segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

[Por Trás do Gol] "O que faz dele um não-torcedor?"

Vivendo no Rio Grande do Sul é muito comum conhecer torcedores da dupla Gre-Nal e ver que a rivalidade parece ser até maior que outras duplas e quartetos Brasil a fora. Mas também acabei conhecendo pessoas que ou deixaram de torcer para um dos dois ou que evitam ir a estádios ou demonstrar a paixão pelo time. A justificativa seria a violência, física ou emocional, que se pode sofrer.

Ontem acabei encontrando uma pessoa que disse que não gostava tanto de futebol por conta da violência. Horas depois, chego em caso e vejo a seguinte notícia num site alagoano: "Torcida organizada ameaça jogadores do CSA após empate". A primeira reação foi afirmar que pessoas que, após um empate na primeira rodada do campeonato, ameaçam dar tiros nos jogadores não poderiam ser chamados de torcedores.

Em primeiro lugar, futebol é uma expressão sociocultural muito mais ampla que muitxs imaginam. Confesso que detesto quando as pessoas aproveitam de casos assim - ou piores - para dizer coisas do tipo "por isso que não gosto desse esporte", como se o futebol predominantemente fosse só isso, quando não é. A questão da violência concentrada nos 90 minutos de jogo, ou a partir dele, revela questões sociais muito mais interessantes de serem observadas.

Enfim, após isso, um dos amigos no Facebook resolveu me provocar com a pergunta que dá titulo a este post: "o que faz dele um não-torcedor?". Conhecendo a pessoa, sabia que a discussão aberta pela pergunta geraria uma série de outros comentários, felizmente respondidos e debatidos com outros torcedores azulinos da minha rede social.

Afinal, torcida organizada é necessário? O futebol conviveria sem ter pessoas gritando o tempo todo e viajando para acompanhar o time? Mas o futebol também viveria sem ameaças e práticas de violência entre indivíduos que fazem parte, ou dizem fazer, desses grupos sociais?

PROBLEMAS
Óbvio que, como já dito, uma atitude como essa não ajuda nada ao clube. Primeiro jogo do ano, time realmente com baixo rendimento - como eu comentei no post sobre o Alagoano e como o próprio técnico comentou após a partida -, e na hora do jantar, os trabalhadores reunidos antes de chegar em Maceió, e recebem uma pressão desse tamanho. Extintor de incêndio jogado no restaurante e neles, pressão num prata-da-casa e ameaça de dar pancadas ou tiros caso o time não resolvesse jogar melhor...

Um amigo comentou um problema específico desta torcida, que grita "Uh, a Mancha é rei" após os gols da partida. Ou seja, nenhum vínculo com o clube que deveria ser o foco e fator da felicidade geral da nação azulina.

Além disso, com a convivência com pessoas que ficavam próximos desta torcida, apesar de não serem filiados, soube que muitos torcedores que vão para os estádios na parte da organizada não são filiados e, o principal, geralmente trocam de torcida e, consequentemente, de clube, por conta de amigos próximos a esta outra torcida ou por um momento.

Isso me fez lembrar um episódio do "Caminhos da Reportagem", da TV Brasil, que se dedicou a desvendar as torcidas organizadas. Para mim, é a melhor referência jornalística produzida sobre o assunto, tanto por pegar os problemas, alguns dos quais públicos sobre o assunto, mas também as benesses produzidas pelas organizadas.

Como este trecho é dedicado aos problemas, para mim o mais grave, e o que responde com um "sim, isso não é torcedor", é saber que alguns indivíduos colocam a torcida à frente do clube. Ou seja, defendem e atacam, brigam com grupos rivais, mas por conta da ligação entre os torcedores. Não tem nada a ver com o futebol dizer que sente prazer em bater ou matar um torcedor rival. 

Análises sociológicas e até antropológicas deveriam tratar disso. Afinal, como é assimilada e constituída a violência nesses grupos sociais? Seria, ainda mais no caso brasileiro, reflexo de uma sociedade que reprime qualquer manifestação social e, principalmente, com a violência sendo cada vez mais cotidiana? - inclusive, e muito, a policial, que poucos aparecem em matérias sobre as organizadas, mas quem vai com frequência a setores populares de estádios conhece muito bem.

BENESSES
Não sou do tipo que fica o tempo inteiro gritando, pulando e empurrando o time, portanto, sei muito bem a importância de ter outros ali para fazer isso nos estádios - desde que não repreendam que tem outras formas de torcer, algo que pode acontecer também. Ao mesmo tempo, e isso vale muito para o caso do CSA e de tantos outros clubes, as diretorias dos clubes alimentam estas torcidas dando apoio financeiro para viagens e até mesmo ingressos.

No caso azulino, não sou eu que falo por falar, mas a própria nota da direção do clube sobre o caso já admite tal prática:

"A torcida Mancha Azul sempre teve o apoio do clube e de seus dirigentes, mas este tipo de transgressão não será aceito nas hostes azulinas".

Além disso, como basta ver no programa já citado, há vários projetos sociais ligados a algumas torcidas organizadas. A Gaviões da Fiel, que existe desde a década de 1960, é uma das que é famosa por apoiar o time, de forma incondicional, mas que desenvolve vários projetos sociais, como doação de sangue, ensino de informática. Além das escolas de samba de São Paulo, que este ano contará com a participação de organizadas do trio de ferro paulistano pela primeira vez - por mais que tenha ocorrido aquilo no ano passado.

Tratar como polícia, Ministério Público (sempre aparecem promotores que dizem que acabar com as organizadas acabará com a violência, de forma automática - e os policiais?) e até mesmo a imprensa o faz é maquiar que vivemos numa sociedade que, volto a dizer, qualquer aglomeração social, que sirva também para protesto ou exigências diretas, não deveria ocorrer.

Aí entramos noutro ponto.

O QUE HÁ?
Quantas vezes lemos, vemos e ouvimos grandes reportagens que tentem entender o que ocorre nas organizadas de verdade? Afinal de contas, violência sempre aparece ligada a elas e disso nós já sabemos há muito tempo. Mas tentar entender o porque isso ocorre e se é que realmente ocorre com filiados às torcidas seria mais importante. Claro que no caso do CSA foram os diretores da agremiação que fizeram as ameaças, mas ainda assim poderia gerar uma análise mais profunda sobre ela e tantas outras coisas, como a parceria realizada entre clubes do país inteiro, a ponto de no jogo do CSA ter uma bandeira da organizada do Santa Cruz.

Por conta das minhas pesquisas sobre futebol, conheci a história das primeiras torcidas organizadas no Brasil, que não vou colocar as citações por motivo de não aumentar ainda mais este textos. Mas elas surgem na década de 1940 após todo o processo em prol da profissionalização do futebol enquanto elementos bancados pelas diretorias (elitistas) de clubes.

Isso me lembra que talvez essa coisa de as diretorias bancarem organizadas esteja ligada a esse início. Algo como permitir que esses grupos existam, mas desde que respeitem a "hierarquia" do time, não pressionando os diretores do mesmo. Algo que de si já é inadmissível.

Só na década de 1960 é que passam a surgir as organizadas por fora das diretorias, caso da Gaviões, inclusive como uma forma de se apresentar como um elemento contestador àquele terrível momento do país. Era uma forma de, findadas as organizações político-partidárias e estudantis e a luta contra as guerrilhas, manter um elemento contra hegemônico funcionando. Afinal, como provaria a Copa de 1970, o futebol desperta muito mais coisas que o simples apito do árbitro no início da partida pode indicar.

Temos ainda, pelo mundo, o caso da torcida do Al Ahly - que enfrentou o Corinthians na semifinal do Mundial de Clubes do ano passado. Os "ultras" do clube participaram e participam diretamente dos protestos contra o antigo regime e o atual, de suposta transição. A "tragédia de Port Said" teria representado, na verdade, uma tentativa de assassinato dos detentores do poder no Egito como uma forma de parar a manifestação social puxada pelas organizadas do clube e de seu rival da cidade, que se uniram por motivos políticos.

Claro que pode haver alguém a questionar o nível de consciência deles com os nossos, mas aí, mais uma vez, entra numa questão de quase condicionamento social que o brasileiro vive que um problema intrínseco das organizadas ou, principalmente, do futebol.

Casos como o da Mancha Azul no sábado demonstram que há muita coisa que precisa ser resgatada para além da criminalização direta e o decreto de que as torcidas organizadas não deveriam existir. Atos de violência precisam ser condenados? Geralmente sim. Mas o que dizer de policiais que batem em torcedores? Aqui no Rio Grande do Sul, um brigadiano tratou mal um filho de um colega, que estava sem farda ao entrar no Olímpico! Disso ninguém trata também já que isso também poderia gerar discussões sobre a preparação do elemento coercitivo no Brasil, que retira pessoas à força de suas casas para que um evento privado exista ou, no caso gaúcho, bate em quem estiver pela frente, inclusive jornalistas em seu exercício de trabalho, para que o mascote de plástico bancado por uma multinacional não "morra".

Por favor, tratemos o futebol com maior amplitude, quer dizer, não só o futebol, tratemos das contradições deste modo de produção de forma real! Não podemos acreditar num condicionamento social que nos faz pensar que ou tudo é bom ou tudo é ruim. O próprio futebol, com suas vitórias e derrotas rotineiras, com a temporada seguinte permitindo o resgate de quem foi mal no ano anterior, já serve de prova de que temos que olhar cotidianamente e com cuidado para os movimentos que se dão às nossas vistas.

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