa categoria, "perdendo" o prêmio para Jennifer Lawrence (O Lado Bom da Vida). Li vários elogios ao longo dos últimos meses e acabei optando por prestar mais atenção ao companheiro dela de filme.

Jean-Louis Trintignant, de 82 anos, tem uma atuação impecável, mostrando todas as fragilidades da idade, alçadas a um posto ainda maior quando a parceira de toda uma vida acaba por exigir muito mais do que um dia ele sequer imaginara. Uma enorme pressão que acaba por mostrar que aquele "monstro" pode ser realmente muito gentil, como Anne falara numa das cenas.

Além da cena principal, outras duas me marcaram. Na primeira, ele escuta a campainha ou uma batida na porta durante a noite - o filme inicia com o apartamento com sinais de arrombamento - e resolve checar. Só assim conhecemos alguns outros locais para além daqueles cômodos. Pergunta quem era e não tem resposta. Abre a porta e ninguém ali. Segue andando até chegar num corredor alagado, o tempo todo sendo chamado pela esposa. Uma mão, aparentemente dela, aparece por trás e tapa a sua boca. Acorda desesperado do pesadelo que gerou um grande susto nos espectadores.

O segundo barulho é oriundo de uma batalha especial. Um pombo resolve aproveitar a janela aberta para entrar na casa. Na primeira vez ele consegue afastá-lo facilmente, na segunda, já perto do final do filme, ele sai caçando o pombo com um pano por toda a casa. Servindo, inclusive, para diminuir a carga negativa que possa ter ficado com o personagem, que se, por um lado, consegue pegar o pombo, por outro, solta-o em seguida.

É claro que, por mais que eu tentasse focar na atuação de Trintignant, a evolução da doença em Anne, com reações tão verossímeis, não deixavam me escapar o quão difícil deve ter sido para Riva. Uma atuação impecável e memorável.

Independente do nome do filme, Amour vale muito mais a pena para se ver, mesmo para aqueles que duvidem desse sentimento ou pensem que uma história com um casal de idosos e restrita, basicamente, aos cômodos de um apartamento pudesse ser tão interessante.

6 comentários:

  1. qual a relação entre seu nome e seu gosto por estatísticas?

    e sério que, por um tempo, vc não quis assistir ao filme por causa do nome?

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    1. Escolha dos meus pais, que estavam em dúvida entre Alison e Anderson. Olharam alguma revista ou livro que dá o significado de nomes e escolheram Anderson por ser algo como "apto com números".

      O nome é uma história mais complicada.

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    2. rende um post essa história do nome do filme?

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    3. Retificando, dá mais que um post. Isso fica para um livro de crônicas futuro - que provavelmente nunca irá existir.

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  2. Eu torci muito pra ela ganhar o Oscar, Jennifer Lawrence não foi nem de longe melhor que Riva. Como disse, apesar do nome é um filme muito bom, também fiquei com pé atrás com ele, mas fui levado pela maioria que dizia que era um excelente filme.

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