segunda-feira, 28 de maio de 2018

A fúria com a distância nas cotas de transmissão do Nordestão

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Fonte: Pei Fon (TNH1)

Não é surpresa para ninguém que acompanha a Copa do Nordeste que há mais de um ano ocorrem discussões sobre a necessidade de mudanças no torneio. O Sport optou por não jogar já a edição de 2018, que apresentou a redução de 20 para 16 clubes na fase de grupos; e o Bahia, especialmente, ameaça disputar com time sub-23 ou não jogar o torneio de 2019 se não houver nova redução a partir de 2020.
Para 2019, considerado ano de transição, o torneio terá a mesma quantidade de participantes, 16, mas a definição de clubes considerou os campeões estaduais, como era antes, só que também o ranking da CBF, o que permitiria que os clubes de maior tradição não ficassem de fora do Nordestão. Discutimos muito disso no Baião de Dois, incluindo ainda a proposta vinda do Bahia de reduzir para 12 equipes, sob formato semelhante ao que era na fase “Liga do Nordeste”.
O modelo aprovado esta semana restringiu-se apenas a 2019, com nova reunião sobre o futuro a ser marcada no próximo mês. O regulamento define que os 16 participantes serão divididos em dois grupos com 8 times cada, com clubes enfrentando os do grupo oposto, garantindo clássicos regionais já nesta fase. Assim, deveremos ter CSA X CRB, Náutico X Santa Cruz, Ceará X Fortaleza, Moto Club X Sampaio Corrêa, Sergipe X Confiança e Bahia X Vitória.
O formato escolhido segue o do Paraibano deste ano, com problemas que tratamos no Baião, porque pode gerar um desequilíbrio dentre os classificados. Como exemplo, o Nacional de Patos marcou 19 pontos, 5 a mais que o primeiro do outro grupo, e foi disputar o quadrangular para fugir do rebaixamento porque ficou em quarto lugar no grupo que estava – os outros problemas deste e de outros torneios na Paraíba estão na mídia, também estamos acompanhando, com atualizações a cada terça-feira.
Outro ponto preocupante é o valor das cotas. Da mesma forma que ocorreu em 2018, os direitos de transmissão serão divididos em 4 grupos. Antes desta reunião, os 3 primeiros grupos seriam divididos entre os 12 participantes com classificação direta (campeões de cada um dos nove estados do Nordeste, mais o melhor do ranking da CBF de Ceará, Pernambuco e Paraíba). O último era para quem passasse da fase prévia.
Já aqui havia um problema, porque conseguiu-se um aumento inicial de R$ 4 milhões – que pode ser mais de acordo com acordos de publicidade que possam surgir até a competição –, mas a redistribuição dos valores tirou um pouco da remuneração pelo avanço de fases, aumentando todas as cotas de participação, menos a última, que foi diminuída em R$ 240 mil.
Em termos puramente de análise de estruturas de mercado, futebol vive da concorrência entre clubes. Num jogo, entre equipes. Num campeonato, todas as que o conformam. Quanto melhor a concorrência, mais se atrai torcedores para consumir seus serviços e produtos e, consequentemente, mais empresas interessadas. Afinal, jogos com resultados mais óbvios tendem a gerar menos demanda. A diferença na possibilidade de investimento de cada participante interfere nessa relação.
Isso não significa que defendemos valor igual como algo mais justo, mas que se busque modelos de partilha que considerem variáveis mais relevantes para o torneio, ao mesmo tempo que a diferença não interfira na qualidade do produto, que é o jogo. A diferença subiu de 125 mil/ 100 mil/ 20 mil para 500 mil /200 mil /710 mil, de forma não proporcional ao dinheiro acrescido ao bolo inicial, criando diferenças consideráveis especialmente para o último grupo, que receberá duas vezes menos que o anterior, numa partilha de valores ainda pequenos.
Para piorar, a reunião ocorrida em Recife mudou a divisão e, no nosso entender, para ainda pior. Em vez de considerar o ranking para os 12 classificados diretos, ampliou-se para todos os classificados, independente de terem passado ou não pela fase prévia. Assim, as faixas ficaram em: Grupo 1 – R$ 1,9 milhão de reais (Vitória, Bahia, Santa Cruz e Ceará); Grupo 2 – R$ 1,42 milhão (ABC, Náutico, CRB e Sampaio Corrêa); Grupo 3 – R$ 1,22 milhão (Fortaleza, Botafogo-PB, Salgueiro e Confiança); e Grupo 4 – R$ 510 mil reais (CSA, Moto Club, Altos e Sergipe).
Por um lado, entendemos que usar apenas o ranking da CBF é um problema. Este considera apenas os torneios nacionais (Brasileiro e Copa do Brasil) dos últimos 5 anos, com pontuação proporcionalmente maior para os anos mais recentes – a partir de uma mudança ocorrida no final de 2016, pois antes era o histórico todo. O próprio Nordestão, até por ser o único regional existente, não é considerado. Isso faz, por exemplo, que o Santa Cruz (R$ 1,9 milhão), na Série C, ganhe quase 3 vezes mais que o CSA (R$ 510 mil), que disputa a Série B. Além disso, considera-se o ranking de 2017 para definir as cotas do torneio que iniciará em 2019, independente do que for conquistado este ano. Assim, para seguir neste exemplo, a pontuação do Santa Cruz rebaixado na Série B do ano passado é maior para o último ano considerado (em valores e em peso) que o do CSA, mesmo tendo conquistado o título brasileiro da Série C.
Outro ponto é que o mérito de ida ao torneio privilegiando os campeões estaduais, que ainda existiu para classificar para 2019, foi desconsiderado. Assim, o CSA – realmente somos clubistas, por isso o exemplo recorrente – receberá menos ano que vem que este ano, em que veio da fase prévia.
O valor do Grupo 4 é praticamente o mesmo que o último grupo de 2002 (R$ 500 mil), que o CSA também estava, mas a diferença entre grupos que naquele momento privilegiou os times de primeira divisão, eram de 110 mil e 60 mil. Criar diferenças que, em progressão geométrica, tendem a aumentar com a vinda de mais recursos, pode gerar distúrbios como os vividos no Brasileiro das séries A e B. Não à toa que o aumento da concorrência da área de radiodifusão e a pressão de alguns clubes auxiliaram na mudança dos parâmetros deste caso a partir do contrato de 2019, com porcentagem fixa mínima dividida de forma igual.
É fato, e vivemos falando disso no último ano, o valor da Copa do Nordeste deveria ser muito melhor que é. Para termos uma ideia, este ano serão pagos cerca de 23 milhões de reais; o torneio de 2002, o último da fase áurea de liga, pagou 16 milhões de reais em direitos de TV. A inflação acumulada do período foi de 170,61%. Numa projeção rápida, o valor estaria em 44 milhões – não considerando que o regulamento era diferente e as datas abundavam, com modelo regional sendo base, além do histórico de ainda mais sucesso à época.
Outra coisa importante, é que a parceria com o Esporte Interativo, em contrato assinado por 10 anos, deixou que a variação do pagamento pelos direitos de transmissão considerassem apenas a inflação do período. Tribunais internacionais em defesa de concorrência delimitam 4 anos como tempo máximo desse tipo de acordo, de maneira a não engessar as possibilidades de conquista de mais dinheiro, da mesma forma que não se prende a mudanças de prioridades dos grupos comunicacionais – no caso do EI, por exemplo, a conquista dos direitos da Champions League fizeram com que o Nordestão não fosse mais o principal produto da emissora, tirando parte da atenção destinada ao torneio.
Entendemos que começar uma necessária nova fase da Copa do Nordeste sem considerar um formato e uma divisão de valores a partir de critérios justos para todos os clubes e para estimular uma real concorrência dentro de campo é um problema a ser considerado urgentemente. Não podemos criar um novo eixo em nível regional, algo que tanto sofremos com as divisões de cotas em torneios nacionais.
Por fim, destaco o orgulho de participar do Baião e Dois e agradeço ao Matheus Chaves pelas divergências colocadas e discutidas de forma sensata pelo Twitter – infelizmente divergir, mas dialogar, sem brigar e ofender, é algo a se destacar nas mídias sociais. Foi a discussão que estimulou a escrita deste texto.