terça-feira, 15 de dezembro de 2015

[Viagem] Vai para Cuba, sim!

Ao contrário de algumas outras pessoas de esquerda, eu não tinha nenhuma vontade de ir à Cuba por achar que seria um "paraíso revolucionário". Minha vontade era de ir e tentar observar as deficiências de um modelo político centralizado, mas prestando a atenção para as diferenças positivas, que normalmente são escamoteadas quando se trata do país, uma das quais passou a aparecer aqui no Brasil após o Programa Mais Médicos.

Quando surgiu a possibilidade a partir de uma atividade de trabalho, o congresso da ULEPICC, comecei a me preparar financeiramente para a viagem e coloquei o evento como um dos que iria em 2015. Financeiramente foi ainda mais necessário pelos cortes de verbas na educação este ano. Havia pedido só diárias no início do ano para um congresso internacional em São Paulo e nada consegui, imagina passagens e/ou diárias para outro país...

Como tive problemas emocionais este ano, com uma forte crise derivada de estresse em junho, meu calendário de produção acabou atrasando e por diferentes momentos decidi por não ir à Havana. Pela primeira vez não consegui escrever o trabalho a tempo, mas depois prorrogaram o prazo. Havia desistido novamente porque o grupo que ia desistiu devido ao aumento do dólar e, consequentemente, do valor da passagem para lá. Mas fui convencido em outubro da necessidade de ser mais uma vez brasileira no evento.

Como ir
Para ir à Cuba, o visto pode ser pedido nas embaixadas no Brasil, com cópia das primeiras páginas do passaporte, comprovante das passagens e endereço do local em que se vai ficar. Se presencialmente, o retorno é na hora. Por Sedex, tempo de ir e vir, mais um prazo de 72h na embaixada. Fiz por Sedex e foi tranquilo, recebendo a tarjeta de turista. Além disso, recomenda-se tomar vacina contra febre amarela e ter seguro de saúde, apesar que não cobraram nenhum deles por lá - e felizmente eu não precisei.

Optei por hotel por não conhecer ninguém por lá, mas há muitas casas de famílias que alugam quartos. Depois que reservei o hotel é que tive uma oferta de ajuda para uma destas casas, entretanto acabei mantendo a ideia inicial até pela praticidade por conta do evento. O hotel era à beira da praia, num trecho não desfrutável, com estrutura antiga - dois dos três elevadores sempre quebrados -, mas próximo do Palacio de Convenciones de La Habana, onde ocorreria o evento; entretanto, distante de Habana Vieja, ponto turístico.

Dos voos, há pela Copa Airlines e pela Avianca. Fui pela segunda e escolhi um trajeto que demorasse menos tempo tanto na ida quanto na volta devido à reta final do semestre, que me fez também estar lá só nos dias do evento. O cansaço é ainda maior porque tive que pegá-lo em São Paulo. Então foram três voos seguidos com algumas horas nos aeroportos entre um e outro, o que cansa bastante. A diferença de fusos - sair de -3 para -2 e depois chegar em -5 - não fez tanto impacto. Colegas tiveram problemas de atraso da Avianca na ida via Lima. Comigo não houve problema.

Houve também quem conseguiu uma promoção de última hora, em novembro, e pagou cerca de R$ 1700 saindo de Recife. Então, planejar e ficar de olho em promoção até o último instante é uma boa. Com o aumento do dólar, só houve promoção para lá em julho e esta inesperada de novembro.

Economia
Sabia do embargo econômico promovido pelos Estados Unidos que, com a fragmentação da União Soviética, piorou a situação de manutenção do país. Nestes dias de mudanças na América Latina, em alguns momentos percebia-se a incerteza sobre o que pode ocorrer caso os parceiros que existem fossem governados por políticos não bolivarianos.

Não pude tirar dúvidas sobre como o governo paga, dá a ração básica aos locais. Mas uma das funcionárias do hotel falou de ter um filho estudante Medicina nos Estados Unidos e uma amiga brasileira comentou que no caso dos médicos cubanos no Brasil, mesmo com a contrapartida ao governo, eles ganhavam muito mais que lá, podendo enviar dinheiro às famílias.

A cidade e a população conta bastante com o turismo. E eram vários de diferentes países, mas com uma presença pequena de brasileiros no dia a dia da cidade. A outra língua era o inglês, "porque todo mundo fala em inglês". Perguntei a uma garçonete se brasileiros não iam muito por lá e a resposta foi não. Quando dizíamos que éramos brasileiros a resposta era algo como "gosto muito do Brasil. Samba, Ronaldo, Neymar Júnior". Segundo a garçonete, vão lá italianos, franceses, europeus de forma geral e estadunidenses em menor quantidade.


Sobre a moeda, o diferencial é que o impacto da estrangeira é ainda maior. Em peso cubano tudo é muito barato, por exemplo, você vai ao cinema pagando algo em torno de R$ 0,50. Como há o peso conversível (CUC), quase que a 1 dólar por CUC, a diferença é imensa. Para turista, o ideal seria conseguir trocar por peso cubano, mas isso é muito difícil de se conseguir. Em CUC, a viagem acaba ficando um pouco mais cara, ainda que se consiga procurar comidas não tão caras e transportes colectivos locais - destaque aos Ladas cheirando à gasolina e tremendo em cada parada -, em que se paga bem menos que em transportes privados. Ônibus que vi, geralmente lotados e sem qualquer preocupação de entrar mais outra pessoa.

Do que me incomodou, a ofensiva ao turista. Quando fui com colegas ao Museu da Revolução, houve uma aproximação para ajudar a tirar fotos. Fomos a um forte à beira-mar e tinha mais cubanxs querendo oferecer ajuda que turistas. Eu particularmente não gosto de aproximações deste nível de desconhecidxs, mesmo nas cidades turísticas brasileiras. Além das ofertas por olhar das mulheres, algumas menores de idade, em Habana Vieja. Ainda que tais características sejam de áreas turísticas. 

Algumas mulheres brasileiras reclamaram bastante de assédio: "cosita muy linda" e alguém dizer que tem dois sonhos, o Brasil e ver os seios. Os preconceitos específicos seguem mesmo com uma formação educacional muito boa e acaba demonstrando outros problemas que deveriam ser pensados e discutidos. Quanto a homossexuais, vi bem poucos casais nas ruas de lá, mas houve uma reclamação no evento para que a Universidad de Habana e o Ministério da Educação se preocupasse mais com a diversidade de fato.


E isso era uma curiosidade que tinha: como são as críticas ao governo? No evento, algumas apareceram e ninguém reclamou ou foi autoritário, como muita gente acredita no Brasil quando manda alguém ir à Cuba como algo depreciativo. A infraestrutura de internet é, em especial, muito criticada, por faltar políticas ideais para isso. Para se ter uma ideia, a proposta do governo é de até 2020 metade da população ter acesso à banda larga, que lá equivale a 256 kps.

Há uma defesa do processo revolucionário e do governo, mas de forma crítica. Professorxs que tiveram maior contato com estudantes da universidade se surpreenderam com o alto nível de formação educacional. Entende-se que a educação é fundamental, ainda mais num país que precisou formar médicos, arquitetos, engenheiros e demais "profissões nobres" após a revolução, já que a elite cubana fugiu para os Estados Unidos.

Do dia a dia, uma experiência interessante foi quando um amigo professor pediu o crachá de uma cubana que estava num evento paralelo no Palacio, da indústria farmacêutica, para pegar um refrigerante do coffee break deles. Ela disse que precisava de um ticket, mas dividiu o dela com ele. Depois, todxs do círculo de sofás dividiram conosco o refrigerante Uma solidariedade que me impressionou.


Para turista ver
Havana é uma cidade belíssima, com várias construções mantidas há décadas e com cuidado em se reformar - igrejas nelas incluídas -, alguns carros antigos muito bem conservados e uma série de museus. Apesar de imaginar que não conseguiria sair, na terça à tarde e à noite andei bastante por Habana Vieja, conhecendo o Museu da Revolução, em especial, além de outros locais. Há a história passo a passo do processo revolucionário, mas pouco destaque para a participação feminina nele - parece que há outro local em que elas aparecem. Fiquei impressionado com a montagem em tamanho real com Che Guevara e Cienfuegos (na foto acima).

Saímos para o Museu de Arte Contemporânea, mas estava fechando, e ficamos apenas no térreo, com obras interessantes, com destaque para uma reprodução de cela de prisão, que ao lado contava com uma sala de aula, para que o visitante sentisse na pele a prisão antes da revolução. A ideia de não esquecer as agruras do passado, que no Brasil pouco incentivamos.

Cheguei a passar por duas vezes pela La Bodeguita del Medio, bar/restaurante mais conhecido de Havana, com assinaturas dos visitantes nas paredes e uma série de fotos com pessoas de todos os lugares do mundo, incluindo Lula e artistas brasileirxs, de quando visitaram o lugar. Além disso, quase sempre há música ao vivo na entrada do bar, com as pessoas cantando junto.

Isso é algo interessante de apontar, culturalmente também é fantásticos estar em Cuba. Música e cinema, em especial, são coisas bem presentes no dia a dia. Estava em andamento o Festival de Cinema da cidade, não pude acompanhar ou conhecer cinemas por lá, mas me disseram que há salas com capacidade de até 700 pessoas e filas enormes de cubanos para assistir aos filmes do festival - dentre os quais estava "Que horas ela volta?". Sessões muito baratas.

Vai para Cuba!
Parando por aqui porque já falei demais, mas há muita coisa para se ver e analisar em Havana. Há uma representação sociocultural bem diferente da que vemos em outros lugares do mundo e aproveitar a estadia lá é algo muito bom e tranquilo - não há violência, nem meninxs de rua, nem pedintes, no máximo alcoólatras, que não mexem com ninguém.

Eu fui a trabalho, que cumpri, mas deu vontade de voltar e saber ainda mais da cidade. Além disso, por se tratar de um evento, faz parte da parte boa os encontros e reencontros, que para mim fizeram valer ainda mais o tanto que eu gastei com a viagem.

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