terça-feira, 11 de agosto de 2009

Uma nova magia

Após críticas de um colega ligado à cultura em relação aos aficcionados pelo futebol, coincidentemente, assisti a duas pessoas num mesmo final de semana e comentarei sobre ela por aqui. Provocações à parte, é bom que se explique que já havia planejado assistí-las antes.

Com uma peça na sexta e outra no sábado, a Cia. Ganymedes mostrou em Alagoas um projeto inédito, o "Repertório" desta nova companhia de teatro alagoana. No primeiro dia, a peça "O Mágico" - baseada na obra Mário e o Mágico, de Thomas Mann -, a qual já havia assistido outras duas vezes em dois locais diferentes. No segundo dia, a mais recente encenação da companhia, "Os Muitos Últimos Dias", que revela o mundo de uma clínica de "tratamento" psiquiátrico.

MAS o assunto deste post é "O Mágico", peça que havia assistido duas vezes em 2007, no Teatro Jofre Soares e, no ainda em interminável reforma, Teatro Deodoro. Quatro personagens bastante conhecidos - o mágico Cipolla (Nilton Rezende), José (Igor Vasconcelos), Dona Cláudia (Simone Maria) e o marido de Dona Cláudia (Igor de Araújo) - e um enredo que, ao menos eu esperava, conhecia todos os detalhes. Assim, não acreditava em algo que me surpreendesse.

Pórém, uma nova magia apareceu nesta nova encenação, algo que marcou o seu início e o seu fim. Nada como o teatro, algo que permite que vejamos o mesmo de novo sempre de uma forma diferente, porque tanto quem a faz como por quem a assiste são pessoas também "diferentes", com novas influências. Como colocado na descrição da peça no site do grupo:

"Em nossa adaptação, na busca da condensação necessária para a tradução dramática, fundimos personagens, mas tentamos manter a natureza alegórica do original de Mann, buscando resultar em um espetáculo polissêmico, uma vez que é característico da alegoria o poder ser lida de diversos modos: uma alegoria não é enigmática, pois é característico dela o estar ao alcance de muitos — pode ser vista em sua superfície, em sua fábula; pode ser escarafunchada, caso esteja sendo lida por um leitor com escafandro. Sua interpretação depende do arsenal do leitor."

Desde a sua primeira encenação, o destaque é a representação de um show de magia. O fato de o público da apresentação de Cipolla ser tratado como que refletido no público real sempre traz aquela sensação de "será que ele está falando comigo?"

E no dia 07, um novo motivo apareceu para maximizar o "medo" das pessoas em participar do espetáculo. Afinal, são poucos os que realmente desejam ir para o centro de um palco, talvez pelo receio de virar motivo de risadas ao invés de aplausos.

O PÚBLICO de Cipolla representa a sociedade: o deboche de Dona Cláudia, o machismo do seu marido e a coragem em defender "a moral e os bons costumes" de um José que se mostrará traiçoeiro. Sérá que já não vimos determinadas cenas antes?

E o que falar sobre o protagonista, esta representação humana do total controle sobre as demais pessoas? Representação de como manipular outros iguais pode ser tão fácil (e tão trágico). O baile bizarro do esposo de D. Cláudia é a melhor prova disso. Quantos são os que bailam diariamente conforme o que se diz na mágica televisão?

Uma das melhores cenas, em nossa opinião, é o controle que Cipolla exerce sobre D. Cláudia. Em seu jeito sarcástico de ser, finge não saber escrever para não ajudar o mágico. É a deixa para que ele recite, com indignação, uma forte crítica "a uma sociedade tão boa, com pessoas tão distantes, que jamais poderia ter pessoas que não soubessem escrever".

Bem que esta sociedade poderia ser a alagoana, mas também poderia ser tantas outras do mundo. E esse reconhecimento é o que mostra as gritantes relações sociais que o homem desenvolveu ao longo do tempo. Afinal, o livro que foi adaptado para esta peça, Mário e o mágico, foi escrito por Thomas Mann em 1930, há 80 anos atrás!

Naquela época, facismo e nazismo já se mostravam como uma opressão que surgiu como resultado da opressão a dois povos do mundo no pós-guerra. Povos estes sedentos por um auto-reconhecimento e pela demonstração de que poderiam ser melhor que os outros. E hoje, será que governos assim só poderiam ser exemplificados em ditaduras mostradas diariamente (China, Coréia do Norte ou Cuba)?

Assim, a peça se baseia num livro que

"[...] lança uma espécie de manifesto contra nossa possível mornidão frente ao que nos rodeia: injustiças de toda monta, política insidiosa, totalitarismos vários — camuflados ou não.
"Um trecho de Mario e o mágico bem ilustra isso: 'É verdade, a alma não pode viver de não querer. Não querer fazer alguma coisa é insuficiente para preencher uma vida. Não querer alguma coisa está bem próximo de não querer mais nada, e, logo, de fazer assim mesmo o que uma outra vontade impõe'".

Sinal que se o homem conseguiu evoluir como nunca antes neste período, com direito à viagem à Lua e à descrição do Genoma da espécie, parece que em outras coisas o retrocesso é cada vez maior. A desigualdade ainda impera numa sociedade em que bilhões precisam fazer mágica para poder sobreviver, mesmo que sem moral alguma. Até quando? É uma pergunta que muitos se fazem, junto com o como mudar.

Mais informações sobre esta peça, visite o blog criado sobre ela pela Cia. Ganymedes: http://ciaganymedes-omagico.blogspot.com/

*Ah, sobre a nova magia da peça, pensem na mais simples delas, quer dizer, na que os mágicos aprendem primeiro.


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