terça-feira, 28 de julho de 2009

Circo a motor – Entre Buda e Peste

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O circuito de Hungaroring fica bem próximo à cidade de Budapeste, numa espécie de região metropolitana da capital húngara. O país foi o primeiro do leste europeu, sob julgo soviético, a receber uma etapa da Fórmula 1, a partir de 1984.

A capital na verdade é formada por duas regiões, uma mais alta, Buda, e outra mais baixa, depois de um rio, Peste. Parece que essa divisão, só que metafórica, pode representar muito bem o que foi a décima etapa da temporada 2009.

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Apenas um parêntesis antes de falar sobre a corrida. Apenas 15 anos depois da morte do Senna, devido ao acidente grave com Felipe Massa, é que passo a entender o porquê de muitos brasileiros terem deixado de assistir à Fórmula 1. A sensação de tristeza é muito grande e a atenção, a emoção, não é a mesma.

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Além da surpresa da Renault de Alonso estar na frente, a largada trouxe outras novidades para uma temporada que já teve sua “época Brawn GP” e sua “época RBR”.

O Kers, espécie de turbo, garantiu algumas posições para Lewis Hamilton e Kimi Raikkonen, numa corrida que a partir dali daria poucas chances de ultrapassagem. Kimi ainda contou com a força da Ferrari, tanto do carro, quanto fora dele, pois foram dois “chega para lá” em duas curvas.

Numa dessas, Sebástian Vettel, teve parte da asa dianteira danificada e caiu do terceiro para o oitavo lugar. Poucas voltas depois, ele encostou o carro na garagem.

Outro que teve seu dia de Peste, foi Fernando Alonso. Mesmo sabendo que provavelmente não terminaria na frente, tanto pela falta de peso inicial do carro quanto pelo ritmo permitido por ele, o piloto da Renault não esperava por um erro crucial da equipe. Após a primeira parada nos boxes, o espanhol viu se despedaçar o pneu dianteiro direito nesta ordem: calota, parafuso e pneu.

Por sorte, a roda saiu girando e quicando até a grama, ficando parada ao lado da mureta de proteção. Mesmo assim, a Federação Internacional resolveu punir a equipe com a exclusão no próximo Grande Prêmio, daqui a quatro semanas, em Valência.

Mas erros de equipe não ficaram só na Renault, que viu Nelsinho Piquet chegar na 12ª posição em meio a uma guerra declarada com o chefão Flávio Briatore. A RBR teve seu dia ruim.

Além do problema no carro de Vettel, um erro na tentativa de tirar a mangueira de combustível, que enganchou, e do homem que segura o pirulito – que libera o piloto – fizeram com que Mark Webber, que já havia sido ultrapassado por Hamilton ainda com Alonso na liderança, perdesse a segunda posição para Raikkonen.

Assim, ficou fácil para as equipe tradicionais voltarem. Lewis Hamilton, com uma McLaren que sequer havia ido ao pódio, venceu a prova. Com a 5ª posição de Kovalainen, a equipe conseguiu fazer numa corrida a mesma pontuação das outras nove juntas: 14 pontos.

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Quem demonstra uma queda acentuada, talvez até pela falta de recursos, é a BrawnGP, que teve um péssimo fim de semana. Além do problema da peça que saiu do carro e Barrichello e que atingiu Massa no dia anterior, o carro esteve bem atrás dos demais.

Jenson Button, líder do campeonato, chegou apenas na sétima posição, enquanto Rubinho alcançou o modesto décimo lugar. Do jeito que vão as coisas, só resta à equipe torcer contra as outras se ainda almeja o título deste ano.

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O circo entra em férias de verão europeu por algumas semanas. Esperamos que para a próxima corrida, nas ruas de Valência, tenhamos excelentes notícias sobre Felipe Massa.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Circo a motor – A evolução da Fórmula 1(?)

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Pouco antes das 10 da manhã. Como sempre para um final de semana com o circo da Fórmula 1 estacionado na Europa, eu estava em frente à televisão assistindo à transmissão do “treino oficial que definirá o grid de largada”.

A primeira sensação quando vi a Ferrari de Felipe Massa parada no meio da barreira de pneus foi puramente tecnicista: “o Rubinho não ficará entre os dez”. Milésimos de segundo depois veio a estranheza pelo piloto brasileiro não se mexer. Já que a primeira reação é, com raiva, tirar o volante e recolocá-lo de volta (que é uma regra) e sair do carro.

Depois minutos de ansiedade e curiosidade por descobrir o que teria acontecido, já que a única pista era a marca dos pneus em linha reta, veio a imagem de dentro do cockpit do brasileiro. Percebo algo voando na direção da cabeça dele, pelo lado esquerdo. Algo tão rápido que a equipe de transmissão, tão angustiada quanto eu, não percebe.

Logo vem a lembrança da lança que virou um dos materiais que saíram da Willians de 1994 na direção da cabeça de Ayrton Senna, que deve ter causado sua morte imediata. Um profundo sentimento de tristeza tomou conta de mim. Será que foi uma pedra, um pássaro?

Após mais alguns minutos aparece um replay mais “pausado”, que mostra que é uma mola. A equipe de transmissão da Globo tenta acalmar a todos, mesmo não sabendo nenhuma informação oficial da saúde do piloto, que ganhou a muitos brasileiros com a perda do título do ano passado – logo o povo brasileiro, tão ligado a vitórias.

A transmissão do treino perde o sentido. Acabamos descobrindo que a peça saiu justamente do carro de outro brasileiro, Rubens Barrichello, após o próprio Ross Brawn ir verificar. Acham a imagem da peça saindo e a saltitar pela pista.

É incrível como por mais seguros estejam os carros hoje, especialmente por causa daquele final de semana trágico em Ímola, um pequeno elemento pode ser tão perigoso. E mesmo para um carro bem construído e que parecia uma “fortaleza”, como eram os BrawnGP.

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Outra curiosidade, relegada a segundo plano, foi a pane nos computadores oficiais justamente na última parte do treino, a mais importante, apesar de já ter problemas desde o início. Mas nunca tinha visto todos os nove pilotos sem saber onde largariam, e um bicampeão mundial perguntando os tempos alheios para comparar com o seu.

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Fatos como este provam que ainda há muito que se evoluir tecnicamente e, por mais que alguns digam o contrário, há seres humanos dentro dos carros.


*Texto escrito na noite do sábado. Amanhã, informações sobre a corrida.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Mídia tosca

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Mais uma semana com muitos erros.





1- Este primeiro erro vem do site Fonte de Notícias e traz uma matéria que teria que vir com uma foto, mas só veio com as possibilidade de visualização de uma imagem inexistente;


2- Eles não saem daqui. O Gazetaweb vem com um pequena falha, repetição de palavras que poderia ter sido evitada se ao menos tivessem o cuidado de ler as matérias oriundas de agências de fora.


3- Só para não deixar de ser chato. Faltou uma letrinha, a inicial, no título da matéria do Cada Minuto.

4- Essa matéria do Uol já mereceria um comentário por ser cômica - e também por representar a maneira que a classe média protesta. Mas na legenda de uma foto aparece um verbo que não concorda com nada.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Circo a motor – Azar, azar, azar,...

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Um Grande Prêmio com muitas variações. Num ritmo frenético fora e dentro do circuito, a Fórmula 1 desembarcou numa revigorada Nürburgring com o intuito de saber se a RBR é quem dá as cartas nesta temporada. Apesar de o final ter mostrado que sim, foi difícil chegar a esta conclusão.

Primeiro, vamos tratar da parte legal da história, a competição. Os treinos livres mostraram a evolução dos carros da McLaren, com Hamilton fazendo o melhor tempo da sexta-feira.

No treino oficial, primeira parte (Q1) com sol até menos de dois minutos para acabar. Não teve a emoção dos últimos minutos de ver quem ficaria na zona ruim para a largada. Sorte do ameaçadíssimo Nelsinho Piquet, que marcou o 15º time, o último para passar de fase.
O Q2 começou com chuva, mas o tempo foi melhorando no céu e na pista. Rubens Barrichello deu sorte de esperar para colocar pneus secos novamente e marcar, disparado, o melhor tempo desta parte. Nelsinho conseguiu o segundo tempo e Adrian Sutil, alemão da Force India, o terceiro.

Para o Q3 nada de mudanças repentinas, ao menos no tempo. Mas emocionantes minutos de revezamento na pole. Hamilton, Button, Webber, Vettel e Barrichello, todos disputando, volta a volta. No final, Webber conseguiu sua primeira poleposition na categoria e Rubinho pelo menos largaria em segundo, à frente de seus dois oponentes diretos no campeonato.


CORRIDA "Hoje me sinto roubado. Demos um show de como se perder uma corrida", reclamou Rubinho após a prova. Isso resume bem o que foi a corrida para ele, que justifica o título da coluna desta semana.

Mais uma vez largou bem e passou Webber na primeira curva, mesmo recebendo um sonoro "chega para lá". O carro da Brawn não conseguia abri mais de 1,5s, o que representava que depois do primeiro pit stop, o australiano pularia para a frente.

Porém, veio a punição a Webber, teria que passar pelos boxes e assim Rubinho venceria, finalmente, uma prova, que seria a 100º de brasileiros. Após a primeira parada do brasileiro, ele volta atrás de Massa, que fazia uma corrida boa e com tanque cheio e não abriria a posição.

Barrichello ficou preso a um carro lento e perdeu a corrida aí. Segundo estatísticas "globais", foram cerca de 20 segundo nesse lenga-lenga. Tudo bem que a equipe, que já ia parar três vezes nos boxes, poderia ter diminuído o tempo da parada para ele voltar à frente, mas isso não o obrigava a ficar o tempo todo esperando que Massa parasse.

Resultado: não só Mark Webber volta à ponta, como Vettel chega em segundo. Bem, na pior das hipóteses, ao menos chegaria na frente de Button e se manteria com os mesmos pontos do alemão da RBR. Até que veio o erro fatal.

Além de não mudar a estratégia, a mangueira de combustível da Brawn no segundo pit não funciona, fazendo-o perder mais cinco segundos. Desastre total que foi consolidado com a mudança para a terceira parada, que beneficiou Jenson Button, de forma intencional.

No final, vemos um Mark Webber emocionadíssimo por conseguir uma vitória para o país após 28 anos, um Vettel que tirou mais pontos ainda e alcançou a segunda posição - com a Red Bull bem melhor que as demais equipes -, um Felipe Massa satisfeito com a terceira posição, Rosberg (Willians) de forma surpreendente em quarto, e os antes imbatíveis Brawn em quinto e sexto.

DILEMAS Todos antes da corrida tinham uma fonte confiável da Renault que dizia que Nelson Ângelo Piquet não correria mais, seria substituído por Serbastian Grosjean, líder da GP2. Nelsinho conseguiu pela primeira vez no ano largar na frente de Alonso, mas fez uma corrida discreta, com um carro bem pior que o do companheiro de equipe.

Se ele sai ou não é algo a ser resolvido nas próximas semanas, até o GP da Hungria.

Outro problema surgiu nos bastidores. Em reunião sobre o campeonato do ano que vem, voltou a disputa de egos nas mentes mandantes da F1. Por discordar da obrigatoriedade de decisões unânimes, a Fota (associação das equipes) reclamou que isso nunca existiu. O pessoal que comanda a Fia devolveu dizendo que eles não tinham direito de reclamar nada porque não estão inscritos, ainda, para o ano que vem.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Mídia tosca

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Reestreia da coluna, agora em dia fixo, às sextas-feiras, e com um novo nome, sugestão do colega Bruno Martins. E já voltamos com uma série de erros, a maioria do site Gazetaweb. É bom explicar que talvez isso seja proporcional à quantidade de matérias que leio diariamente do mesmo, menor que a dos outros.

1. Como uma letra pode mudar todo o sentido de uma frase na Língua Portuguesa. Vejamos o caso deste erro publicado no site Cada Minuto na segunda -feira (6). Leia sem olhar o contexto: "ter que dar todo e qualquer tio de satisfação aos organizadores". Coitados dos tios de misses.
2. Qual o sentido de colocar duas matérias cujas diferenças estão no título, subtítulo e dois parágrafos a mais? A tal da história do "tempo real" da Internet, que obriga a ter praticamente uma notícia por minuto. Veja o caso (o primeiro) do Gazetaweb.













3. Pegos pelo limite de caracteres, mais uma vez o pessoal do Gazetaweb poderia passar a vista depois de publicada a notícia. Neste caso fica a pergunta: Elizabeth Taylor chamou uma ação, o funeral, como se fosse uma pessoa? "Vem cá, funeral!".

4. Prefiro não comentar a falta de uma letra no título abaixo:

5- O próximo erro, ao menos na minha opinião, é inadmissível. A matéria do Alagoas 24 horas, oriunda da assessoria de comunicação do ASA, traz como intertítulo "Viajem"! Ninguém ensinou a diferença dessa palavra enquanto verbo e enquanto substantivo?


6- Eis um primor de concisão no título desta matéria do Alagoas em Tempo!

7- Para quem vive de fazer pauta deve saber que não tem coisa mais odiosa do que ver algo sobre um evento em que o texto diz que é/foi num determinado dia da semana, só que a data não corresponde. Vejamos um caso na Agência Alagoas, site do Governo local.

8 - Só para mostrar que os grandes também erram, vejam esta matéria da Folha Online sobre os 15 anos do Plano Real. Leia fora do contexto: "vim ao Senado para celebrar o real". O real, com 'r' minúsculo, seriam os enforcados senadores?

9 - A seguir o que vem não é um erro, mas uma matéria totalmente preconceituosa quanto ao movimentos de trabalhadores. Para o AL em Tempo, passeata se faz por fazer.

10- Se tem uma coisa que detesto é a mania de colocar terça-feira enquanto 3ª - outra coisa é na camisa do pessoal do Ensino Médio 3ão (tresão?). A Gazetaweb , desta vez, não leva a culpa sozinha.

11- Para finalizar a nossa "seleção" (futebolística) de erros, mais um caso de duplicidade de matérias. Neste caso, do AL em tempo real, só trocaram a foto. (Prestem atenção ao nome da vereadora e o caso que ela se envolveu, cômico!).

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Dialética Terrestre

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Dialética...
s. f. 1 A arte de discutir. 2 Argumentação dialogada, segundo a filosofia antiga.

...Terrestre
adj. m. e f. 1. Relativo à, ou próprio da Terra; terreno, terreal, térreo, terráqueo. 2. Que provém da terra ou nasce nela. 3. Mundano

Há exatos dois anos adentrávamos na blogosfera com o Terra: O planeta e seus interessados. Os muitos posts que vieram depois mostram que o que começou como um trabalho para obtenção de nota na Universidade cresceu.

A necessidade de dar uma simplificada no nome e na descrição nos fizeram modificar, com a ajuda dos leitores, o nome do blog para Dialética Terrestre, um título que mantém a intenção inicial do Terra - que era a de desvelar assuntos banalizados – e traz uma conotação tão ideológica quanto a de que se mostrou ser a do autor durante os inúmeros textos.

DIALÉTICA - Categoria filosófica trazida por Hegel, a dialética é um dos importantes legados deixados pelo filósofo alemão Karl Marx em relação aos estudos sobre o ser humano e sua ação sobre a natureza.

Como num diálogo, a sociedade se desenvolve como que em mão dupla. Num certo período uma tese é absoluta, porém já dentro dela aparecerá uma corrente contrária, uma antítese, para depois, enfim, surgir a síntese entre os anteriores, uma nova forma do ser humano se desenvolver através do trabalho.

COLUNAS
O agora Dialética trará as colunas já desenvolvidas aqui desde o início do ano, casos de “Circo a motor”, que se propõe a discutir a Fórmula 1 de uma forma diferente; de “Mídia crítica”, que atendendo à sugestão de um leitor virará “Mídia tosca”, com seus diversos erros das notícias on-line; e de “Enquadro o fato”, com um desenho que simbolize uma das principais notícias do mês.

Além disso, haverá a coluna IRAAAAAAAADO!!!, quando um assunto ou fato corriqueiro qualquer irritar bastante este jovem escriba.

TEM MAIS
Os textos sobre filmes, livros e outras formas de arte que nos chamaram a atenção por algum motivo também estarão nas nossas páginas virtuais. Não tão técnicos enquanto resenhas, mas que buscam interessar os leitores e, quem sabe, criar discussões.

Como a brincadeira tem sido boa, o blog não parará por aí e trará mais novidades e testes comunicacionais ao longo do ano. Claro, que se as demais atividades “oficiais” permitirem.

Continue a nos acompanhar no Dialética Terrestre (http://terrainteressados.blogspot.com) e venha conosco desfrutar da “arte de discutir a respeito do que há sobre a terra”.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Angústia

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Já tinha lido outros três livros de Graciliano Ramos. Dois romances, São Bernardo e Vidas Secas, e um livro de contos, Insônia – o qual fui instigado a ler devido a uma encenação da Cia. da Meia-Noite, de mesmo título. Adquiri Angústia para continuar a trajetória da obra de um dos maiores romancistas regionalistas do país.

Todos já devem ter lido e ouvido, especialmente na época em que São Bernardo era leitura “obrigatória” para o vestibular, que o texto de Graciliano Ramos era seco, bem parecido com os cenários que descrevia. Alguns dizem até que ele era tão criterioso que a perfeição seria escrever algo sem palavras – o sonho dos apologéticos do jornalismo televisivo.

Exageros à parte, esse livro teria que garantir através das palavras o título de um sentimento tão profundo e agonizante. Como descrever em poucas não só as situações conflituosas, mas transmitir as sensações causadas por algo que beira a loucura?

Para começar a fazer isso, nada melhor que utilizar de um autor em primeira pessoa, como o personagem que nos guiaria através de seus relatos, suas hesitações, devaneios e medos. Luís da Silva, sujeito criado em fazenda no interior, é o nosso anfitrião. Ele, que escreve o livro após os trinta dias “das visões que [...] perseguiam naquelas noites compridas” (05). E isto num cenário que conhecemos, já que o presente se desenvolve em Maceió, com a Praça dos Martírios, Rua do Comércio, Farol, Levada e Bebedouro.

PERSONAGENS Aos poucos as coisas e as personagens vão aparecendo, ou melhor, conseguimos ligar as características pessoais soltas ao longo do texto, como se formassem um quebra-cabeça. Afinal, quem foi que disse que adentrar no ser humano era algo tão fácil? Se fosse assim não era preciso que os homens continuassem a se estudar, numa autorreferencialidade cotidiana.

É nesse ritmo que descobrimos a paixão pela jovem vizinha da esquerda, afinal nunca costumava a passar pela calçada do lado oposto. A ruiva que tanto o irritava pelas suas brincadeiras infantis no quintal, seu rosto todo maquilado, e que depois virou sua amiga, que conversava com Luís enquanto ele lia romances tolos, mesmo que com toda agonia de saber que lia um lixo. Ah, e como ela gostava de romances tolos e invejava a espanhola Mercedes!

O presente por certas vezes pára para que ele conte um pouco da sua história na fazenda, o declínio da sua família e a decrepitude dos seus antecessores, que do sobrenome de Trajano Cavalcanti Aquino e Silva, seu avô, ficou só com o último. Lembranças de apenas uma serviçal e da morte dos familiares.

Dois nomes sempre rodeiam a sua mente, transtornando-a de forma a não permitir que faça as mais triviais atividades, como escrever um artigo encomendado. De Julião Tavares só resta a raiva, do sujeito de pai advogado e que entrara na sua vida sem pedir licença, com a desculpa de um esbarrão; alguém de extrema-direita, que pretendia ver os militares no poder.

Já de Marina, cujo só o nome sabíamos, vinha um saudosismo, a paixão arrependida. Só depois de dezenas de páginas é que descobrimos que ela é justamente a sua vizinha chata, a qual ficara tão apaixonado que chega a fazer o pedido de casamento, onde aumentam suas angústias. Um ciúme à lá Bentinho que desta vez realmente gera um fruto proibido e transtornam o simples funcionário público.

Outros personagens vão e vem ao longo do livro. A vizinhança é caracterizada além da espanhola Mercedes, havia o Lobisomem e suas três filhas na casa de frente, quatro figuras estranhas e que geravam inúmeros boatos – como o que orientou o apelido; a outra vizinha, Dona Rosália, que proclamava a moral e os bons costumes, mas que quando o marido caixeiro chegava não deixava ninguém dormir; além dos pais de Marina, seu Ramalho e dona Adélia, um resmungão e outra que abaixa a cabeça a todos.

Quem entrava em sua casa eram Pimentel, Moisés e Seu Ivo, para trazer inúmeras discussões a respeita da sociedade. Aliás, seu Ivo estava mesmo interessado em comer qualquer coisa mesmo, vivia pedindo nas casas. E foi justamente o pedinte que deu a Luís o objeto da ação que o fez ficar tanto tempo na cama.

SOCIAL Se em São Bernardo temos a imagem de Madalena como a responsável de no meio do triunfo burguês conscientizar, de certa forma, os trabalhadores, Moisés é o que traz a característica ambígua em Angústia, personagem que o protagonista gostava de discordar só para ouvi-lo.

Filho de um judeu proprietário de uma “venda”, traz em sua origem um estereótipo formado: judeu como o sujeito mesquinho. Porém, Graciliano dá justamente a este personagem o pensamento revolucionário e os textos contestatórios à ordem vigente, como querendo provar o processo dialético, de uma contra-força a surgir dentro do atual momento social.

Apenas quase dez anos depois é que Ramos entrará no Partido Comunista, pouco tempo legalizado, e que será o motivo de sua prisão. Num dos trechos de Angústia, ele traz uma passagem sobre um muro de uma localidade pobre de Maceió, que nos faz relembrar sua ideologia:

“‘Proletários, uni-vos’. Isto era escrito sem vírgula e sem traço, a piche. Que importavam a vírgula e o traço? O conselho estava dado sem eles, numa letra que aumentava e diminuía. Talvez a datilógrafa dos olhos agateados morasse por ali, num dos becos que iam ter à rua suja. Escondida num quarto escuro, a datilógrafa dos olhos agateados ocupava-se em bater na máquina um boletim subversivo. Um irmão decoraria dele a frase mais incendiária, que seria copiada a carvão no muro de uma igreja de arrabalde”. (137).

FINAL O final do livro traz todas as angústia chegando ao ápice de suas possibilidades, ao ponto de criar um ambiente caseiro de loucura. Assim que o livro acaba, a grande sensação é de que aquilo não é um final, o que será que houve com Luís da Silva endoideceu de vez? A resposta está no começo, quando ele se “recupera”.

Graciliano Ramos nos mostra mais uma vez sua grande capacidade de utilizar as palavras, numa linguagem tão bruta quanto os seus personagens, num ritmo o qual é impossível de administrar, logo vivemos a situação transcrita.

RAMOS, Graciliano. Angústia. São Paulo: Círculo do Livro, s/a, 208pp. (Original de 1936).