terça-feira, 2 de outubro de 2012

Intentando entender las visitadoras de Llosa

li muitas coisas em Espanhol, entre artigos e livros, conversei, estive em outros países da América do Sul e escrevi em espanhol algumas vezes - ainda que com ajuda de tradutores online ou do cada vez menos portunhol. Com a visita de uma colega francesa, mas com pai espanhol (do País Basco), e um novo quadro produzido na Argentina para o programa de rádio, acabei falando e escrevendo mais nestes últimos meses na língua dos países vizinhos. 

Quer dizer, já vinha fazendo isso porque optei por iniciar o aprendizado em Espanhol de forma "oficial". Primeiro, por motivos de trabalho. Por conta da maior proximidade e dos contatos estabelecidos, os pesquisadores da EPC têm maior proximidade com outros da Hispano-América que de países anglo-saxões, por exemplo. Além disso, tive experiências não muito agradáveis com colombianas e um casal argentino, em São Paulo e em Recife, no ano passado. Fiquei chateado por não conseguir conversar direito - por mais que sempre demos um jeito de nos entender razoavelmente. Por fim, sempre me irritou a "obrigação" de aprender inglês, ainda que mal possamos conversar com os nossos vecinos do lado.

Enfim, numa das visitas a esta amiga francesa me perguntou se já tinha lido algo de Mario Vargas Llosa, eu disse que não e ela me emprestou "Pantaleón y las visitadoras" (1973), ainda que não o tivesse lido. Aceitei de pronto. Como ela mesma me disse, serviria para aprimorar a língua, principalmente porque agora já posso identificar as formações gramaticais que vejo toda semana nas clases.

TÍTULO E LLOSA
Óbvio que sabia quem era Mário Vargas Llosa, vencedor do Nobel de Literatura em 2010 e que também já havia sido candidato a presidente no Peru na década de 1990. Além disso, conhecia um pouco sobre o seu posicionamento político-ideológico, creio que de centro-direita, por meio de alguns comentários de um ou outro pesquisador em redes sociais referente aos seus posicionamentos sobre a situação atual de "crise" na Europa. Basta ler um pouco o que dizem na Internet sobre ele e isso se confirma.

Honestamente, não acredito que só pessoas de "esquerda" possam escrever bons livros e/ou que pessoas de "direita" irão demonstrar a sociedade de acordo com o seu posicionamento político. Há toda uma questão de qualidade e capacidade intelectual para a produção artística/literária, que não vem marcada por uma ideologia específica, ou seja, que seja garantida por ela. Mais que um posicionamento pessoal, esta é uma reflexão de pesquisador. 

Dediquei-me a entender uma possível formulação de estudos estéticos num viés marxista, a partir do filósofo húngaro George Lukács, num projeto de iniciação científica no final da graduação. O que eu lia e analisava me mostrou que a Arte seria capaz de avançar sobre a realidade que nos é posta à vista, com a possibilidade real de desvelá-la, ir além no demonstrar a sociedade, com suas mais variadas contradições.

Só para citar um exemplo, de um autor que eu li alguns livros à época para confirmar as características que via em Lukács e até mesmo em comentários sobre opiniões literárias de Marx e Engels, o francês Honoré de Balzac estava longe de ser socialista, mas conseguiu com suas obras mostrar as contradições do capitalismo na primeira metade do século XIX - na verdade, ele desejava o regresso ao feudalismo, por ser de família aristocrática.

Quando peguei o livro, achei curiosa a capa, que abre este post. Não fazia ideia do que significavam "las visitadoras" e achava curioso que houvesse tantas mulheres no desenho da edição que eu peguei, de 1980. A contracapa dá uma ideia do que viria: "Pantaleón, estricto cumplido del deber que le ha sido asignado, termina, llevando el celo a sus últimas consecuencias,  por pulverizar el engrenaje que ha puesto en movimiento".

Ah, em 2000 foi lançado um filme baseado neste livros, mas que até eu pesquisar na Internet por imagens do livro eu ainda não tinha conhecimento.

LIVRO
Confesso que ao começar a ler "Pantaleón y las visitadoras" tive um susto com a forma que o texto foi escrito. Já na primeira parte, uma série de falas que misturam dois lugares diferentes em momentos diferentes. O agora capitão Pantaleón Pantoja está em casa sendo acordado pela mulher Pochita e tendo os cuidados de sua mãe, a senhora Leonor, ao mesmo tempo que sabemos que ele terá uma função importantíssima para o Exército peruano.

Esta maneira diferente de pôr em ação as personagens vai se transcorrer ao longo do livro, o que faz com que o "costume" de apresentação de narrativas de uma maneira mais linear possa até gerar estranheza em muitos momentos. Além dos diálogos, alguns dos quais até que seguem certa ordem, a história é contada através de cartas e documentos oficiais que são publicadas como se nosotros lectores tivéssemos com os papeis nas mãos, por mais "secretos" que fossem por se tratar de documentos de Forças Armadas.

Pantaleón e sua família são mandados a Iquitos numa missão ultra-secreta. Para a esposa e a mãe, dava orgulho em saber que ele estava envolvido em algo deste nível, em que nem elas poderiam saber; a parte ruim nisso tudo era que elas deveriam viver como "qualquer" moradora, sem poder conversar com as famílias de outros soldados e desfrutar dos privilégios de condições assim, em que se pode ter acesso a melhores produtos e casas que a população.

A V Região da Amazônia enfrentava dois problemas, sendo um deles o que o capitão deveria solucionar. As mulheres da região sofriam violência sexual, mas não era de nenhum grupo de criminosos "tradicionais", mas os próprios oficiais é que invadiam casas e retiravam as mulheres. A função de Pantaleón era criar um sistema para "atender" aos ímpetos sexuais dos oficiais, de forma que parassem de atacar a população.

Pantoja assim que chega em Iquitos sente na "pele" as transformações do clima mais tropical da região amazônica, aumentando seu apetite sexual com a mulher, louco por adiantar a produção de um novo capitão. Alguns diziam que poderia ser o clima amazônico a criar delírios nos homens, outros diziam que eram tipos de alimentos e bebidas típicos do lugar. Enfim, o capitão resolver experimentar todos, provando com a sua esposa o que dava certo ou não, de forma a poder proibir que os oficiais se alimentassem dessas coisas.

Além disso, ele resolveu entrar no ramo de las visitadoras y de las lavanderas, de maneira que ele criou o "Servicio de Visitadoras para Guarniciones, Puesto de Fronteras e Afines", que era um setor ligado ao Exército, com direito a avião e navio, para levar prostitutas para os mais recônditos lugares da amazônia peruana, de forma a atender, e descontar dos salários, os oficiais, que parariam de atacar os povoados.

Ao mesmo tempo que Llosa nos mostra através de correspondências e diálogos justapostos como o SVGPFA vai se constituindo, através de todo o primor e preciosismo matemático do oficial Pantoja, acompanhamos o crescimento de uma ordem religiosa popular. A Arca liderada pelo Hermano Francisco cada vez mais ganha espaço na região, arregimentando hermanos e hermanas que têm como característica de demonstração de "fé" a crucificação de animais e, em alguns casos controversos - em que não se sabe se as pessoas se "ofereceram" por serem hermanas ou se foram obrigadas a - matarem e crucificarem pessoas, dentre as quais uma criança que vira um novo mártir e uma senhora de idade, que vira santa.

Em meio ao sucesso do SVGPFA, a imprensa aparece através da Voz del Sinchi, que vai até a central deste arregimento para subornar Pantaleón, de forma a não falar mal dos serviços por ele organizados. Honesto, o capitão joga para fora o radialista e vê em sua irradiação contrária o início da queda e dos problemas conquistados por ele, inclusive a separação de Pochita, que sabe através da rádio o que ele realmente estava fazendo, partindo com a filha Gladicyta para a capital.

Vemos ao longo do livro que, na verdade, o capitão Pantaleón Pantoja é maníaco em cumprir com deveres. Ele mesmo diz, na companhia da visitadora apelidada de Brasileña, que ele sempre se dedica muito às atividades do Exército. Ele foi repassado para comandar a alimentação dos soldados e acabou se especializando em culinária; depois, ele era responsável pelo controle de roupas e chegou ao ponto de se preocupar tanto com isso, com novas ideias de vestimenta, que os outros soldados questionavam a heterossexualidade dele. 

Neste caso, somos brindados no livro com dados e mais dados sérios que provariam a necessidade do Serviço de Visitadoras e do seu máximo rendimento. Apesar de um serviço burocrata e matemático típico do Exército, todos e todas que trabalham com ele o adoram, porque o SVGPFA dá a tranquilidade que nenhum dos outros conseguiriam na forma que trabalhavam antes.

O livro segue nos mostrando vários problemas neste Serviço e na Arca de Hermano Francisco, causando um caos para as mais altas dirigências deste setor do Exército, que acabam pressionados, inclusive, pelos padres e bispos da Igreja Católica que se retiram dos serviços oficiais. No final, chegamos a uma situação limite, que acaba por misturar o SVGPFA e a Arca, que seguem depois cada qual para seu caminho derradeiro e de sua forma.

"Pantaleón y las visitadoras" demonstra o quanto os nossos "representantes" às vezes perdem tanto tempo e dinheiro com coisas inúteis, enquanto vários outros problemas sociais estão ali e nunca sequer são observados. Ainda assim, não coloco este livro na lista dos imprescindíveis e inesquecíveis, talvez a estranheza com a forma - e um término frio, ainda que com um último parágrafo engraçado -  tenha pesado muito.

REFERÊNCIA
LLOSA, Mario Vargas. Pantaleón y las Visitadoras. 10.ed. Barcelona: Seix Barral, 1980.

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