quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O futebol explica o Brasil?

Adquiri O futebol explica o Brasil: Uma história da maior expressão popular do país logo depois de Como o futebol explica o mundo - Um Olhar Inesperado sobre a Globalização. O livro do estadunidense Franklin Foer é interessante por ser escrito por alguém que se apaixonou pelo futebol vendo os campeonatos europeus e as Copas do Mundo pela televisão, quando conseguia encontrar as partidas nesta. Além disso, há toda uma série de apontamentos sobre os efeitos da globalização a partir do esporte e  como determinadas "tradições", como a violência entre as torcidas escocesas e dos hooligans e a corrupção no futebol brasileiro, seguiam existindo mesmo assim.

O livro é muito bom, mas, para o que eu precisava quando o li, não era tão necessário assim. Por conta disso, optei por buscar informações sobre a constituição do futebol no Brasil em outras referências e deixar mais para frente a leitura do livro de Marcos Guterman. Ledo engano. Se é verdade que li várias coisas que já tinha conseguido em outros lugares, há um aprofundamento muito maior e, o principal, a relação com a história do país que o faz ser um excelente instrumento para quem trabalha com esta disciplina - imagina se pudéssemos aprender história com a contextualização do futebol...

Marcos Guterman tem dupla formação, é jornalista e historiador, com mestrado e era doutorando em História quando o livro foi publicado. Estes conhecimentos acabam por ser fundamentais para que possamos passar pela construção do futebol enquanto um dos elementos que passariam a conformar uma identidade brasileira. Já a partir da contracapa vemos a sua proposta: 

"O livro narra os acontecimentos do último século no Brasil, mas principalmente mostra como política, economia, sociedade e futebol estão muito mais associados do que costumamos imaginar. Assim, o esporte mais popular do mundo, se lido corretamente, consegue explicar o Brasil".

Despedida de Pelé e cia. para a Copa de 1966 com  Castello Branco
LER CORRETAMENTE
O destaque na citação vai para algo que o livro descreve muito bem e que geralmente é a grande celeuma gerada sobre este esporte - especialmente por quem não tem o afeto torcedor. Guterman demonstra os momentos de utilização do futebol pela política, mas também opta por mostrar como o futebol se aproveitou da política para garantir benesses tanto na formação de seleções quanto na de jogadores e dirigentes. Nesta segunda categoria entrariam os carros e dinheiro dado a campeões do mundo e a isenção de impostos para as mercadorias adquiridas durante Copas do Mundo, como o caso clássico de 1994.

Para a primeira categoria, os exemplos são vários, apesar de quase sempre se destacar mais as Copas de 1950 e 1970, ainda que por motivos óbvios, a utilização da Seleção para alavancar candidatos na véspera da partida final contra o Uruguai numa competição que mostraria a nossa força de organização e no esporte; e o período de "milagre econômico", com um presidente que amava futebol (Médici) em pleno período de forte censura militar em várias esferas sociais, com o AI 5 recentemente instalado.

No caso de 1970, ainda entra na conta a contratação e a demissão de João Saldanha, comunista assumido. Sobre "João Sem Medo", creio ter lido a melhor explicação (para quem não viveu no período). Guterman diz que os resultados ajudaram na demissão, sendo que a popularidade do treinador foi minada ao longo do tempo, o que rompeu quaisquer barreiras. Apesar dos boatos de que isso possa ter se dado pela não convocação de Dario (Dadá Maravilha) ou do medo de que Saldanha ajudasse guerrilheiros exilados e denunciasse no grande evento esportivo as atrocidades daquele período no Brasil. Fato é que o jornalista teve que carregar até o túmulo a acusação feita a Pelé de ser míope - o que ele realmente é, mas que em nada o dificultou naquele mundial, onde estava no auge da forma.

O Brasil ganha a Copa com uma das melhores seleções já vistas - e re-vistas posteriormente, já que foi a primeira transmitida ao vivo para o país e a primeira em cores para muitos lugares do mundo. Há uma análise sobre o "Pra Frente Brasil", marchinha criada por um publicitário, bem interessante no livro:

"Afinal, tudo o que interessava ao regime estava lá: a ideia de unidade nacional ('todos juntos, vamos'), o fim as divergências com vista a um objetivo comum ('parece que todo o Brasil deu a mão'), a paixão pelo país e pelo brasileiro que o representa ('tudo é um só coração') e a ordem de avançar, de um movimento 'pra frente', numa só 'corrente'" (178).

Mas se teve um político que soube usar o futebol como poucos foi Getúlio Vargas, o responsável por profissionalizar o esporte e que, apesar de não gostar dele, soube aproveitar dos espaços de massa do mesmo num período em que o Brasil dos campos começou a aparecer com destaque - com a terceira colocação na Copa do Mundo de 1938. Getúlio usava os estádios de São Januário e do Pacaembu para seus pronunciamentos públicos, além de controlar a Rádio Nacional, principal veículo de comunicação do país, em meio a um desenvolvimento do rádio, em muito graças à atração de audiência e, consequentemente, de publicidade, das transmissões de futebol.

Ainda assim, o futebol na década de 1980 seria um dos instrumento de publicização da campanha das Diretas Já, com destaque para a "Democracia Corintiana" liderada por Sócrates. Um sujeito diferenciado dentro e fora de campo. Por exemplo, ele disse que só sairia de Ribeirão Preto, onde jogava pelo Botafogo, após concluir o curso de Medicina, e foi jogar na Itália para cumprir a promessa de não atuar no país caso a emenda Dante de Oliveira (eleições diretas) não fosse aprovada.
O dono da bola, Charles Miller com os companheiros de São Paulo Athletic Club (1904)
DÉCADA A DÉCADA
Ao contrário de Guterman, eu acabei contando o traço que achei mais marcante do livro. Porém, ele é uma excelente referência para os pesquisadores do futebol no país por fazer a árdua jornada de dividir a história deste esporte no Brasil através das décadas, iniciando com um capítulo que explica a normatização e a espacialização do mesmo para outros países.

Tudo bem que às vezes determinados acontecimentos fazem com que o autor acabe antecipando alguns anos de uma ou outra década posterior - sempre retornando ao ponto-base da discussão realizada. Afinal, e este é um entendimento meu, apesar de o futebol poder sim ser explicado e explicar o país, ele também tem traços próprios.

Desta forma, O futebol explica o Brasil contando Uma história da maior expressão popular do país - uma história e não "a" história - passando do seu momento elitista, pós escravidão, passa pela repúblico do café com leite, Vargas, períodos de abertura e distensão, ditadura e o novo período democrático, com a abertura dos mercados industriais e também de jogadores - só que este por opção dos estrangeiros e pela crise econômica do futebol brasileiro nas décadas de 1980 e 1990. O livro termina com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente da República, cuja trajetória é comparada com a da maioria dos jogadores brasileiros, especialmente Ronaldo, que lutam muito para chegar em algum grande posto.

O livro consegue passar bem por todas as etapas, explicando tanto a história do Brasil quanto a história do esporte, com toda o avanço da mercantilização neste campo social que, porém, não perde o seu caráter apaixonante, como Guterman demonstra com o caso de Cafu, que no momento apoteótico relembra a comunidade do Jardim Irene na sua camisa. A presença dos meios de comunicação, rádio e televisão, aparece de forma mais "natural", a partir do campo esportivo, e não de certa onipresença desses instrumentos.

"Desde o início dos anos 1980, em meio à onda de desestatização no continente, rompeu-se o monopólio das TVs oficiais para as transmissões de jogos de futebol e as emissoras privadas passaram a oferecer altas somas às federações para ter o direito de mostrar os jogos. O dinheiro começou a fluir, e os times mais poderosos intensificaram a busca por grandes astros, inclusive do exterior. O movimento se retroalimentou, gerando riqueza e inflacionando o mercado. De uma hora para outra, todos os jogadores do mundo passaram a sonhar com o futebol europeu" (231).

Os dez anos que separam o último ano de análise do livro para os dias atuais, com importantes, ainda que não radicais, modificações no Brasil, no futebol praticado no país e no seu mercaod - que tem a chance em casa de apagar definitivamente o maior fantasma de sua história e reconquistar o trono do esporte justamente após 2002 -, não tiram em nada a sua relevante visão sobre o momento passado.

O futebol explica o Brasil: Uma história da maior expressão popular do país é uma importante referência para quem pretende conhecer mais e melhor a trajetória tão próxima deste esporte com o país, de como sua tradição enquanto elemento de identidade nacional foi construída. Se a história do futebol pôde ser muito bem contada desta maneira, a história do Brasil seria muito mais aprazível de ser conhecida.

REFERÊNCIA
GUTERMAN, Marcos. O futebol explica o Brasil: Uma história da maior expressão popular do país. São Paulo: Contexto, 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário