sexta-feira, 22 de março de 2013

Desejo, honra, paixão e a beleza teatral de Anna Karenina

Teatro. Estamos situados. As cortinas abrem. Mas não eram cortinas. Era um bloco cenográfico e logo depois virão outros, com portas abrindo e se fechando a partir deles. Mudamos constantemente de local e vemos a Rússia czarista e toda a sua necessidade de luxo e glamour sendo exposta. De início, como entender sequências tão rápidas?

É preciso fôlego para passar pelos primeiros minutos de Anna Karenina. A 5ª versão para o cinema desta grande obra literária, publicada por Liev Tolstói em 1873 (as outras foram em 1935, 1948, 1985 e 1997) tomo como base para representação um imponente teatro, para onde somos passados em alguns momentos para as gravações externas ou de locais que necessitam de mais espaço. Mas sempre sabemos para onde somos levados.

A primeira recordação sobre a utilização do teatro veio da mini-série brasileira Capitu, que formou o projeto Quadrante, de Luiz Fernando de Carvalho, interrompido pela Globo após A Pedra do Reino. Confesso que já havia gostado de Dom Casmurro quando li e fiquei fascinado pela atuação da Letícia Persiles de Capitu enquanto jovem, mas aquele novo padrão estético apresentado foi muito interessante.

A imponência de Anna Karenina neste artifício é bem maior. Até mesmo porque somos apresentados a grandes bailes, teatros para óperas, casarões e até mesmo hipódromos, tudo num mesmo espaço. Com os blocos subindo e descendo e novos detalhes cenográficos, claramente demarcados pela sua destinação teatral. Afinal, até mesmo as cordas e roldanas são expostas.

Uma das coisas interessantes com isso foi a exploração ao máximo do lugar. Se começamos com a coxia, somos levados à rua através do espaço superior do teatro, os corredores de quem toma conta da iluminação e do subir e descer de objetos cenográficos.

O ritmo toma conta do filme principalmente através da caracterização da sociedade russa e seus mais variados defeitos. As acusações realizadas, o foco para as personagens a dançar, os olhares voltados a alguém, as pessoas paradas em vários momentos para deixar outrem passar e a mecanização do trabalho burocrático toda vez que o chefe passa pela sala.

A valsa dançada também me encantou bastante, por mais que eu não seja um pé-de-valsa. Tudo sincronizado, marcações perfeitas, mesmo quando a atenção de alguns dos dançarinos estava em outro par. O destaque para um dos casais e as discórdias por novas duplas apresentadas também ocorreu de forma bem interessante. Como se trata de expor o teatro que permeia o filme, tudo é perceptível nestes momentos em que o ambiente claramente é este, um grande palco.

Desejo, honra e paixão
Empolguei-me tanto com o diferencial dos aspectos técnicos que ainda não contei do que trata o filme. Por mais que seja um clássico da literatura mundial, eu mesmo comentava no início da semana que não tinha lido nenhum literata russa, casos de Dostoiévski e Tolstói.

Interpretada por Keira Knightley, Anna Karenina é esposa de um rico funcionário público, Alexei Karenin (Jude Law), mais velho que ela e com quem tem um filho, fechando o ciclo de sucesso na Rússia do século XIX. Até que numa viagem para convencer a cunhada a voltar para o irmão, ela conhece a mãe do Conde Vronsky (Aaron Taylor-Johnson), a quem vê pela primeira vez num momento trágico na estação de trem - onde as diferenças de classe são expostas de forma crua, literalmente - cujo casamento estava prometido a uma amiga dela, Kitti. Esta chega a rejeitar Dmitri, que herda de um pai convalescente propriedades rurais longe do circuito de glamour de Moscou e São Petersburgo.

Por mais que tente resistir, Anna acaba cedendo à paixão pelo conde e isto muda totalmente a trajetória dela, que se mostra bastante decidida quanto ao que deve fazer, mesmo que para isso deixe de ver o filho, ameaça feita pelo marido, que se torna mais envergonhado com a exposição da esposa - que chega a fazer um escarcéu quando Alexei Vronsky cai da égua que tanto amava e a tem que sacrificar em público -, que com a traição em si. Mesmo em momentos de extrema raiva, ele apenas estala os dedos das mãos, algo muito irritante.

Interessante observar também que a mesma sociedade que acaba incentivando a Anna em direção ao conde, com forte participação da princesa Betty, é a mesma que irá a excluir posteriormente, quando está numa relação incerta com Vronsky, que também acaba sendo forçado pela maman dele para fechar um negócio mais certeiro, com outra princesa.

(Spoilers, ainda que bem pequenos, aparecerão. Fazer o quê?)

Enquanto o trio protagonista caminha do glamour até um momento trágico - numa clara inversão do que ocorrera no início. O romance coadjuvante realiza o caminho inverso Dmitri não só fica no interior, por assim dizer, como passa a dividir com os empregados o trabalho no campo, estes sendo comprados pelo pai dele para o trabalho laboral e que, ainda assim, não mostravam qualquer raiva quanto à situação, mas surpresa pelo que o novo patrão estava a fazer.

Kitti vira outra pessoa por conta da rejeição gerada pelo casal Vronsky-Anna e parece repensar todas as atitudes da sociedade de luxo em que vivia, a ponto de ter uma reação totalmente diferente na parte final do filme, sem se preocupar com possíveis hesitações que sua posição de classe determinavam. As contradições daquela sociedade, num momento feudal mesmo, muito bem trabalhadas na obra literária e visualmente repassadas para os cenários do filme. O luxo versus a simplicidade.

Dirigido por Joe Wright (Pride & Prejudice, 2005), Anna Karenina ganhou o Oscar de melhor figurino, mas vale muito a pena assistir pela beleza do conjunto do filme. A história exige uma atenção maior, principalmente por conta do ritmo inicial e, principalmente, da falta de costume quanto à estética aplicada pela mistura com lances teatrais, claramente explicitados. Quem gostou de Capitu tem que assistir a Anna; quem não, pode tirar suas conclusões sobre o diálogo entre estas artes da interpretação.



PS (bem escondido): Dependendo, até que pode ser bom ver um filme desses acompanhado.

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