sexta-feira, 14 de setembro de 2012

"Parar só quando não puder carregar o violão"

A semana vem sendo bem "carregada", provavelmente uma grande concorrente para a pior semana de um dos piores anos. Ontem, decidi ir a Porto Alegre após o adiamento de uma reunião, não para necessariamente relaxar, mas para acompanhar "outro problema" surgido esta semana, que me preocupou mais que os zilhões de outros.

Resolvi dar uma olhada nas salas de cinema para criar uma "justificativa" e haviam dois filmes na Casa de Cultura Mário Quintana no horário que eu queria. A segunda opção foi claramente aceita. Um documentário sobre um espaço em Pelotas, aqui no Rio Grande do Sul, que de dia é um restaurante e à noite dá espaço aos sambas e aos choros.

Surpreendi-me primeiro que, apesar do horário, havia um público razoável na sala Eduardo Hirtz e tenho certeza que ninguém se arrependeu em passar todos os 71 minutos ali, parados - quer dizer, nem tanto - assistindo à produção da Moviola Filmes, uma produtora do interior do Estado - na Universidade Federal de Pelotas há há um curso de graduação em Cinema e Audiovisual.

Liberdade é um bar e restaurante nas proximidades do Centro de Pelotas, criado há quase 40 anos por dois jovens que resolveram entrar num negócio que deveria ser "para pessoas mais velhas". É a partir de Seu Dilermando Lopes, o dono, que começam os relatos de quem vive o Liberdade desde muito tempo. Sabemos as dificuldades e quem ajudou a formar o espaço que tem 90% de clientes colonos no horário do almoço e que tem suas noites ocupadas por samba e choro, ritmos musicais que só "retornaram" a partir do último século, até então "restritos" a pessoas com mais idade.

Depois dele, sucedem-se várias personagens, com destaque para os membros do Grupo de Avendano Júnior, cada qual explicando a sua relação com a música, com o seu instrumento e com aquele espaço. De pessoas que praticamente a vida inteira tocaram e cantaram ali a mais "novos" frequentadores, inclusive jovens músicos que aprenderam a tocar cavaquinho e violão de sete cordas, por exemplo, nas noites do Liberdade.

Roberval e seu estilo de cantar à lá Francisco Alves, que aprendeu a tocar cavaquinho enquanto canta por conta própria; Seu Nogueira e seus 89 anos que já não permitem mais participar das rodas de choro e tocar seu bumbo; Milton Alves (cuja frase dá título a este post) e seu violão de sete cordas comprado do Rio de Janeiro após uma rifa; Soninha e seu agradecimento ao pai que ensinou os filhos o prazer de cantar mesmo com a reprovação da mãe; e tantos outros músicos que dividem/dividiram aquele espaço à noite.

O filme vai além e conta também a história do casal de senhores, na casa dos 70 anos, que dançam juntos há menos de cinco, Dona Terezinha e seu Wilson. Dona Terezinha, mais falante, destaca que antes do novo companheiro já tinha até desaprendido a dançar; porém, nada de uma moça mais nova pedir para dançar com ele, afinal "nenhuma outra dançará com o Wilson enquanto ela estiver viva". Além do resgate da maneira de dançar mais antiga de Jarbas, filósofo que pesquisa música e que vai para além do "miudinho", num samba mais livre e tradicional, o que ele chama de "capoeiragem".

Porém, ver "O Liberdade" é ficar impressionado com Avendano Júnior. O cavaquinista, que faleceu em junho deste ano, nunca saiu de Pelotas, mas é reconhecido como um dos principais instrumentistas de choro do país, com forte referência de Waldir Azevedo, cuja esposa deu um dos últimos cavaquinhos, porque Avendano era a única pessoa a tocar parecido com ele, com solos e ousados e muito comuns - bastando o cantor respirar para ele arriscar.


São as músicas compostas por Avendano que perfazem a maioria das que tocam durante o documentário, inclusive por nomes com Yamandu Costa, que destaca a sua diferença para ele. Também gaúcho, um dos melhores violonistas do país viajou ao mundo, mas disse que teria sido importante ter fincado num lugar. Avendano diz no filme que nunca foi vontade sua ser astro da música, porque ele toca só por prazer, por se sentir bem. 

No final do vídeo acima, ele explica como aprendeu a tocar ouvindo os discos até aprender a tocar a música, antes de ter a capacidade de criar sua próprias melodias. Mesmo não tendo a capacidade de anotar em partituras, precisando gravar para lembrar depois, a capacidade de composição é incrível, algo destacado no audiovisual por um pianista profissional com graduação e Mestrado em Música. O pessoal sabe que uma nota não iria bem com outra só por escutar, pela prática.

O documentário acaba com um churrasco na casa da viúva de um violonista que adaptou o seu instrumento para ter sete cordas, com cara de bravo, mas que tocava muito bem. Enquanto os letreiros desciam com o choro continuando a tocar ninguém saiu da sala de cinema, algo que poucos conseguem fazer - ao final vem a dedicatória a Avendano Júnior, falecido em 2012. Um audiovisual que merecia um espaço maior para ser exibido, para que as pessoas pudessem mais que ficar sentadas balançando as pernas com choros e sambas, conhecidos ou não.

DOC
Dirigido por Rafael Andreazza e Cíntia Lainge, "O Liberdade" foi lançado em 06 de outubro do ano passado, no Theatro Guarany, em Pelotas, para um público de 1.400 pessoas, algumas das quais ficaram em pé, enquanto que outras 500 ficaram do lado de fora.

Bancado com R$ 23 mil de um fundo de incentivo da Prefeitura Municipal de Pelotas (Procultura), "O Liberdade já ganhou três prêmios: Melhor Documentário do Mercosul (júri oficial do 16º Festival de Audiovisual do Mercosul); Melhor Documentário pelo Voto do Público (I Conexão Vivo Movida - João Pessoa); e Melhor Documentário pelo Voto do Público (I Conexão Vivo Movida - Goiânia). Em setembro, foi anunciado que ele foi um dos 35 documentários selecionados, de 34 países, para a 14º Muestra Internacional Documental, que ocorrerá em Bogotá, Colômbia, em novembro deste ano.

Para quem é de Porto Alegre e região metropolitana, "O Liberdade" segue em cartaz por mais uma semana na sala Eduardo Hirtz da Casa de Cultura Mário Quintana. A sessão saiu das 17h10 e foi para às 18h20. Mais informações: http://www.ccmq.com.br/2012/09/o-liberdade/#more-11861.


Um comentário:

  1. I absolutely love your blog and find a lot of your post's to be precisely what I'm looking for. Would you offer guest writers to write content for yourself? I wouldn't mind composing a post or elaborating on a lot of the subjects you write regarding here. Again, awesome blog!

    ResponderExcluir