terça-feira, 7 de julho de 2015

Divertida Mente ao avesso

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Assistir a um filme em sala de cinema de multiplex de shopping. Assistir a um filme de animação. Assistir a um filme sozinho com um monte de crianças na sala de cinema. Experiência totalmente diferente do que costumo fazer e que me submeti na semana passada.
 
Um grande motivo para isso foi a série de textos destacando que Divertida Mente, apesar de animação, traz à tona discussões importantes para os tempos atuais, independentemente da idade: como lidar com mudanças e frustrações do cotidiano. A mente é de uma menina de 11 anos, mas poderia ser a de pessoas de diferentes idades e momentos de vida. Além disso, o filme resgataria o saber-fazer da Pixar, que teria se perdido após a união com a Disney.
 
Dos textos que eu li, um trazia essa visão mais personalizada sobre como uma pessoa mais velha pode se identificar com a situação relatada - que no meu momento atual até me incentivou a ver o filme; o outro traz uma discussão sobre a escolha de representação mental expressa no roteiro do filme, algo mais para evolução e controle darwinista que algo freudiano.
 

"Agora me engane!"

Nunca tinha visto uma animação no cinema, mas sabia que é tradição da Pixar colocar um curta-metragem antes. Após os trailers de futuros lançamentos infantis - como o de Carrossel, que segue o modelo Globo/Globo Filmes de aproveitar o sucesso na TV para expansão ao cinema, mas partindo do SBT, algo inédito por essas bandas -, apareceu uma ilha com um vulcão em erupção. A menina ao lado, acho que com 7 anos, explicava a avó que ainda não poderia ser o filme.
 
Já aí aparece um tema também comum, e acho até que de mais fácil identificação por parte deste que escreve: a solidão. Sempre feliz, o vulcão movimenta um sistema biológico que deixa a todos felizes, até que percebe que todos os outros seres têm seus parceiros, menos ele. A tristeza modifica a música que canta diariamente e faz sua lava sumir, destruindo todo o ecossistema do entorno e fazendo com que a ilha vá sumindo aos poucos.
 
Até que ele percebe que uma possível companheira estava no fundo do mar, também esperando por este encontro, mantendo-se pela música dele. Quando ela surge, ele já está sem forças para cantar e a solidão quem passa a sentir é ela, que não o vê.
 
A história continua e, claro, com um final feliz, mas já traz uma temática diferente, inclusive porque vulcões dificilmente são humanizados, estando mais ligados a tragédias, que a um movimento natural da natureza.
 
 
A Alegria no comando
Rapidamente, a história se desenrola dentro da cabeça de Riley, uma menina de 11 anos que vê sua vida mudar completamente quando sua família muda de cidade - sei bem como é e quase que com a mesma idade. Com o tempo, a melhor amiga arranja uma substituta para jogar no time de hóquei na cidade, as dificuldades de entrosamento na nova escola e no novo ciclo de idade, a ausência do pai por conta do trabalho,...
 
Isso se torna visível a partir da sala de comando da sua cabeça. Alegria foi a primeira a aparecer, assim que ela abre os olhos na maternidade, sendo acompanhada ao longo do tempo pelo Medo, Raiva, Nojo e Tristeza - a quem ela não vê sentido algum de existir, porque "estraga tudo". Num desses "estragos", Alegria e Tristeza saem da sala de comando e a história segue essa trajetória.
 
Até por prestar mais atenção nas duas meninas no entorno, e nos comentários dos adultos responsáveis, quase não consegui sentir algo mais próximo. Quer dizer, o quase fica por conta da parte que a "ilha do hóquei", uma das lembranças-base da vida, desaba. Já tive perto da minha "ilha do futebol" sumir, foi justamente aí que vi que as coisas tinham que mudar. É o tipo de lembrança que se desaparecer eu provavelmente também desapareça junto.
 
 
 
O filme consegue trazer temas de uma profundidade grande até para nós adultos, mas com a suavidade e o humor suficientes para as crianças, que ainda não estão acostumadas a lidar com a depressão, algo que Riley alcança na reta final da animação com a ausência de quaisquer sentimentos. Além de algo também inesperado para um filme infantil, a importância dos momentos de tristeza, algo que costumeiramente negamos quando vemos as outras pessoas sentindo.
 
De curioso, os comandantes das salas de sentimentos do pai e da mãe serem, respectivamente, a raiva e a tristeza, com referências ao esporte - quando o pai está "viajando" na mesa de jantar - e ao modelo ideal de homem - quando a mãe percebe que ele não está prestando a atenção. 
 

 

sexta-feira, 3 de julho de 2015

"Não há arte fora da vida" - O velho Graça

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2012 marcou o 120° ano de nascimento de Graciliano Ramos. Algumas atividades e publicações foram destinadas à data. Dentre elas, uma reedição da biografia "O Velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos", escrita pelo jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Dênis de Moraes.

Li a versão de 1992 após entregar a dissertação, ainda no Rio Grande do Sul, em 2013. Importante frisar, buscava lá me manter ligado a Alagoas, especialmente a partir dos livros, e Graciliano serviu como importante elo. No mesmo ano, a Bienal do Livro de Alagoas teve como homenageado o mestre Graça, 60 anos após a sua morte, e assisti a uma palestra de Dênis sobre o autor alagoano.

Por motivos que não vêm ao caso, só pude adquirir a nova edição no ano passado, aproveitando para comprar a versão fotográfica de Vidas Secas a partir das lentes de Evandro Teixeira, que daria de presente a alguém importante. Por sinal, foi este mesmo alguém que me estimulou a finalmente tirar "O Velho Graça" da fila.

Na biografia, vemos como um autor como Graciliano foi forjando sua intelectualidade a partir de uma formação sociocultural tão nossa. É a Alagoas da capital ao Sertão, com seus problemas individuais e coletivos, que está exposta em sua produção literária. Além disso, é a construção aqui e no Rio de Janeiro, com passagens na prisão na ditadura Vargas e na União Soviética, já enquanto membro do Partido Comunista do Brasil, que passamos a conhecer.

O homem de normalmente poucas palavras aparece a partir de suas faces e de falas e textos seus e de outros que o acompanharam. Como não consigo ser próximo na escrita, há determinada característica que talvez me acompanhe - talvez também como construção de uma marca:


Graciliano fora "descoberto" graças a dois relatórios mandados ao governador de Alagoas para prestar contas sobre a prefeitura de Palmeira dos Índios, já na casa dos 30 anos, publicando Caetés aos 40, mais velho que seus companheiros da geração regionalista (de 1930) do romance brasileiro - caso de nomes como Rachel de Queiróz, José Lins do Rêgo e Jorge Amado.


Uma marca que segue na sua vida é não conseguir viver da literatura, apesar de posteriormente ser reconhecido como um grande escritor - por mais que ele não achasse seus livros lá grandes coisas. Saiu da prefeitura para ir a Maceió trabalhar rapidamente na Imprensa Oficial, seguiu a serviço do Estado até ser preso anos depois por supostamente ser ligado ao comunismo.

De navio, sairia do Rio de Janeiro para ficar mais de 10 meses no total na prisão por crimes os quais nunca foram investigados, na verdade, mal havia de concreto a dizer - mesmo depois de morto alguém do DOPS telefonaria ao hospital para confirmar se o "comunista" morrera e encerraria o fichário apenas 30 anos depois disso. Ainda assim, Graciliano chegou a ir para a pior das prisões na ditadura Vargas, em Dois Rios. Observador, é dessa experiência que surgiram os volumes de Memórias do Cárcere, que até hoje gera certa polêmica.


Graciliano encontraria com Getúlio Vargas ao acaso numa praia do Rio de Janeiro anos depois. O presidente estenderia a mão e recebia um desdém do escritor, que não esquecera do que vivera - e quase morrera - apesar de precisar de trabalhar também em alguns serviços do governo, que no setor cultural nomeara importantes nomes da literatura como servidores.

Só na década de 1940 é que Graciliano entra no PCB, especialmente porque não se via no ofício da luta, pois a sua única arma era a escrita - algo também que admito para mim. Entra no partido principalmente por sempre se colocar contra os desmandos com as classes trabalhadoras, mesmo não tendo ideais revolucionários, como aponta em determinados trechos Dênis de Moraes, entretanto o momento era fundamental para um posicionamento, ao final da Segunda Guerra Mundial e em plena Guerra Fria.


Graciliano viveu muitas situação complicadas no partido. Discordava de muitos posicionamentos, caso do aparelhamento da Associação Brasileira de Escritores, com direito a brigas entre literatas nacionais, mas cumpria as decisões vindas. Por exemplo, candidato a deputado em Alagoas, faz uma espécie de contra-campanha, ganhando poucos votos, mas ocupando o espaço e a ordem dada.
 
Sua principal batalha fora contra o realismo soviético, baseado nos informes de Zdanov, que pretendia forçar que os escritores produzissem obras que expusessem os problemas do capitalismo e apontassem o socialismo como única fonte salvadora. Graça defendia a liberdade do autor, que exibiria as contradições do sistema dada a impossibilidade de ir a fundo num relato social sem bater de frente com casos assim, mas sem interferências diretas sobre como a história deveria ser ao final.
 
Concordo com ele e essa é uma temática que muito me interessa desde a iniciação científica sobre a estética marxista a partir principalmente da obra de Lukács - e das leituras de clássicos literários que fiz antes e depois da pesquisa. A arte tem o poder de desvelar a realidade, mostrando coisas, inclusive, à frente do seu tempo, independente do posicionamento político-ideológico de quem produz. Forçar uma história é tirar o véu de algo maquilado, não mostrando a verdadeira face por trás.
 
Isso o deixou muito desmotivado, principalmente por conta da pressão vinda do partido para que alterasse o livro de memórias da prisão, Memórias do Cárcere, que acabaria sendo publicado após a sua morte sem o término. Nele, Graça humaniza tanto os criminosos presos com ele quanto as figuras do partido, que eram exaltadas enquanto militantes, mas com defeitos (físicos) expostos - sem qualquer edição à lá Stálin. Essa mini-perseguição junto ao excesso de trabalho necessário para ganhar dinheiro para sobreviver o levaram a atrasar o término do livro.


Como o livro foi publicado após a sua morte, há uma pendenga que de vez em quando aparece sobre uma possível edição a mando do PCB antes da publicação, algo negado ao se comparar os originas manuscritos com o que fora publicado. O relato Viagem já traria problemas pelos questionamentos feitos ao longo da visita aos países soviéticos, já que importunara com perguntas inesperadas.
 
Essa preocupação de Graciliano traz uma visão sobre a produção literária muito importante, além de expor uma opinião - que eu tendo a concordar também - de que a obra não necessariamente alcançaria e descreveria a vida dos operários, pois os autores geralmente estão na burguesia e não poderiam vivenciar as reais necessidades das classes subsumidas.


Para encerrar, ainda nesse quesito de forma de produção, Graciliano fora reconhecido pela secura de seus textos - talvez com exceção do inicial Caetés. Como diria Heloísa, sua esposa, do jeito que ele cortava os textos, com auxílio de uma régua a realizar dois traços paralelos e proporcionais, acabaria apagando todo um livro - algo que quase fizera em suas traduções, ao tirar "exageros" presentes em obras de autores estrangeiros.
 
Retiro o comentário que carrego comigo quando tenho que cortar palavras, parágrafos e/ou páginas para chegar no limite permitido pelas publicações:


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MORAES, Dênis de. O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos. São Paulo: Boitempo, 2012.