terça-feira, 10 de maio de 2011

Vamos comparar os danos?

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Como os leitores podem perceber, não tive muito tempo para falar de outras coisas neste blog a  não ser das experiências de um imigrante intelectual nordestino. Mas hoje uma coisa de Alagoas, quer dizer, uma matéria de algo de lá me chamou bastante atenção - e todos que conhecem a minha trajetória, inclusive no âmbito comunicacional, saberão o porquê.

Recebi um tuíte do portal Gazetaweb com o seguinte título: "Manifestantes derrubam cerca, atiram bombas e suspendem sessão na ALE". É claro que fui ler a matéria sobre o assunto. Esta descreve que servidores públicos estaduais, através de suas respectivas entidades representativas, realizaram uma manifestação contra a retirada do veto do governador sobre o aumento do salário dos deputados estaduais em 109% - seguindo efeito-cascata do aumento em nível federal -, enquanto isso, os servidores, após anos sem aumento, receberam na casa de 5,9%.

Além da diferença de 5,9 para 109, olhemos para os salários de um servidor público, que no máximo chegará a um milhar, para a de deputados, que têm duas dezenas de milhar. Se o Governo não tem dinheiro para aumentar as despesas com saúde, educação e saneamento básico, num dos Estados mais pobres do país; e sequer de dar salários dignos a quem trabalha com isso, porque o dos deputados pode seguir um aumento federal cuja realidade é bem diferente da de Alagoas. Correção: em meio a cortes no Orçamento de início de Governo Dilma em áreas importantes como a educação, eles criaram um grande aumento e que gerou um efeito-cascata de gastos para outros poderes em várias instâncias.

Ah, não podemos esquecer que alguns desses deputados estão indiciados pela Operação Taturana, por desvios de recursos, através de empréstimos bancários conseguidos à época com o Banco Bradesco, - que controlava os recursos da Casa - de cerca de R$ 300 milhões. Pense um desvio desses em cerca de duas legislaturas e ainda num dos Estados mais pobres do país.
Vamos à matéria...

Além do problema no título, de criminalização dos movimentos sociais, temos outros na contrução do texto, apesar de eu concordar que a sua versão completa está um pouco menos ruim que a parcial.- os dois primeiros parágrafos. 

Vejamos o começo do texto: "Centenas de manifestantes, confusão, bombas. Este foi o cenário registrado no final da tarde desta terça-feira (10), à porta da Assembleia Legislativa de Alagoas". Depois disso o primeiro parágrafo traz outro "prejuízo", a interrupção da sessão da Assembleia, para só no final explicar o motivo do protesto.

A partir daí ocorre uma descrição dos fatos: correira dos PMs para evitar que as portas fossem derrubadas, cerca derrubada e várias bombas jogadas em frente ao prédio da ALE. Para fechar: "Os estilhaços de uma delas chegaram a danificar uma janela e por muito pouco não deixou feridos". Ok. Não vamos aqui estimular ações de violência, "vandalismo" ou o que quer que seja. Até mesmo porque tem pessoas que não têm nada a ver com o assunto e podem se machucar, além do óbvio processo de criminalização que pode ser ligado à imagem do movimento, descaracterizando os seus motivos, como podemos perceber por esta matéria.

Além disso, vamos ser sinceros, e isso coloquei tanto num comentário à matéria - que não foi postada pois a mesma foi modificada, espero eu - quanto em respostas ao tuíte pelo Twitter: o que são os gastos com uma cerca e com uma janela danificada perto das despesas ao erário público que o aumento salarial vai causar? Mais ainda, o que é isso perto dos R$ 300 milhões desviados naquela Casa e que mereciam protestos com tantas pessoas quanto o realizado hoje?

Outro ponto que eu destaco como curioso é o penúltimo parágrafo, em que trata da preocupação dos servidores da ALE em retirar os carros, temendo que fossem depredados. Não acredito que a intenção do repórter seja essa, mas acaba por gerir interpretações, ao menos foi assim para mim, que os servidores poderiam agir contra outros servidores, danificando seus patrimônios.

Ao final do texto, só no último parágrafo, há uma reiminiscência para um movimento visto de forma positiva: "o 17 de julho de 1997, quando milhares de servidores públicos estaduais se uniram para derrubar o governador Divaldo Suruagy", após o funcionalismo ficar seis meses sem receber salários num comprcio girava/gira em torno dos recursos dos servidores devido às poucas indústrias e empresas grandes até então existentes.

Fica a curiosidade sobre como os meios de comunicação abordaram o 17 de julho na época, já que hoje é visto como um momento histórico de Alagoas. Afinal, a participação popular foi ainda maior e os possíveis "danos", nos termos da matéria aqui comentada, devem ter sido iguais ou até maiores, provavelmente com interveção do Exército, já que as polícias estavam em greve... 

Mas hoje não percebemos que os verdadeiros danos causados pelos meses sem salário naquela época, com pessoas cometendo o suicídio, foram causa suficiente para justificar o movimento? Não seria o mesmo caso agora? O ideal é compararmos os danos e aí chegar cada um a conclusão que se achar conveniente. 

Para mim, os de hoje, mesmo os em potencial, não chegam nem perto daquilo que é causado em Alagoas para as pessoas que mal têm dinheiro para comer; têm que enfrentar enormes filas para ser atendimento por médicos, quando o são - e em caso de emergências e pronto-socorro nem se fala; tem que estudar em escolas sem estrutura e com alguns professores, por falta de concurso público... Além de "n" problemas que poderíamos citar baseados em dados estatísticos que apontam o Estado SEMPRE com os piores índices sociais do país.