sexta-feira, 2 de maio de 2014

[Por Trás do Gol - Comentários] Machismo da Placar?

Quando vi a Revista Placar de abril chegou em casa, acabei deixando-a um pouco de lado, já que estava num turbilhão de atividades. Depois, li as chamadas de capa, cuja foto fugia das tentativas recentes de aplicar efeitos gráficos ou com aquelas poses tradicionais de jogadores, até por tratar-se de um ex-jogador nela. Li todas as matérias, inclusive a entrevista com quem estava na capa - a qual senti falta de uma pergunta em específica, a qual voltarei mais tarde.

Semanas depois, li um comentário sobre a opção da revista em realizar a matéria e colocar o tal ex-jogador na capa. O texto é de Fabiana Moraes, publicado no Blogueiras Feministas. Dentre outras coisas, ela diz:

Meu primeiro sentimento ao ver a capa da revista Placar, que traz uma enorme foto do rosto do ex-goleiro Bruno, condenado pela morte de Eliza Samudio, foi de espanto.“Não acredito”, pensei.

Essa sensação durou pouco. Na verdade, essa capa não é absurda, não deveria ter me causado tanta surpresa. Ela é na verdade a confirmação de uma situação, é uma peça-símbolo do tipo de visibilidade que se concede aos homens e mulheres desse País, no qual uma pesquisa equivocada parece ter diminuído a gravidade do fato de mulheres com saias curtas “estarem pedindo” para serem molestadas sexualmente.

A capa da Placar com Bruno faz parte da normalidade de um País no qual quase metade dos homicídios de mulheres são cometidos por pessoas próximas, geralmente marido, namorado, amigo, filho, pai. A outra metade das mortes não é suficientemente estudada, como se a violência contra o gênero feminino fosse mais grave somente quando recebe o carimbo da “violência doméstica”.



O argumento principal é o reflexo de como os meios de comunicação no Brasil tratam homens e mulheres de maneira desigual, o que não discordei e não discordo. Apesar disso, não vi com estranheza, assim como não tinha visto no primeiro momento, a presença dele na capa. Da mesma forma que achava exagerado afirmar que esta revista, apesar de ser da editora Abril, costuma ser sensacionalista.



  • Anderson Santos A Placar teve seus bons momentos de jornalismo esportivo investigativo, especialmente nos anos 1980 e vejo nos últimos nos uma tentativa de voltar a tocar em pontos importantes, como foi de uma edição recente sobre o caso de meninos que chegavam a ser estuprados em projetos/escolinhas de empresários no país... que não foi capa.
  • Anderson Santos Sobre a matéria com o Bruno, não acho absurda por ter um factual em torno, que foi o contrato do Montes Claros-MG com ele, além da própria lógica mercadológica/de espetáculo do mercado, por se tratar de alguém que de tão disputado para entrevistas, chegou a vender uma para uma emissora estrangeira...
  • Anderson Santos Ser capa é altamente discutível, isso sim, mais ainda com o apelo da citação entre aspas e de toda a construção realizada, colocando a "morte de Eliza Samudio" - não o que poderia ser descrito como "assassinato brutal e com cenas de terror" - num mesmo peso da "vida fora do cárcere" e do "sonho" de cumprir um contrato. Além disso, o repórter não tratou da infeliz declaração dele meses antes do caso, afirmando aos jornalistas através de uma pergunta de "quem nunca deu um tapa numa mulher", mostrando como ele pensava a relação com uma mulher.


  • Mas sou leitor de Placar desde a década de 1990 e, tirando dois que eu estava fora de Maceió, recebo todo mês a revista desde 2002. Cheguei nela por conta do Guia do Brasileirão, primeira edição adquirida em 1995 e passei a gostar bastante dela especialmente por conta do (saudoso) "Tabelão". A segunda metade daquela década foi a do apelo maior, com o lema "Futebol, SEXO e rock'n'roll" e posteres com jogadores de um lado e uma modelo do outro. O futebol feminino até aparecia, mas graças à presença da modelo Suzana Werner - então namorada de "Ronaldinho" -, que atuou em alguns clubes, como o Fluminense, naquele período.

    Até por conta da minha pesquisa, tive contato com edições das décadas de 1970 e 1980, quando outros esportes também tinham seu espaço na revista e e o jornalismo investigativo também era visto por ela. Grandes nomes como o de Juca Kfouri, respeitado até hoje, eram responsáveis pela revista, dando a marca de criticidade a ela.

    O tempo passou e apesar de não ter concorrentes de peso, a revista vive tentando reencontrar sua fase mais áurea. Ah, os concorrentes que apareceram, como versões de revista ESPN, a L+ (Lance) e até da Four Four Two em versão nacional, ficaram pelo meio do caminho pelo mesmo motivo da irregularidade da Placar: a dificuldade em se manter como veículo impresso no país. Mas esse é tema para outro momento e espaço.

    BRUNO NA CAPA
    Talvez até por conta das reviravoltas do caso Daniel Alves e da campanha #somostodosmacacos, a minha time-line, geralmente crítica, não comentou o assunto, com um aparecimento até este momento. Apesar disso, o tema foi alvo de protestos em espaços feministas. Li também alguns textos, poucos, sobre o assunto em sites mais à esquerda, se assim podemos chamar.


    Numa resposta genial, Cynthia Beltrão e Rosiane Pacheco idealizaram e realizaram a capa acima, com aspas "Eu queria ter visto meu filho crescer" e com demais manchetes sobre o caso. A opinião delas, publicada no site da Fórum, é a seguinte: 

    “Se houvesse dignidade, igualdade e humanidade na Justiça, nenhuma mulher teria sido dada como comida aos cachorros. E a nenhuma mãe seria negado o sagrado direito de enterrar sua filha. A revista Placar, paga não sei com que dinheiro mais imundo, estampa o goleiro Bruno, julgado culpado pela morte de Eliza Samudio, como um coitado, privado de trabalhar. Ele pede direitos que ele negou à Eliza”.


    Quando eu li a entrevista, não a achei nada demais. Mesmo para algo exclusivo, havia poucas informações que chamassem a minha atenção - talvez porque o policialesco não seja do meu interesse. Enquanto jornalista, um ponto que faltou foi perguntar sobre um "antecedente" problemático, o qual todos se lembraram quando começou a ser noticiado o desaparecimento de Eliza Samúdio. Numa entrevista, poucos meses antes disso, quando foi noticiado problemas de Adriano com uma namorada, ele perguntou aos jornalistas: "Quem nunca deu uns tapas na mulher?".

    Algo que, naquele momento, provocou reações, ainda que bem contidas, dos jornalistas presentes e algum debate sobre o problema daquela declaração que naturalizava a violência contra as mulheres. Com aquela declaração na memória, não foi difícil imaginar o que ele poderia fazer com alguém que ão era "oficialmente" sua esposa e estaria exigindo dinheiro dele. Num universo em que os jogadores têm pouco acesso e demonstração de construção cultural, com muitos e diversos tipos de assessores, para pequenos ou grandes problemas, que em nada justifica atos criminosos ou brutais, que também aparecem no noticiário.

    Além disso, é bem provável que se ele não fosse uma "pessoa pública", as investigações e o julgamento dos envolvidos não tivesse seguido um ritmo rápido em comparação aos milhares de casos do cotidiano nacional. Assim como, o pedido de afrouxamento da sua condição de preso já pudesse ter sido aceito.

    De qualquer forma, repito não ser estranho fazer uma entrevista com ele. Especialmente porque há um factual ligado ao tema, que é a sua contratação por um time mineiro assim que consiga a autorização da justiça para isso. Além do apelo típico dos meios de comunicação, ainda que sob uma vertente profissional diferente da Placar - mais apelativa e realmente sensacionalista -, para tratar o tema, com direito a chamadas do tipo "veja o que ele falou sobre a vida na prisão" e besteiras para manter a audiência. Volto a dizer, este não é o perfil da revista. Talvez nunca tenha sido.

    Sobre a presença na capa, a exclusividade dá alguns pontos. Além disso, pelo que parece - e a edição de maio, com um gritante "VAI TER COPA!" na capa, outra polêmica, deve sugerir -, há o interesse em produzir capas nacionais, em vez das regionais para SP, RJ, MG e RS, como costumava ser. Porém, será que este tema mereceria esta abrangência? Valeria a pena o destaque?

    Por fim, a construção da manchete com as aspas apelativas "Me deixem jogar" e tudo que já comentei antes na mídia social não seria uma forma de suavizar o suposto crime cujos adjetivos para a sua constituição são difíceis de aparecer, dado o horror do que se imagina que tenha ocorrido?

    Claro que a revista poderia pegar várias relações no tema e aprofundá-lo até mesmo sob a perspectiva do estrelato e do possível "poder fazer o que quiser" que a riqueza e as proteções podem gerar na mente de um jogador de futebol em atividade. Além de tantos outros vieses. A Placar optou apenas pela entrevista que, após ser negociada com os advogados, deve ter sido de graça e, provavelmente, ter atendido algumas condições que só a equipe pode dizer.

    Confesso que este foi um dos temais mais complicados para escrever e sobre o qual fincar uma posição, pois tem relação com várias coisas. Podem tirar suas conclusões e, se possível colocá-las abaixo.

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