sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A construção e a destruição de mitos no esporte: o caso Armstrong

o título deste texto já seria excelente para um profundo trabalho acadêmico para analisar a construção de Lance Armstrong como mito do esporte mundial e como toda essa "divindade" foi destruída em tão pouco tempo. Chega a ser inacreditável para aqueles que acompanham e são apaixonados por esportes o que ocorre neste momento. Mais ainda, traz uma questão fundamental para as práticas desportivas profissionais de maneira geral: há limites para se conseguir vitórias?

Por mais que eu incentive algumas pessoas a aprenderem a andar de bicicleta, eu não pratico há mais de cinco anos. A minha relação com o ciclismo profissional é praticamente a mesma de alguns outros esportes, geralmente relegados a acompanhamento em Jogos Pan-Americanos e Jogos Olímpicos, quando os meios de comunicação falam sobre o assunto, e uma matéria aqui ou acolá quando da realização de uma prova no tal "Verão Espetacular" da Rede Globo. Nos últimos meses, um dos meus amigos está praticando o esporte de forma amadora e estou vendo todo o sufoco que é, seja para quem opta por corridas de pista ou de montain.

Ainda assim, o nome Lance Armstrong já era para lá de conhecido. Para além do sobrenome famoso por conta de um ídolo do jazz e do primeiro astronauta a pisar na Lua, Lance tinha sete vitórias consecutivas no "Tour de France", a principal competição do ciclismo mundial e uma medalha de bronze na Olimpíada de Sidney (2000). Mas isso tudo após vencer a batalha contra um câncer nos testículos em 1996, quatro anos após ter iniciado no ciclismo profissional. Estamos lendo, vendo e ouvindo coisas sobre um mito do esporte, alçado à categoria de um dos principais nomes oriundos do esporte como exemplo para a sociedade de forma geral.
CULPADO
As denúncias sobre um grande esquema de dopagem envolvendo o nome de Lance apareceu no ano passado e com provas irrefutáveis de que ele teria se dopado em praticamente toda a sua carreira. Os patrocínios - vitalícios, como manda o marketing esportivo a partir do neoliberalismo - foram caindo fora enquanto as investigações rolavam, mas nada era ouvido do ciclista, que se manteve em silêncio.

Manteve-se em silêncio até esta semana. Ontem, um dos programas de maior audiência dos Estados Unidos, o da apresentadora Oprah Winfrey, mostrou a primeira parte de uma entrevista com o ex-ciclista, banido dos esportes pela Agência Mundial Anti-Dopagem (WADA). Ele admite, pela primeira vez, que realmente se dopou durante este período e o fez por vontade própria, para além de possíveis pressões por resultado.

Armstrong disse que por conta do câncer perdeu parte da capacidade de produzir testosterona, hormônio masculino. A vitória sobre o câncer acabou gerando uma necessidade de mais vitórias também no esporte que praticava. Assim, ele teria chegado ao hormônio eritropoietina (EPO), secretado pelo rim e que estimula a medula óssea a elevar a produção de células vermelhas do sangue. Ou seja, a injeção deste hormônio aumenta a capacidade muscular e dá maior resistência aos atletas, algo essencial em disputas cansativas e duradouras como as de ciclismo, triatlo e congêneres. Além do EPO, ele deve ter usado também testosterona, hormônio do crescimento e cortisona.

Ele considera assustador o fato de nunca ter pensado que estava conseguindo tantos resultados, tantos fãs, toda uma mitologia a partir de trapaça. Só teve este sentido agora, por conta da quantidade de coisas que perdeu, inclusive a fundação que fundou para ajudar pessoas com câncer (Livestrong), e de pessoas que decepcionou.

A segunda parte da entrevista segue sendo aguardada pois espera-se que Lance Armstrong diga quais outros atletas e equipes, inclusive a nacional, estariam envolvidas com o esquema de doping. Segundo ele, era muito simples controlar as fugas dos testes realizados durante a carreira, foram cerca de 500, avaliando o tempo para a substância sair do corpo.

Lembrando que em 2009, a equipe de atletismo Rede teve 15 de seus atletas punidos por doping após a descoberta de um esquema montado por dois treinadores para aumentar o rendimento. Isso causou o encerramento da que era uma das maiores equipes deste esporte no Brasil - ressaltando, ainda mais, que em 2012 não ganhamos nenhuma medalha nesta prática esportiva, por mais que tenham outros motivos.

O que ocorreu com Armstrong é muito comum no ciclismo estrangeiro, mas trata-se do principal nome na história deste esporte, que conseguiu trazer uma história importante de vida para atrair pessoas que não se ligavam ao ciclismo. Algumas notícias dão conta de que pessoas de dentro do Comitê Olímpico Internacional (COI) sugerem à União Ciclística Internacional, que teria feito vistas grossas a este caso, para se retirar do programa dos Jogos Olímpicos até que o esporte esteja novamente "limpo". Tal decisão pode prejudicar milhões de praticantes profissionais em todo o mundo, que tem como principal porta de entrada de patrocínios o maior evento esportivo do planeta.

DOPING E O ESPORTE
Por mais que eu não trate tantas vezes aqui neste blog, mais na prática acadêmica, o aumento da mercantilização sobre o esporte, principalmente a partir da década de 1980, elevou as disputas esportivas para um outro patamar. Temos, para além de grandes esportistas, super estrelas, com contratos para além da esfera do esporte, cuja imagem é repassada para bilhões de pessoas cotidianamente a partir dos meios de comunicação.

O "ser exemplo", de maneira a atrair mais público a determinada prática esportiva, é buscado a todo momento por federações internacionais e empresas como forma de atrair, consequentemente, mais recursos. Ao mesmo tempo, os trabalhadores destes esportes são pressionados para a quebra de recordes e a manutenção de bons resultados. No meio desse caminho, aparecem substâncias proibidas pelos conselhos anti doping por se tratar de um incremento ao que é naturalmente produzido pelo corpo a partir de uma repetição e evolução dos treinamentos e dos materiais externos (caso dos uniformes) utilizados.

Porém, o desenvolvimento tecnológico que permite a criação de super maiôs tecnológicos, proibidos recentemente na natação, também existe para criar novas e poderosas substâncias que aprimoram o organismo humano para a prática esportiva. Assim, é praticamente impossível identificar a utilização dessas substâncias ao longo do tempo, para além das questões políticas envolvidas - e de esportes cujos eventos não têm exames anti doping, algo comum, por exemplo, em torneios de menor a médio porte do futebol.

Chegamos a um ponto em que toda vez que vem um novo recorde se pensa que será o definitivo, chegou-se ao limite do ser humano. O caso recente mais surpreendente é o dos 100 m rasos do Atletismo, em que o jamaicano Usain Bolt conseguiu reduzir quase 0s3 do que vinha sendo feito até então, com a ressalva de que Bolt tem um físico totalmente diferente dos seus concorrentes, o que gera uma arrancada ruim, mas uma recuperação e velocidade extraordinárias.

Enfim, creio que este seja um momento importante para questionarmos se vale realmente tudo, numa sociedade que cada vez mais beneficia apenas o vencedor, para conquistar vitórias importantes no currículo. e, consequentemente, sucesso e dinheiro. O que está em torno da prática esportiva profissional? Qual é a relação de pressões internas e externas envolvidas nisso? Qual o limite para a produção de super astros, cada vez mais distantes do padrão "coubertiano" de atleta?

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