sábado, 9 de março de 2013

[Por Trás do Gol] "Se va a acabar, se va a acabar la dictadura militar!"

1934 - Segunda edição da Copa do Mundo FIFA de futebol sendo realizada na Itália sob o fascismo de Mussolini. A arbitragem foi tão suspeita, com direito a Il Duce conversando com o árbitro da semifinal e da final (o sueco Ivan Eklind) antes das partidas, e a expulsão de outros dois, um belga e outro suíço, de suas pátrias após a Copa vencida pelos italianos.

1936 - A Alemanha comandada por Hitler sedia os Jogos Olímpicos em Berlim para comprovar a tal da "superioridade da raça ariana". Um negro, Jesse Owens, vence as principais provas do atletismo e ofusca a propaganda do regime nazista através do esporte.

1938 - Meses antes da terceira edição da Copa do Mundo, jogadores ingleses e alemães saúdam Hitler num amistoso realizado em Berlin. Já durante a Copa, por conta da prioridade da camisa azul para os donos da casa, a França, a Itália joga com camisas, calções e meias pretas, cor do regime fascista, que teria ameaçado os jogadores em caso de não voltarem ao país com o bicampeonato, o que ocorreria.

1970 - Em meio à ditadura militar no Brasil, cria-se uma estrutura de organização militar da Seleção que viajaria para a disputa do mundial do México, com direito a agente de espionagem como chefe de segurança da equipe e demissão do esquerdista assumido João Saldanha do cargo de técnico do selecionado. O time venceria jogando muito bem e a vitória seria apropriada pelos militares.

1978 - A ditadura argentina segue os exemplos de realizar um grande evento esportivo internacional para agregar o sucesso neste à imagem do país. Alguns jogadores, caso do holandês Cruyff, boicotam a Copa do Mundo, que termina com o título da Argentina, mas já na prorrogação. Aos 45 minutos do segundo tempo, houve uma bola na trave pela Holanda, que poderia ter mudado a história não só do futebol mundial.
Por ter tirado a camisa celeste, de León ficaria sem um carro
MUNDIALITO
Em 1980, a ditadura uruguaia resolveu realizar um Mundialito, a Copa Ouro, que reuniria os campeões mundiais de futebol até ali (Uruguai, Itália, Alemanha, Brasil, Inglaterra e Argentina). A ideia era utilizar o torneio para mostrar as benesses do regime militar, que teve início no país em 1973, e recolocar os uruguaios no panorama mundial através do principal esporte do planeta.

No campo pelo lado uruguaio, jogadores que ficariam conhecidos aqui no Brasil, casos de Hugo de León, recém contratado pelo Grêmio e que ficaria marcado como um dos grandes ídolos tricolores ao levantar a taça de campeão da América com o rosto sangrando, e Rodolfo Rodrigues, autor de uma série de defesas das mais famosas, quando atuava pelo Santos.

O excesso de confiança dos militares fizeram com que eles realizasse o evento esportivo em dezembro, um mês depois de um plebiscito sobre a reforma constitucional, que faria com que a ditadura militar fosse reconhecida como uma espécie de "nova democracia", justo no país, como diz Eduardo Galeano, que mais prendeu e torturou pessoas quando feita a proporção por número de habitantes.

Nas urnas, uma derrota gigantesca. Restava aos militares um bom resultado nos gramados, com o mundo inteiro de olho. Para isso, todos os pedidos dos jogadores foram atendidos. O último, um carro para cada um, teria confirmação após o primeiro gol na final, realizada contra o Brasil no Estádio Centenário.

Quando o militar vai avisar ao técnico Maspoli que poderia comunicar aos seus jogadores, o árbitro marca pênalti para o Brasil. Gol de Sócrates, que comemora com o punho levantado, a marca deste jogador de aparência e atitudes antitéticas ao que se imagina no senso comum referente ao futebol.

O Uruguai viraria a partida e aguentaria uma pressão imensa do time que seria destaque da Copa do Mundo um ano e meio depois. Com tudo regrado, os militares fizeram com que a banda tocasse antes do jogo terminar. Vaias são ouvidas. A banda para. A coragem chega. As pessoas percebem que estão ali juntas e que o medo propagado nos anos anteriores poderia ser freado pela atitude coletiva. O Centenário bradava, apoiado pelo êxtase do título do Mundialito que viria:

"Se va acabar, se va acabar la dictadura militar".

O juiz apita o final da partida. Estava planejada a entrada da banda para tocar o hino nacional. Mas isso é futebol e um título num local que não sabia de algo parecido desde 1950. Invasão de campo e lá se foram os instrumentos, os militares instrumentistas eram empurrados. A festa seguiria pelas calles e avenidas uruguayas. A ditadura conseguira dar dois tiros nos pés em pouquíssimo tempo. O governo sob escolha eleitoral só viria em 1985, mas o futebol acordava uma população obrigada a tomar o remédio do medo para poder dormir mesmo ouvindo as torturas de um governo despótico. 

MEMÓRIAS DE CHUMBO - O FUTEBOL NOS TEMPOS DO CONDOR
Esta é uma das histórias apresentadas no episódio do Uruguai da série "Memórias de Chumbo - o futebol nos tempos do Condor", de roteiro e reportagem do jornalista Lúcio de Castro, exibida de 18 a 21 de dezembro de 2012.

Para contar sobre o período de ditadura uruguaia e sua relação com o futebol, há entrevistas com o já citado Eduardo Galeano, ex-jogadores de futebol, um historiador, uma exilada política e cineastas. Destaquei o caso do Mundialito por se tratar de um fato que se contrapõe ao "futebol como ópio do povo" como muitos gostam de proclamar indiscriminadamente e sem maiores conhecimentos, como se só este esporte pudesse ser apropriado politicamente dentre os elementos culturais existentes.

Mas há também o histórico título do pequeno Defensor em 1976, no pior período da ditadura - se é que dá para criar níveis num momento assim -, sob o comando de um técnico de esquerda, que foi vetado para comandar a seleção uruguaia dois anos antes por conta disso, e com jogadores, inclusive, com irmãos presos pela ditadura.

Os outros episódios referem-se ao Brasil, à Argentina e ao Chile, com referência à Operação Condor, que sob apoio do governo dos Estados Unidos, unificava as ações de espionagem e tortura nestes países, com grande destaque para os militares brasileiros, já que foi o primeiro país a ter o poder tomado por um golpe militar. Para se ter uma ideia, o carro dado como prêmio aos jogadores uruguaios foram produzidos pela Volkswagen no Brasil.

Abaixo, a íntegra deste episódio.

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