quarta-feira, 13 de março de 2013

Faltou-me paciência para Argo

Vi Argo no mesmo dia que assisti a Amour. Claro que sabia que se tratava de filmes bem diferentes, digamos que escolas diferentes de cinema (europeia X hollywoodiana). Tudo bem também que fui na semana que o longa dirigido por Ben Affleck ganhou o Oscar de melhor produção cinematográfica de 2012 e, por conta disso, a sala da Cinemateca Paulo Amorim estava superlotada, apesar de a sessão começar às 17h15 e já pós-carnaval. Além de tudo isso, acabei por achar o filme fraco.

Eu nem iria escrever nada sobre ele. Porém, vi hoje a notícia de que o governo iraniano pretende processar, ainda não se sabe se a Warner, Affleck e/ou os produtores, pelo que seria a difusão de "uma imagem má sobre o Irã". Já tinha lido algumas críticas a Argo em sites de (centro-)esquerda com argumentos semelhantes. Tratando o filme como uma propaganda da CIA, enaltecendo a cultura estadunidense e mal contando a história iraniana naquele período.

Ressalta-se que o Irã faz parte do tal "Eixo do Mal", cujas notícias ruins sobre aparecem nos nossos noticiários (comandos pelas elites) de forma regular, geralmente ligando-o à possibilidade de criação de armas de destruição de massa. O ex-presidente Lula até tentou fazer um acordo com Mahmoud Ahmadinejad, mas logo foi calado pelos parceiros dos Estados Unidos, "chocados" com a união.


BASEADO EM HISTÓRIA REAL
Em 1979, militantes iranianos tomaram o poder após duas décadas de ditadura sob o comando do xá  Mohammad Reza Pahlavi, em tratamento de saúde nos EUA. O aiatolá Ruhollah Musavi Khomeini foi o líder político e religioso da Revolução Iraniana, que teve como uma das consequências a ocupação da embaixada ianque no país.

Várias pessoas foram tomadas como reféns, sendo acusadas de serem espiãs americanas, e não simplesmente executivos no país. Antes que as pessoas consigam invadir o local, seis pessoas (dois casais) conseguem fugir, conseguindo lugar na embaixada do Canadá no país. A partir daí, eles acompanham as notícias pela TV local e esperam que o governo estadunidense consiga furar o bloqueio imposto.

Em meio a ideias estapafúrdias, a CIA confia num dos seus melhores agentes de captura, Tony Mendez (Ben Affleck), para entrar no país enquanto um diretor canadense que pretende verificar locações para seu próximo filme de ficção científica - Star Wars era conhecido mundialmente e revolucionou este tipo de produção. Foi necessário criar toda uma história, com direito a aporte de produtores hollywoodianos, jantar de leitura do roteiro e criação de papeis para que os fugitivos pudessem finalmente sair do Irã. E, apesar de tanto esforço, a secretaria de segurança nacional seguiu a não concordar com a ideia e quase abandonou todos à sorte.

O filme é baseado numa história real, que só pode ser divulgada quase duas décadas depois, com o protagonista do feito, Antonio J. Mendez, escrevendo o livro Master of Disguise: My Secret Life in the CIA de Antonio J. Mendez. Até então, a história oficial era que o casal da embaixada canadense tinham sido os heróis, já que os Estados Unidos eram muito mal vistos no Irã - os cerca de 52 reféns seriam libertados ainda em 1980, após 444 dias.

Os revolucionários iranianos queriam que os Estados Unidos extraditassem Reza Pahlavi, em tratamento no país para que ele pudesse ser julgado pelo seu povo pela grande quantidade de atrocidades realizada durante a sua ditadura, em que a população iraniana empobrecia enquanto ele e sua família esbanjavam riqueza.

Herói X Vilão?
CRÍTICAS
Dentre às críticas de cunho político impostas a Argo está a falta de maior explicação sobre a participação dos Estados Unidos naquele processo. Recordamos ainda que basta pegar o caso dos países da América do Sul na década de 1970 para entender a interferência da Terra do Tio Sam em momentos escabrosos nesta parte do mundo.

Com o Irã se deu de forma bem parecida. Reza Pahlavi recebeu apoio dos Estados Unidos e do Reino Unido após a Segunda Guerra Mundial - quando R.U. e URSS invadiram o país para assegurar os recursos petrolíferos. Os dois países forçaram o xá a abdicar do trono para o filho, que depois (1953) ainda deporia o primeiro-ministro e centralizaria os poderes.

Argo traz uma introdução que explica a participação direta dos Estados Unidos neste processo, justificando a revolta da população iraniana perante os oriundos do país americano. Além disso, ao longo do filme podemos ver aqui e acolá críticas à proteção estadunidense para o ditador Reza Pahlavi, mas sem destacar as riquezas petrolíferas em jogo no país - objeto que continuaria como obsessão para futuras guerras.

Então, para quem ainda não viu o longa e tem lido muitos textos com base nesta questão, respondo que há sim críticas à postura dos EUA.

Porém, como o filme é baseado num super resgate promovido pela CIA, é óbvio que o destaque é muito maior para a atuação de Tony Mendez e seus ajudantes, de maneira a gerar no expectador a torcida para que os Estados Unidos vencessem naquele instante, mediante a um povo "estranho" ao ambiente ocidental, que não estaria apto para o diálogo. Ainda que a Guarda Revolucionária fosse formada por pessoas com escolaridade elevada, conquistada em países europeus, inclusive o Reino Unido, ela é mostrada com alguns de seus membros tendo um encantamento pelo filme a ser produzido no país.

A empregada da residência do embaixador canadense aparece inicialmente como alguém que delataria a presença das seis pessoas na casa por conta de uma "crença cega" naquilo. Entretanto, vê-se que em nenhum momento ela faz qualquer ameaça e, inclusive, chega a ajudar na fuga - tendo que fugir também, para o Iraque, que receberia o apoio estadunidense anos depois para combater o Irã e que seria combatido no século XXI.


Creio que a minha grande crítica a Argo seja na estrutura do filme. Tudo bem que eu estou me acostumando a outros modelos cinematográficos, que acabam por exigir muito mais do espectador, quando até não nos deixam com muitas dúvidas ao final, mas não vi nada de novo na produção dirigida por Ben Affleck. Além de ser uma história com final conhecido, não gostei como ela foi desenvolvida.

Tentando me explicar. O passo-a-passo do suposto filme "Argo" até que foi bem mostrada, mas a situação dos reféns poderia ser melhor demonstrada, especialmente quando eles saem da embaixada pela primeira vez. Há uma expectativa de crise, agregada à possível denúncia da empregada e às descobertas feitas pelas crianças que juntavam os papeis triturados que sobraram dos prédios antes sob comando estadunidense. Porém, ficou algo bem leve. A saída não justificou a preocupação dos reféns e criou uma auto segurança exagerada em Mendez - reforçada até mesmo por uma preocupação superficial com o filho, que acabou ficando com a esposa com quem "deu um tempo".

A cena final poderia e deveria gerar o ápice do filme, mas não me empolguei com ela. Certamente, há a influência do meu posicionamento político-ideológico, porém, não foi apenas por isso. A história era interessante, a maioria dos espectadores já sabia o final, portanto, que se criassem elementos que pudessem gerar alguma dúvida. Deixo claro que eu não tenho problemas com filmes baseados em fatos reais.

Óbvio que a escolha para os principais prêmios do mercado cinematográfico, de sindicatos ao  da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, levariam em consideração as mesmas coisas que eu considero. Afinal, a minha percepção sobre a sociedade pesa muito e, claro, a forma como se dá a minha experiência com dada produção estética. Porém, esperava algo a mais de Argo, ainda que diferente do que eu venho gostando.

Um comentário:

  1. Ótima crítica! Eu gostei bastante do filme, achei o final impactante, claro que foi moldado com clichês de Hollywood, mas me agradou. O roteiro intenso não deixa pontas e nem cenas desnecessárias. Mas concordo com você no melhor desenvolvimento de certos fatos e gostaria de não ver tanta exaltação ao governo norte americano... faltou falarem sobre o petróleo, como disse, esse fato é um dos mais importantes!

    Abraço!

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