quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A transição na música em "Uma noite em 67"

Eu tinha acompanhado as notícias sobre o lançamento do documentário "Uma noite em 67", em 2010. Pelo meu interesse por música nos últimos anos, que me fez catar muita coisa mais "histórica", deveria ter sido um audiovisual para ter visto. Porém, até mesmo por não ter muito tempo na época, acabei por vê-lo agora, para variar, também ao "acaso".

Ah, falando de divulgação de 2010, é preciso lembrar que o festival retratado no documentário ocorreu patrocinado pelo Grupo Record de Comunicação, ainda sob propriedade de Paulo Machado de Carvalho - conhecido no futebol como o "Cavaleiro da Esperança", por liderar a delegação da Seleção nos títulos de 1958 e 1962. Era o III Festival Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, que teve como jurados nomes ainda hoje muito respeitados para a crítica musical, como Sérgio Cabral e Nelson Motta, dois dos entrevistados.

O documentário dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil já vale muito a pena ser visto por conta da qualidade dos compositores e cantores envolvidos nesta final, com todas as apresentações dos seis primeiros colocados sendo reapresentadas e com transmissão com um bom número de câmeras para a época, casos de: Roberto Carlos, MPB-4, Chico Buarque, Os Mutantes, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo,... 

Além disso, o contexto histórico era muito interessante. Pré-1968, que marca o aumento das forças repressoras da ditadura militar no Brasil, com o Ato Institucional nº 5, e também é antes de a juventude ir às ruas na Europa. Aqui, segundo até mesmo os relatos de quem esteve no festival, foi um momento em que o público percebeu que poderia ser protagonista e vaiou, xingou, aplaudiu e fez de tudo para que essa "premissa" fosse confirmada. Ao menos no Teatro Paramount, as vozes tinham de ser ouvidas.

Já no início há falas de Paulinho Machado de Carvalho, um dos responsáveis pelo controle do festival, que afirma claramente que mais que um festival artístico, a ideia era fazer um espetáculo para a TV - já naquela época. Inclusive, há toda uma tentativa de criar uma narrativa em torno dele, já que no período os programas musicais (dentre os quais, com a "Jovem Guarda", Elis Regina e Jair Rodrigues), havia a iniciativa da emissora de criar rixas entre os grupos, de forma incentivar que um seja o "mocinho" e o outro o "vilão".

Musicalmente, também era um momento que permitia a criação de "rixas" entre os músicos brasileiros. Dentre outras coisas, havia o "problema" entre os defensores da MPB, ainda que com a bossa nova em queda, e a Jovem Guarda, que representava já uma maior formatação do músico para vender produtos e um estilo de se vestir. Além disso, desenhava-se um novo movimento que estaria por vir: o "Tropicalismo".

O público, muito "politizado" (entre aspas mesmo, já que havia "certo" marxismo muito mais doutrinário que racional à época) estava pronto para vaiar o diferente. As letras deveriam ser críticas à situação social do momento e o arranjo musical não poderia aceitar símbolos do "imperialismo", caso da guitarra elétrica.

Já tinha lido no "Noites Tropicais", do Nelson Motta, sobre a quebra do violão do Sérgio Ricardo, que tentou de todos os jeitos contar a história de um jogador de futebol, o "Beto bom de bola", que antes de ele se irritar bastante, já tinha virado "Beto bom de vaia", numa das cenas que deveriam ser marcantes para a música nacional.

Porém, falar numa cena daquele festival seria exagero. Para mim, ao menos, o grande destaque é a apresentação de Caetano Veloso acompanhado dos argentinos do Beat Boys. "Alegria, Alegria" começa com vaias e se transforma em sucesso instantâneo com o público. Caetano reclama que de vez em quando tem que cantá-la e não gosta do fato de provavelmente ter ficado marcado por ela.

Gilberto Gil até hoje não sabe como conseguiu subir ao palco, na verdade ele não entende como as imagens dá época não mostram um fantasma ou um zumbi em cima do palco. Mas como? Numa apresentação de "Domingo no Parque" com Os Mutantes, estes com guitarra, contra-baixo e toda uma maneira "diferente" de se vestir.

Caetano e Gil acabam tratando da Tropicália, como eles, principalmente Veloso, buscam algo diferente, uma nova forma de buscar o que era de fora e trazer para a música nacional, só que misturando com coisas mais tradicionais e até mais regionais, trazendo nomes como Tom Zé, Os Mutantes, Rogério Duprat,... além de pessoas de outras áreas culturais, casos do teatro (Zé Celso), cinema (Gláuber Rocha) e artes plásticas (Hélio Oiticica). Uma possível boa introdução para quem entender o movimento - complementando com o filme "Tropicália", lançado este ano, dirigido por Marcelo Machado, e que eu ainda não assisti.

No meio disso, os mais "certinhos" foram tocar em São Paulo vestidos com smokings, exigência de alguns programas, e acabaram ficando no tempo do outro lado, mesmo tão novos quanto os outros. Chico Buarque foi o grande nome deste "outro lado", ainda que involuntariamente e permanecendo provocando a ditadura como com "Julinho da Adelaide".

Enfim, terminando por aqui até mesmo porque já estou partindo para as histórias paralelas. "Uma noite em 67" trata também de como foram produzidos os arranjos, alguns deles marcantes até hoje, das músicas apresentadas e como alguns nomes acabaram crescendo mais ao longo das décadas que outros. Um documentário essencial para quem gosta de entender a história da música brasileira.

A vencedora do Festival, "Ponteio", interpretada por Edu Lobo, 
Marília Medalha e o Grupo Momento 4

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