sábado, 20 de fevereiro de 2016

"Eu confio em você'

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Durante a semana o Facebook me recordou que há três anos eu terminava a 3ª temporada de In Treatment. Na anterior eu terminei a 3ª de Sessão de Terapia, ambas versões da israelense Be Tipul, que trazem num ambiente simples e de poucas personagens situações que levam pessoas a procurar a terapia, ainda que nem todas elas consigam avançar.

Terminado o meu processo, que foi aos poucos, assistindo cinco, dez episódios em algumas semanas e esquecendo da série por meses logo depois, é importante primeiro dizer como ver as sessões tanto da série da HBO quanto a do GNT me fez quebrar os preconceitos que seguiam, mesmo com a necessidade já sabida de procurar esse tipo de tratamento de saúde. No final das contas, para além das diversas personagens que surgem, acaba sendo reconfortante perceber que a grande pessoa a ser tratada é o terapeuta.

Mas antes de chegar em Theo Cecato (Zecarlos Machado), reafirmo que a diferença temporal entre temporadas acabaram me ajudando a ver cada uma delas de uma maneira especial. Esta foi toda ela marcada pela minha experiência em terapia, iniciada em julho do ano passado, fazendo com que eu me reconhecesse ainda mais com personagens - uma em especial, como tratarei a seguir -, e passasse a conversar sobre ela nas minhas sessões.

Apesar das minhas experiências pessoais com problemas de natureza mental de outras pessoas serem bem difíceis, a ponto de marcarem o meu jeito de ser, quando eu resolvi, após uma forte crise depressiva, que não dava para dar mais desculpas e começar a terapia, não coloquei barreira alguma - como normalmente costumo fazer até com pessoas. Fui e estou de peito aberto, mesmo com algumas interrupções por viagens devido ao trabalho, e ainda que siga sendo duro na queda na imensa maioria das sessões.


A terceira temporada teve o roteiro livre e encaminhou Theo a um caminho bem diferente de Paul, e isso foi bem interessante, pois acabou com qualquer tipo de comparação possível que eu pudesse fazer. Digo mais, esta foi a temporada em que tive menos rejeição a personagem, daquelxs que dá vontade de pular a sessão, talvez um ainda causasse um pouco de chatice, mas bem menos que nas temporadas anteriores.

Aqui, Theo volta após uma viagem para espairecer e descobrir se ser terapeuta é realmente o que quer e sabe fazer de melhor na vida, após a desconstrução de seu maior trauma na temporada passada. Na volta, passa a trabalhar menos, coloca Dora (Selma Egrei) mais uma vez de lado, e recebe menxs pacientes. Até que um novo problema familiar bate a porta e vai marcar a redenção da personagem principal da série.

Bianca
Mulher que perdeu os pais antes do casamento num acidente e que tem o marido como única referência de cuidados, para além do filho. Herdeira dos pais, não pode gastar nada para além do que o marido, mecânico, escolha. Assim, a escola do filho pode ser paga por ela, a terapia pode ser paga por ela, mas nada além disso. Uma relação de fortes ciúmes e de grande controle dele, a ponto de Bianca (Letícia Sabatella) chegar toda machucada nas sessões por proteger o filho.

Definitivamente, o desenrolar mais surpreendente da versão brasileira e que mais testou a transformação de Theo. O terapeuta que tenta salvar seus pacientes numa situação extrema, de ser convidado a levá-la a depor na delegacia. Ele se segura, porém, com um arrependimento de que deveria ter feito algo a mais. Em determinado momento, chega a ir pegar as chaves, mas ela sai antes. É aí, no final da temporada, que as coisas mudam.

Devido a um caso parecido em In Treatment, passei a ter dúvida da obviedade do caso de Bianca ao longo das sessões. Em um ou outro momento ela também deixava escorregar momentos de dúvida, como no caso do namorado da adolescência, que não queria deixar que ele terminasse o relacionamento. Por isso, fiquei com menos dúvidas que Theo quando da reviravolta. Apesar que talvez a dúvida dele estivesse mais centrada no porquê de ele ter se enganado com a paciente. Grande atuação da Letícia Sabatella.

Diego
Theo com problemas com o filho e eis que aparece Diego (Ravel Andrade) também com problemas. Independente aos 16 anos, filho de pai omisso que passou seus cuidados para uma governanta - o motivo disso veremos ao longo da temporada -, Diego deixa de ser o rapaz certinho, que tira boas notas e faz diferentes esportes, para chamar a atenção fazendo tudo errado.

Em meio às sessões, Theo se torna um pai, ameaçando acabar as sessões quando ele dizia que precisava beber ali, mas também oferecendo a escuta e o carinho que o adolescente precisava. Não à toa ganha vira um dos poucos que Diego mostra ou diz algumas coisas, a ponto de falar na reta final que quando pensar numa figura paterna, lembrará do terapeuta.

O pai, Frederico (Marco Antônio Pamio), surge ao final da temporada de forma arrogante e sai percebendo que era ele quem precisava de terapia. Theo passa o período todo se questionando se podia seguir o tratamento, dada a semelhança com seu caso familiar e, principalmente, por conseguir ir tão bem com seus pacientes e tão mal com seus familiares.

Felipe
Um ator. É assim que vemos Felipe (Rafael Lozano) já nas primeiras sessões. Da elite da cidade, convive com um pai que optou deixar de trabalhar para curtir a vida e com uma mãe super controladora, sua chefe na empresa da família. Uma devoção a ponto de fazê-lo casar com uma pessoa, quando já mora com outra.

Guta vira Guto, expondo ao longo da temporada que para além da relação de admiração/raiva com a mãe, há uma dificuldade em se admitir enquanto homossexual. Em muitos momentos, parece para nós e para Theo que não há avanço, com Felipe optando seguir com a atuação da família, até ele ser surpreendido pelo pai, que pouco considerava.

Milena
Poderia escrever um texto grande só sobre Milena (Paula Possani). Esposa de Breno, que conhecemos na 1ª temporada, foi com ela que me reconheci em vários momentos, ainda que felizmente não tenha chegado a esse nível.

Mesmo com a morte do marido, Milena não para de trabalhar, nenhum dia a menos; pior, nenhuma lágrima sobre a tragédia. A família de Breno acha estranho o fato de ela não ter ficado de luto e isso a irrita. A busca por Theo só surgiu para mostrar a todo mundo que ela estava bem e por isso que não passaria da primeira sessão. Dentre estas pessoas estava o chefe de departamento da universidade que dava aula, que a substituiu por uma ex-aluna porque ela travou numa das aulas. Na cabeça dela, nada a mudar, ela estava fazendo o certo, trabalhando e cuidando do filho.

Depois descobrimos que ela travou na defesa da dissertação de Mestrado, na hora de se apresentar à banca. Assim como, vemos que os pais dela morreram num acidente, que ela acredita ter participação nisso, sendo cuidada depois por uma tia que passou para ela uma série de manias de limpeza e organização que, mesmo sem querer, estava passando também para o filho.

Tirando o visível Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), fazendo-a colocar a caixa de lenços sempre em paralelo com a mesa, organizar livros ou as xícaras e abrir e fechar a porta do apartamento de Theo algumas vezes, para ter a certeza que a porta estava fechada; assim como as regras mentais para poder fazer algo; o que me reconheci em Milena veio de uma das justificativas de ela ser assim: a cabeça pensar muito e em coisas ruins, em que fazer o certo sempre era uma forma de tirar esses pensamentos ruins, com supervalorização do que ela pensava - a ponto de ter de criar mecanismos que permitisse desde ela dirigir a salvar o filho numa situação de risco. Essa coisa de juntar os problemas que passam pela vida e colocar nas costas, porque não dá para parar. E as pessoas entorno? Quanto menos, melhor.

Felizmente os meus traumas não chegam perto dos que Milena passou, mas passei algumas vezes por momentos de travar até no trabalho, espaço que consigo ficar mais seguro. As sessões finais com ela foram muito enriquecedoras para mim este mês, numa nova fase ruim que me fez derrubar a âncora novamente.

Evandro (Rita e Guilherme) e Dora
Por fim, a sexta-feira, dia de Theo falar sobre os seus problemas. A convite de Evandro (Fernando Eiras), renomado terapeuta que vive no Reino Unido, ele participa de um grupo com Rita (Camila Pitanga) e Guilherme (Celso Frateschi). Acaba trazendo para si a atenção nos casos desde o início, especialmente quando se trata de Rafael (Johnnas Oliva), seu filho, e a terapia de Diego.

A intransigência de Theo em momentos assim voltam de vez em quando, ainda que ele mantenha a calma mesmo com um rival da graduação ali perto, Guilherme. Isso acaba estourando na reta final, quando, por uma briga entre Rita e Guilherme acaba indo para a última reunião do grupo sozinho, com Evandro fazendo perguntas sobre a relação dele com os pais - tema principal da segunda temporada.

O grupo serve para criar a relação com Rita, que se interessa por ele e a quem Theo parece ter uma melhor separação entre a conversa de um terapeuta e de um namorado, até por ela também saber como demarcar essa fronteira. E o principal, para que ele retorne à Dora, que dá um ultimato sobre as idas e vindas dele à terapia.

Theo faz uma escolha ao final que é bem diferente da de Paul em In Treatment. Aqui temos uma história mais amarrada quando chega ao fim, algo demonstrado pelos títulos dos meus comentários sobre as séries, algo que não foi proposital da minha parte:

Pode fechar a porta (In Treatment)

"Você é um homem morto" (ST - 1ª temporada)

A sombra se dissolvendo (ST - 2ª temporada)

"Eu confio em você" (neste texto)




quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O Menino e O Mundo, que menino e que representação de mundo!

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Confesso. Escolhi ver "O Menino e o Mundo" após a indicação do Oscar. Gosto de desenho - ainda que com menos tempo que outrora, inclusive para esse blog -, mas os traços simples da animação de Alê Abreu me deixaram curiosos pela indicação. Se em Divertida Mente dividi o cinema com crianças e mães e pais sabendo que precisava ver o filme, o que seria um entretenimento para tirar as cinzas para além desta quarta-feira virou um êxtase! A certeza que todo mundo precisa vê-lo!

De sinopse simples como seus traços, uma criança que mora com os pais numa casa no interior, cercada pela natureza e atividades ligadas à agricultura, vê o pai sair em busca de um emprego melhor e, após sentir falta dos momentos com a família, decide buscá-lo; a animação traça esses caminhos de maneira a desvelar o mundo.


Das reações surpreendentes. Um grupo de crianças estava sentado à nossa frente e depois de alguma conversa com as mães, pipocas e levantar de cadeiras, a atenção louco tomou conta. Ao final, um silêncio abraçou o cinema, com todxs pensando no que tinham visto. Adultos, crianças, de prováveis diferentes matizes ideológicos. Talvez o que meu professor de Estética chamava de flash aesthesis - só não me peçam para explicar o conceito, não é meu... -, mas coletivo.

De início, é preciso colocar que os traços dos desenhos são simples, mas a animação já começa com imagens psicodélicas, dando dica de que estamos diante de algo para além de uma simples história de busca pela união da família. A relação com a música, representada por bolhas (de sabão) e que ganharão representação coletiva positiva e negativa ao longo do filme também é espetacular. Afinal, nenhuma música e nenhum dos poucos diálogos é numa língua conhecida, o que dá ao filme um caráter multicultural, de fácil entendimento em qualquer lugar do mundo.


Vamos nos encantando com o menino e mais ainda com a representação do mundo. Passamos da vida simples de família de interior, com a partida que muito me lembrou a de sertanejxs em busca de uma vida melhor, nesta constituição de El Dorados que nos cercam; à produção industrial do algodão. Passo a passo, da extração do algodão e sua respectiva expropriação do trabalho do trabalhador rural; seguindo pela produção manual dos rolos de pano, que depois passa a ser industrializada, gerando desempregado e ainda maior pauperização; até a transformação em roupas - todas brancas, com o colorido do pano ficando guardado.


Achei curioso que apesar dos traços simples do desenho, o mundo "desenvolvido" apresentado, a elite apresentada, era de um futuro distante do nosso, mais "evoluído". Do lado de cá das contradições do sistema, a importância da música como atividade quase que emancipatória - o que me lembra as leituras de Furtado que faço neste feriado, e sua preocupação num desenvolvimento humano que considere também o cultural como um dos elementos centrais. As mudanças de locais são acompanhadas pela busca da música que o pai tocava e de como este elemento agrega coletivos.

Paro por aqui para não contar ainda mais de "O Menino e o Mundo", tem várias coisas e já está na minha lista para utilização em aulas e outros espaços de construção educacional e debate no futuro. Vale para quem tem filhxs - e se preparem para possíveis perguntas depois -, para quem for em grupo ou para quem optar por ir sozinho. Aproveitem! Felizmente o Oscar deu essa nova possibilidade a uma excelente animação que pouco circulou em 2013 por aqui e que ganhou outros prêmios por aí.