segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

2019.1 Memórias do Cárcere

Comprei a edição de 2014 de "Memórias da Cárcere", da Editora Record, há alguns anos. A vantagem dela é que os 4 (versão inicial) ou 2 (das versões mais recentes) volumes estão juntos numa mesma brochura, o que ajuda a seguir na história da prisão do escritor alagoano Graciliano Ramos durante a ditadura do Estado Novo, de 1936 a 1937. Ao mesmo tempo, ao menos para mim, sabia que precisava ter mais tempo para lê-lo, o que me fez adiar a leitura do meu último livro do autor.

As férias vieram, com duas viagens em que me propus a ficar sem qualquer tipo de conexão com a internet - algo que nos tira bastante tempo. Até pelo ano corrido, o ideal era fazer isso. Para os tempos que podem se avizinhar, seria interessante também lê-lo agora. Graciliano foi preso pelo que escrevia em artigos e nos dois livros então publicados (Caetés e São Bernardo), ocupava o cargo de "secretário de educação" em Alagoas.

O livro é separado em 4 partes: Viagens, Pavilhão dos Primários, Colônia Correcional e Casa de Correção. Graciliano se mostra corajoso beirando o inconsequente, pois sabe que vai ser preso e mesmo assim fica aguardando a política buscá-lo em casa. A parte de Viagens é dedicada a isso, contando a viagem a Recife e, posteriormente, a que vai ao Rio de Janeiro, com todas as divergências existentes no navio com pessoas tão diferentes presas juntas, com Graciliano sem conseguir comer com os dejetos indo e vindo no chão. No Pavilhão, a organização é mais clara, com formação de coletivos e cursos realizados. A ida à Colônia Correcional marca o ápice da situação, com prisão num lugar em que, como diz um dos guardas, não há diferenciação nenhuma. É ali que Graciliano relata melhor o contato com ladrões comuns, que chegam a ensiná-lo como fazem furtos, que a figuras de esquerda mais reconhecidas. Na Casa de Correção, sala do Pavilhão dedicada a pessoas prestes a sair, Graciliano tem mais direitos e volta a se alimentar bem. É dali que sabe que "Angústia" é publicado.

O livro carrega uma polêmica desde que foi publicado, após a morte de Graciliano e, por isso, sem o capítulo final. O PCB, ao qual se filiou na década de 1940, teria censurado trechos do livro junto ao filho Ricardo Ramos? O tema veio à tona porque Graciliano descreve com uma visão positiva alguns ladrões, ao mesmo tempo que mostra militantes comunistas como de fato eram, incluindo aí características físicas, num momento histórico de reconstituição de heróis numa visão stalinista (até mesmo sobre como a arte deveria ser utilizada para a luta social). A relação com o ladrão Gaúcho na Colônia Correcional tem mais destaque do que outras e mesmo na ida à Cassa de Correção, Graciliano destaca a saudade da conversão com Gaúcho e outros ladrões.

Como o intuito deste texto é marcar os livros lidos durante o ano, não nos estenderemos. Como destaque final, é curioso como esquecemos ao tratar de Getúlio Vargas das ações realizadas durante a primeira passagem na presidência, sob golpe, com prisão de pessoas com opiniões contrárias ("comunistas") - com direito à entrega ao governo nazista alemão de Olga Benário, grávida, e Elisa Berger, além de aliciamento de sindicatos. Em outro livro, Graciliano afirma que, na década seguinte, encontra Getúlio na praia e evita cumprimentá-lo. Lições da história.

RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. 48.ed. Rio de Janeiro: Record, 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário