quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

MST e Veja: o eterno alvo



Chega a ser contraditória a posição dos meios de comunicação quando o assunto é o protesto social. Na maioria das vezes, os portadores de canetas e microfones pedem que a sociedade reclame de forma oficial, sem grandes manifestações. Porém, em alguns poucos casos, como o do DEMsalão em Brasília – onde há imagens quase comprobatórias-, mesmo a ocupação da Câmara Distrital foi aceita com tranqüilidade, algo até justificável.

Dentro dessa relação entre movimentos sociais e mídia, o maior movimento da América Latina, o Movimento dos trabalhadores rurais Sem-Terra (MST) nunca teve vida fácil. Aqui em Alagoas, por exemplo, o Governo do Estado, do PSDB, chegou a ser cobrado pelo apoio às Feiras Camponesas realizadas com frequência ao longo do ano como forma de mostrar à sociedade o que vem sendo produzido com a reforma agrária.

A maior revista de circulação nacional, a revista Veja (grupo Abril) sempre entendeu o movimento como algo partidário, cujos interesses pessoais prevaleciam, e voltado à baderna. Numa rápida pesquisa realizada através do site da revista foram encontradas 31.144 citações da sigla MST ao longo dos mais de 40 anos da publicação. Desde matérias sobre o movimento a reportagens sobre religiões neopentecostais ou sobre “fazendeiros fantasmas”. Como matéria principal, foram apenas cinco capas.

Mas não me lembro de nada parecido com o que foi colocado na edição de nº 2134, do dia 14 de outubro deste ano.

Apesar de a matéria de capa trazer o lindo rosto de um bebê branco de olhos azuis – tão comum no Brasil, não é mesmo? -, o editorial da revista foi sobre o MST, após a ação nas fazendas de laranja da Cutrale. Na capa, no alto da página, estava um homem com chapéu e lenço vermelho no rosto, no melhor estilo bandido de Velho-Oeste dos filmes estadunidenses. O título era: “MST: Até quando os crimes da quadrilha [sic] ficarão impunes?”.


EDITORIAL

A “Carta ao Leitor” “MST: até quando?” não chega a sequer ser pueril quando logo em seu início divide os brasileiros em apenas dois tipos: os bons, “que vivem sob o império da lei e que têm de responder à Justiça caso cometam crimes”; e os maus, “integrantes do bando armado conhecido como Movimento dos Sem-Terra” (p. 12).

Até parece que o Brasil é um exemplo de justiça, com todos os tipos de criminosos, “com exceção do MST”, indo para a cadeia.

Realmente estamos num país onde nunca existiu crimes de colarinho branco; em que nunca vimos um presidente do Senado cometendo vários crimes e sequer ser afastado da presidência, quiçá julgado; em que deputados estaduais desviam quase R$ 300 milhões de reais de um dos Estados mais pobres do país e dois anos depois todos foram julgados; em que roubam dinheiro para merenda de crianças e os presos não reclamam das algemas e anos depois o processo não estacionou.

Senhores, a Veja fez uma grande descoberta, algo que necessitaria milhões de anos para que os antropólogos e sociólogos chegassem a tal conclusão, o Brasil só está tão mal, com deficiência na saúde, educação, segurança, habitação,... por causa do MST. Pois é, “para o Brasil, ele [o prejuízo] está sendo incalculável” (p. 12).

Só os integrantes do movimento mataram outras pessoas ao longo de tantos anos de existência. Nunca nenhum trabalhador rural morreu ou levou tiros e sofreu ameaças de jagunços de latifundiários. Estes bons senhores [sic] que garantem os milhões de reais para equilibrar a nossa balança financeira, que nunca atingiram o meio ambiente de forma danosa, nem mesmo com as suas pobres vaquinhas em seus míseros pastos.

Confesso que não conheço a liderança do MST e por isso não posso afirmar como é a relação de comando existente, mas afirmações como: “Sua arma [do MST] é o terror dos fazendeiros” (p. 12) é inverter a relação do sofredor com quem lhe imprime o sofrimento.

Mas o que esperar de uma revista de posicionamento tão à direita, que põe sua opinião de forma tão clara que o seu editorial admite o que vimos em nossa pesquisa rápida no site: “O MST, como já mostrou VEJA em diversas reportagens, é comandado por agitadores profissionais” (grifos nossos)? O que esperar?

PESQUISA

Observe os títulos sobre o Movimento encontrados em outras oito edições da revista:

“A esquerda com raiva” – 03/06/98

“Impunidade: o MST agora mata e quer proteção do Estado” – 04/03/2000

“A tática da baderna” – 10/05/2000

“MST: o futuro do Movimento” – 20/09/2000

“A esquerda delirante” – 18/06/2003

“Os PTBulls” – 14/06/2006

“MST: 25 anos de crime e impunidade” – 28/01/09

“Abrimos o cofre do MST” – 02/09/09

O único título que não daria para pensar de forma negativa, ao menos de início, é sobre o “Futuro do movimento” e, mesmo assim, a matéria traz uma crítica à forma de reforma agrária pretendida pelo MST e realizada aqui no Brasil. E olhe que ainda estávamos sob um governo declaradamente neoliberal.

Dentre as 31.144 palavras do movimento encontradas – até o dia 18 de dezembro -, os dez textos que apareceram na tela são de um de seus colunistas, Reinaldo Azevedo, que, pelo jeito, é o responsável em achincalhar o MST, com matérias com títulos como “Vandalismo no campo: o MST é a nossa Al Qaeda” (08/10) ou “O MST e o terrorismo oficializado” (05/11).

Assim como já fez em fotos de Hugo Chávez e Che Guevara, de forma a depreciá-los de alguma forma, observe as capas das matérias abaixo e chegue às suas próprias conclusões se há em algum momento preocupação do meio em usar a tão propalada imparcialidade:




CONTINUA NO POST ABAIXO...



Nenhum comentário:

Postar um comentário