sexta-feira, 29 de abril de 2016

O Coração da Loucura

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De todos os meus receios, o ficar louco é o meu maior medo. Patologias psicológicas fazem parte da minha família e em 9 meses de terapia foi essa questão familiar a única que me fez chorar numa sessão. Isso me fez ter maior interesse quanto a esse tema e com o processo terapêutico venho me observando e às outras pessoas ainda mais. Quando soube de "Nise: O coração da loucura", fiquei muito interessado. A psiquiatra alagoana revolucionou o tratamento de esquizofrênicos.

Houve pré-estreia no final de 2014 de "Olhar de Nise", um documentário sobre ela que deu muito o que falar entre os produtores locais - pois impediu abertura de edital para investimento aqui. Tentei ir, mas a sessão estava lotada. Ingressos só para os convidados do governador. Fiquei chateado.

Envolto, para variar, em atividades de trabalho, esqueci da estreia na quinta-feira da semana passada. Não pude ir no sábado porque estava me sentindo mal, e ainda assim tive uma reunião de pesquisa pela manhã. Tinha me programado para ir hoje e quase desisti, até lembrar que tenho artigos para fazer e avaliar ainda no final de semana. Uma viagem de ônibus da UFAL até o Cine Arte Pajuçara de 2 horas, após algumas na biblioteca e outras em reunião.

Mas valeu a pena. Ao final, aplausos foram dados para uma importante pessoa nascida em Alagoas que pouco sabemos no cotidiano de nossa formação escolar - e que, pelo jeito, menos ainda saberemos, com o andar atual das coisas. Num trecho do filme, o médico a acusa de ser comunista e querer fazer testes com os clientes da mesma forma que ele, adepto da lobotomia. Ela responde que a diferença é que o instrumento dele é algo para quebrar gelo - que seria mais rápido para tirar parte do cérebro - e o dela é o pincel. Curioso que em tempos de acusação de doutrinação política à esquerda, Nise sempre tenha sido pouquíssimo tratada em Alagoas; assim como a escolha político-ideológica de Graciliano Ramos - ambos presos no mesmo período na ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas, aparecendo nas Memórias do Cárcere. Mais fácil citar pessoas de fora como referência...

O filme dirigido por Roberto Berliner e protagonizado por Glória Pires trata de política apenas neste ponto e na necessidade de exposição das obras dos clientes do Hospital Psiquiátrico Pedro II em meio ao cerceamento dos colegas dela de hospital. Uma escolha que foca em 1944, na sua volta ao atendimento depois de ser afastada por 8 anos por motivos políticos, no curto espaço de tempo, inclusive, que o PCB foi legal - Jorge Amado se elegeria deputado federal pelo partido até ele se tornar novamente clandestino anos depois, algo que está descrito em "Um chapéu para viagem", de Zélia Gattai. Nise não aceita o eletrochoque e a lobotomia como tratamentos médicos e é deixada no setor de Terapia Ocupacional, abandonado.

O longa-metragem em si, tem alguns problemas. A câmera na mão, com as tremidas naturais deste método, deram-me agonia desde o início, parecendo-me desnecessária na maior parte das vezes. O desenrolar da história parece também deixar algumas coisas a resolver, inclusive se o objetivo era fazer uma espécie de relato biográfico. A fala final de Nise não fecha a história e a sensação de querer muito mais permanece.

Entretanto, se valeram os aplausos, ver o filme e a sensação de querer conhecer mais sobre ela é porque as personagens são excepcionais. A evolução artístico-psicológica de cada um ao longo do filme, em diferentes formas de expressar o inconsciente, é incrível; assim como a relação com os animas. Os gatos com Nise e os cachorros com os pacientes. O diálogo com a teoria junguiana, representada nas cartas trocadas e em momentos de análise, geram bastantes reflexões e muita curiosidade sobre como se prosseguiu.

Eu saí arrepiado da sala de cinema e em muitos momentos me emocionei lembrando do que me levou a visitar um hospital psiquiátrico e o que ainda vi por lá. Além dos momentos de riso. De fato, uma pessoa que tem muito a ensinar sobre tolerância.


"Nise: O coração da loucura" está desde a semana passada em cartaz no Cine Arte Pajuçara, em Maceió, e segue ao menos até a próxima quarta-feira. Sábado e domingo às 14h, 16h e 20h15; segunda-feira às 14h e 16h; e terça e quarta às 16h15,

Veja abaixo o trailer do filme e neste link uma entrevista realizada com Nise em 1992.

terça-feira, 26 de abril de 2016

Seu Amaro

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Nos últimos anos, desde a minha volta do Rio Grande do Sul, que costumo ir sozinho ao Rei Pelé. Então as minhas companhias variam muito. Tem jogos que eu tenho gente para conversar, do nada, e outros que fico mais no meu canto. Mas a maior parte dos casos é de arranjar parceiros de papo e críticas ao time, por se tratar de azulino.

No domingo, no jogo que definiu o nosso calendário para 2016 e 2017, não foi diferente. Ao meu lado esquerdo tinha uma família, de diferentes gerações. Antes de o jogo começar, o senhor exatamente ao meu lado começou a falar comigo sobre a vida dele a partir da chegada de nuvens negras e a possibilidade de chuva. Comentei com ele que em Coruripe estava chovendo desde cedo e aí ele começou a me falar das idas e vindas pelo interior de Alagoas.

"Quem é honesto não ganha dinheiro"
Seu Amaro foi encarregado de obras a vida inteira, percorreu Alagoas, chegando a morar quase que um ano fora de casa acompanhando obras, mesmo assim não conseguiu ficar rico, pois "quem é honesto não ganha dinheiro". Hoje, tem 79 anos, aposentado - mas faz algumas coisinhas ainda -, mora em Recife e veio a Maceió só para ver o jogo. Ele não gosta de ir a estádio, mas sempre é levado porque um dos netos compra quatro ou cinco ingressos e um é o dele.

O sonho de Seu Amaro era que um dos 7 filhos e 4 filhas fossem arquitetos, já que ele fazia os projetos, responsabilizando-se pela obra no lugar do engenheiro em muitas vezes. Em Coruripe mesmo ele começou a construir uma rodoviária, que não chegou a terminar a obra porque faltaram recursos. Depois de um tempo, os metais foram se fragilizando e o prédio caiu.

Nenhum dos filhos de Seu Amaro se tornaram "doutores", mas porque eles não quiseram, pois ele deu as oportunidades. Ele perguntou qual era a minha profissão. Quando respondi que era professor, ele me disse que tinha uma filha que era professora em duas escolas, sendo diretora em uma, mas que sempre fala para que ela garanta a vida fazendo concursos. O que me deixou na dúvida sobre o que ele considera como doutor.

Logo em seguida ele tratou de um filho que tinha emprego e começou a apresentar atestados porque não queria trabalhar. Acabou perdendo o emprego e está há um ano sem nada, mas que se não fosse por ter um pai que tivesse condições como ele viveria?

Quando eu comentei que no momento atual está mais complicado arranjar emprego, ainda que concursos seguem ocorrendo, ele veio me falar da quantidade de desempregados e que a situação só mudaria quando "essa mulher sair, mas ela está quase saindo né?". Fiquei quieto e ele seguiu a conversa para um outro caminho, falando que se a esposa e ele não estivessem vivos, seria bem difícil manter as reuniões da família, dxs 11 filhxs e dxs 25 netxs. Que no final do ano alugam uma chácara para reunir todo mundo.

Paramos de conversar pelo clima de pré-jogo aumentando. Depois disso, só falamos de futebol. Didira perdeu pênalti para o CSA e ele passou o resto do jogo dizendo que até o próprio, com 79 anos, faria e que o Azulão tivesse que ter cuidado porque uma jogada do Murici e acabaria perdendo o jogo.

Como algumas pessoas sabem, o CSA se classificou para a final e garantiu calendário para 2016 e 2017. Seu Amaro, o genro e os netos e netas foram para a casa normalmente. Fiquei pensando depois que se fossem outras pessoas, só por ele ter se posicionado sobre um acontecimento político diferente do que defendo, pararia de falar ou, pior, discutiria em meio a um jogo de futebol sobre isso. Claro que é importante frisar que da parte dele não houve ofensa pela presidenta ser mulher nem nada, mas só o senso comum sobre a relação com o desemprego. Fica a lição prática.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Sobrevivi aos 27!

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Escrevo isso antes das 9h55, horário oficial de aniversário, até pelo tanto de coisas a serem feitas. Pelos últimos anos, imagino que foram algumas dezenas de parabenizações na linha do tempo do Facebook, às quais a chamada deste post deve agradecer.

Eu não gosto de aniversários, então não estranhem eu ter me escondido aqui e acolá para evitar qualquer tipo de comemoração. É simplesmente por eu não achar que eu tenho que comemorar algo - já foi pior (e eu me diverti relendo agora). Na verdade, a única data agora é o dia 19 de agosto, que me possibilitou fazer o que eu adoro.

Esse ano foi tremendamente complicado. Lembro bem do porquê eu escolher ficar incomunicável ano passado e o que veio depois (forte crise de depressão em julho, crises menores depois, que geraram outros tantos problemas físicos). Nem o trabalho, a coisa com que eu completo o meu vazio, dava conta. Ainda assim, eu fui trabalhando, fui fazendo o que minha consciência dizia que tinha que fazer, empurrando-me para as coisas. E comecei a terapia, de onde vem o título da sobrevivência aos 27, que, apesar de ser fundamental nesse processo de sobrevivência mesmo, ainda preciso melhorar muito, preciso dar o meu passo atrás: aprender a viver. Eu estudei, eu trabalhei, mas não sei como é viver. Normalmente até fico mais naturalmente deprimido nas semanas antes do aniversário, este até foram menos - tirando a sexta-feira passada, em que houve um complô de situações de um dia cheio para acontecimentos que me deixaram bem mal.

Como penso tudo com antecedência, o mote deste texto seria o convívio com as outras pessoas, tantas que me parabenizaram hoje e tantas outras que eu temo ter/manter contato. Desses parabéns mesmo, tentando não ser (tão) pessimista, devem ter sido pessoas de diferentes momentos da minha vida e, consequentemente, de diferentes locais, alguns dos quais sinto enorme saudade. Parece que apesar do meu jeito, tem algo que faz com que estas pessoas gostem de mim. Por aí eu posso ficar com a consciência tranquila de que ao menos não devo ter feito (tanta) coisa ruim com as outras pessoas, algo com que me preocupo bastante.

A partir disso que trato do segundo ponto, agora pessimista, que entra na história do saber viver. Não consigo manter relacionamentos sociais, contato, apegos. Neste ano que passou, ainda que não tenha sido meu maior baque, a perda da minha avó enquanto eu estava em outro lugar (de militância desta vez) pesou. O quanto eu perdi tempo por estar envolvido em tantas coisas, menos em viver? Ainda assim, pouco fiz para mudar o quadro com bons parentes e família. Ainda não consigo. Nesse conjunto entram as tantas pessoas que eu não quis/quero me afastar, mas que isso ocorre "naturalmente" pelo meu jeito de ser.

É um problema sério, agravado neste período porque nos raríssimos casos em que eu faço mais que o possível para não me afastar, a escolha alheia foi agradecer por eu fazer isso. Algo que deixou marcas e pesos que sigo carregando, mesmo que todo mundo me diga que não deva mais. Afinal, nem eu tentando eu consigo me manter próximo a quem quer que seja?

Estou me esforçando para me entender ainda mais, cobrar-me menos, saber dizer não às atividades, mas tenho muitas dúvidas se conseguirei aprender a viver. Temo ter perdido muito tempo e seguir perdendo, mas ao menos do ano passado para cá eu escolhi tentar. Que ano que vem eu tenha esta data também para comemorar algo.