terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Oh, Admirável Mundo Novo!

Quando costumo dizer que 1984 é o livro que mais gosto, algumas pessoas me indicavam Admirável Mundo Novo (1932), de Aldous Huxley. "Este seria ainda melhor que o livro de George Orwell", me contavam. Além disso, acabei por ver algumas comparações entre as duas obras e, é claro, tendo como referência a sociedade atual.

Li rapidamente o livro, aproveitando-me de uma opção de diminuir o tempo à frente do computador após meses de trabalho quase incessante na dissertação, leituras, documentos, projetos, etc. Como sempre quando eu crio muita expectativa com algo quase sempre saio frustrado. Desta vez, é verdade, um pouquinho frustrado. Mas isso ocorreu mais por uma grande identificação com Winston, de 1984, que pela falta de força deste livro, cujos comentários seguem a seguir.

Comunidade, Identidade, Estabilidade
A minha leitura de Admirável Mundo Novo identificou quatro partes que são contadas ao leitor. Na primeira, estamos entre os jovens estudantes Alfas a quem o Diretor de Incubação e Condicionamento apresenta como se dá a reprodução da espécie humana. Da forma mais "natural" possível, ele vai nos mostrando como de "natural" nada restou à humanidade no ano 632 Depois de Ford. Sim, Henry Ford, da produção seriada e massiva de um bem de consumo não durável como o carro, sendo 01 de outubro de 1908, ano de lançamento do modelo T, considerado como o momento inicial dessa nova era, em que mais importava a "comunidade, a identidade e a estabilidade", lemas do chamado Estado Mundial.

Acompanhamos como tudo ocorre de uma forma bem diferente da atual, especialmente porque não se tem mais a reprodução vivípara. Ou seja, o embrião é fecundado de forma totalmente mecânica, artificial mesmo, através de tubos e bocais. De forma que as mulheres não mais podem engravidar, com muitas delas, inclusive, já nascendo "neutras". Às que não nascem assim, são condicionadas a tomar medicamentos de maneira frequente para evitar ser "mãe", uma palavra odiosa nesses novos tempos, a ponto de ser impronunciável.

Vejamos o que o Diretor diz aos jovens sobre isso:

“Garantidamente estéreis. O que nos leva, por fim – continuou o Sr. Foster – a deixar o domínio da simples imitação servil da natureza para entrar no mundo mais interessante da invenção humana.
Esfregou as mãos. Porque, bem entendido, não se contentavam com incubar simplesmente os embriões: isso, qualquer vaca era capaz de fazer” (17).


Assim, o desenvolvimento daquela sociedade foi ocorrendo, especialmente após a Guerra dos Nove Anos, (no segundo século D.F.) quando as pessoas teriam optado pela estabilidade que por coisas como sofrimento, verdade e paixões. Para isso, a população era criada e condicionada através de uma estratificação "natural", entre Alfas, Betas, Gamas, Deltas e Ipsilones, nesta ordem de importância e com alguma graduação de mais e menos em cada nova casta.

Os trabalhos mais elevados eram feitos pelos Alfas, que vestiam verde, e os trabalhos mais difíceis - caso de se pendurar de cabeça para baixo para consertar aviões em voo - eram realizados pelos Ipsilones, que vestiam cáqui. A questão física, com os mais belos sendo das castas mais altas, é definida pela genética - que viria a se desenvolver a partir da década de 1990, ou seja, 60 anos depois da publicação deste livro. A parte de resiliência quanto a esta situação de divisão social era definida através do condicionamento por qual as pessoas passavam desde bebês, especialmente através de repetições hipnopédicas, que atuavam até mesmo durante o sono. 

Segundo o Diretor:

“- E esse – interveio sentenciosamente o Diretor [de Incubação e Condicionamento] – é o segredo da felicidade e da virtude: amar o que se é obrigado a fazer. Tal é a finalidade de todo o condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social a que não podem escapar” (19).

Vemos um grupo de bebês sendo apresentados a livros e a flores, de forma que, no melhor estilo pavloviano, é criado um grande barulho, ou até choques, quando eles se aproximam deles, de maneira que a partir daí não mais chegarão perto dessas coisas que podem tirar a estabilidade de uma pessoa.

“- Nós condicionamos as massas a detestarem o campo – disse o Diretor, em conclusão – mas, simultaneamente, as condicionamos a adorarem todos os esportes ao ar livre. Ao mesmo tempo, providenciamos para que todos os esportes ao ar livre exijam o emprego de aparelhos complicados. De modo que elas consomem artigos manufaturados, assim como transporte. Daí esses choques elétricos” (25-6).

Nesta nova sociedade, o consumo é elemento obrigatório, de forma que nada é reaproveitado, tudo é comprado. O Diretor explica que:

“- Governar é deliberar, e não acatar. Governa-se com o cérebro e com as nádegas, nunca com os punhos. Por exemplo, houve o regime do consumo obrigatório...” (49).

CONSCIÊNCIA DE SUAS INDIVIDUALIDADES
Ao longo da visita, vamos conhecendo algumas das pessoas que trabalham durante este processo, os Alfas, é claro, já que os de castas inferiores são gêmeos bokanovskianos, nascidos em 82 por óvulo fecundado! Todos iguais, que vão a ser os operários das fábricas e fazer os demais serviços mais pesados, como já dito. Assim, conhecemos Henry Foster, Fanny Crowne, Lenina Crowne e, principalmente, Bernard Marx e seu amigo Helmholtz Watson.

Como já dito, neste novo tempo as pessoas não devem sofrer, existindo o soma, um comprimido, que faz com que rapidamente qualquer angústia seja extirpada e que se caia num sono profundo a ponto de levar qualquer um a uma espécie de delírio mental paradisíaco. Como já dito, como as mulheres não precisam se preocupar com filhos e as doenças foram extirpadas da sociedade, um dos lemas de agora é que "um é de todos", assim, as relações sexuais ocorrem de forma livre e quando o homem ou a mulher quiserem. 

Em meio a tantas coisas diferentes apresentadas pelo livro, algo que acaba por parecer uma evolução, já que em sociedades machistas como a atual, geralmente os homens podem transar com quantas mulheres quiserem, enquanto estas não podem fazer o mesmo. Assim, acompanhamos uma conversa em que Fanny reclama que Lenina estaria muito tempo apenas com Henry Foster, cerca de seis meses, algo que seria desprezível para a época. Lenina diz sentir algo estranho, de querer se apegar a alguém, mas logo é desfeita da ideia.

É assim que conhecemos - em paralelo, uma estratégia utilizada no livro é de, em alguns momentos, contar cenas diferentes num mesmo capítulo, mas de maneira a não nos atrapalharmos, pelo contrário - Bernard Marx, um Alfa Mais que, dizem, teria seu bocal de nascimento atingido por álcool, o que provocara coisas diferentes nele, tanto na parte física, parecida com a de um Delta, quanto na de condicionamento. Bernard recusa-se a tomar somas para aliviar as pressões do dia-a-dia e aparece como um grande questionador desta nova forma social, lembrando de cada conto hipnopédico que fez com que as pessoas repetissem determinadas coisas, como a alegria proporcionada pelos comprimidos de soma.

Bernard crê que as mulheres são vistas e se deixam ver como pedaços de carne, prontos para serem consumidos por quem quiser a qualquer hora, mais pela vontade dos homens que pela delas. Apresenta admiração pela "pneumática" Lenina, sai com ela, mas acaba a irritando ao tentar mostrar coisas diferentes e da natureza, da forma com a qual nós conhecemos.

Ele é tão estranho que ao receber uma ameaça para ir à Islândia, justamente por conta de seu temperamento, ele fica alegre por sentir este desafio:

“Pois Bernard saiu do gabinete de cabeça erguida, exultando, enquanto batia a porta atrás de si, com a ideia de enfrentar sozinho a ordem das coisas; exaltado pela consciência embriagadora de sua significação e importância pessoais. A própria ideia da perseguição deixava-o impávido e em lugar de deprimi-lo, atuava antes com um tônico. Sentia-se bastante forte para fazer face às calamidades e vencê-las, bastante forte para enfrentar até a Islândia. E essa confiança tornava-se ainda maior pelo fato de ele não acreditar realmente, por um só instante, que teria de enfrentar fosse o que fosse. As pessoas simplesmente não eram transferidas por motivos dessa espécie. A Islândia era uma simples ameaça. Uma ameaça muito estimulante e vivificante. Caminhando ao longo do corredor, atreveu-se até a assobiar” (93).

Se Bernard Marx era o esquisito por uma falha na produção, o seu amigo Helmholtz, que trabalhava na publicidade do regime, era por ser esperto demais, mesmo para os Alfas, o melhor em tudo o que tentava fazer. A amizade dos dois foi formada justamente por sentirem que eram individuais numa sociedade com pessoas condicionadas a serem tão parecidas:

“A insuficiência óssea e muscular tinha isolado Bernard de seus semelhantes, e o sentimento de ser assim um indivíduo à parte era considerado, segundo os padrões correntes, um excesso mental , o qual, por sua vez, se tornava causa de um afastamento mais acentuado. A Helmholtz, o que lhe dava tão penosa consciência de si mesmo, e de estar totalmente só, era um excesso de capacidade. O que esses dois homens tinham em comum era a consciência de serem individualidades. Mas enquanto Bernard, o fisicamente deficiente, sofrera toda a sua vida pela consciência de ter sido um indivíduo à parte, só recentemente Helmholtz Watson, tendo descoberto seu excesso mental, compreendera também o que o diferenciava das pessoas que o cercavam” (66).

Não li tanto assim sobre a obra de Huxley, que a escreveu na França e faz parecer, inclusive no pouco que li sobre os outros livros, alguém que não era otimista quanto ao futuro. Num trecho, em que Bernard Marx vai a uma "Cerimônia de Solidariedade", em que finge sentir as mesmas coisas que os demais do grupo, temos num mesmo espaço com um Marx, Sarojini Engels e Herbert Bakunin, três sobrenomes muito conhecidos para a esquerda radical. Além de Lenina, que poderia ser uma referência a Lênin.

MALPAÍS
Por conta do emprego, Bernard pode levar Lenina a conhecer a Reserva dos Selvagens, localizada no Novo México, chamada de Malpaís, onde descobrem que há pessoas de origem Alfa Mais em meio ao que, pela descrição, parece uma mistura entre índios e o que sobrou da divindade cristã de um Deus único.

Este espaço, que causou tanto espanto e nojo de Lenina, enquanto Bernard adorava por ser tão mais natural que o Estado Mundial, era definido nas escolas da seguinte maneira:

"'uma Reserva de Selvagens é um lugar que, devido a condições climáticas ou geológicas desfavoráveis, ou à pobreza de recursos naturais, não compensa as despesas necessárias para civilizá-lo’” (150).

Lá eles conhecem Linda, uma mulher que fora levada pelo Diretor de Incubação e Condicionamento para passar um tempo e que acabou se perdendo por lá, passando a morar no local. Com uma aparência repugnante, Linda não consegue se adaptar à nova velha realidade, e sofre por conta de seu condicionamento, que diz que as mulheres são livres para ter relações sexuais com quer quem fosse. Além de sofrer com a falta de soma, que a faz ser direcionada a Popé e sua bebida alcoólica que dá uma grande ressaca depois.

É ali que ela tem um filho, John, a quem não gosta de ser chamada de "mãe", nome proibido, e que tenta dar algum condicionamento, ensinando a ler e algumas frases hipnopédicas. Porém, John acaba conhecendo uma coletânea de livros de Shakespeare, adorando as histórias e aprendendo muitas das palavras e frases utilizadas pelo autor, proibido no Estado Mundial - todos os livros produzidos antes de 150 D.F. eram proibidos, sendo substituídos por uma literatura infantil, em palavras de um Administrador Mundial, nível máximo de hierarquia.

Bernard Marx articula bem e acaba levando Linda e John, que também fora excluído das atividades locais por ser de tez branca, para a "civilização", onde começa a última parte da história.

"OH, ADMIRÁVEL MUNDO NOVO!"
John se enamora de Lenina, mas foi acostumado a enfrentar um grande desafio para conquistar a mulher amada, enquanto ela foi condicionada a pensar que se há desejo não se deve pensar duas vezes. O que gera vários momentos de grande conflito.

Além disso, a cada coisa que ele passa a conhecer da civilização ele passa a odiar. O cinema sensível, a falta de bons livros, a busca incessante pelo soma e a fuga de qualquer adversidade emocional para o bem da estabilidade. John tem especial pavor aos gêmeos bokanovskianos:

“'Oh, admirável, mundo novo...’ Por algum capricho perverso de sua memória, o Selvagem deu consigo repetindo as palavras de Miranda. ‘Oh, admirável mundo novo que encerra criaturas tais!’” (148).

Pulo algumas partes sobre Linda e a reação do "Selvagem", que fica famoso e traz alguma fama ao excluído Bernard Marx, para colocar citações do Administrador Mundial para a Europa Ocidental, Mustafá Mond, que leu todos os livros proibidos por ser ele quem proibia e criava as leis, podendo, portanto, transgredi-las impunemente:

“- Nós acreditamos na felicidade e na estabilidade. Uma sociedade composta de Alfas não poderia deixar de ser instável e infeliz. Imagine uma usina cujo pessoal fosse constituído por Alfas, isto é, por indivíduos distintos, sem relações de parentesco, com boa hereditariedade e condicionados de modo a tornarem-se capazes (dentro de certos limites) de fazerem livremente um escolha e de assumirem responsabilidades. Imagine isso – repetiu” (208). 

“- Não é somente a arte que é incompatível com a felicidade, também o é a ciência. Ela é perigosa; temos de mantê-la cuidadosamente acorrentada e amordaçada” (210-1). 

"- Nosso Ford mesmo fez muito para diminuir a importância da verdade e da beleza, em favor do conforto e da felicidade. A produção em massa exigia transferência. A felicidade universal mantém as engrenagens em funcionamento regular; a verdade e a beleza são incapazes de fazê-lo. E, é claro, cada vez que as massas tomavam o poder público, era a felicidade, mais do que a verdade e a beleza, o que importava” (213).

Para John, nada daquilo era excepcional, muito importante e o livro termina com a busca pela solidão, que ele tanto rejeitara em Malpaís, mas que tanto queria na "civilização". Afinal, como diria Otelo:

“'Se depois de toda a tempestade vêm tais calmarias, então que soprem os ventos até acordar a morte!’” (222).

Se ele vai conseguir? Basta lembrar que Huxley é pessimista quanto à evolução da sociedade.

REFERÊNCIA
HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Tradução de Vidal Oliveira e Lino Vallandro. 20.ed. São Paulo: Globo, 1994 (1932).

Um comentário:

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