sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Grandes Capitães da Areia

dois ou três anos eu li Capitães da Areia (1937) e fiquei encantado com a história de Pedro Bala e os demais meninos que moravam no velho trapiche à beira-mar. Depois de 1984, de George Orwell, creio que seja o livro que mais me marcou após a leitura, porém, nunca tive tempo para poder escrever, nem que fosse um pouco, sobre ele. Só lembrei disso hoje porque é o dia em que o escritor baiano Jorge Amado completaria 100 anos.

Jorge Amado foi eleito deputado federal em 1945, representando o Partido Comunista Brasileiro (PCB) de São Paulo, mas foi destituído do cargo com o decreto de clandestinidade do Partidão, partindo para a França num "exílio voluntário" em 1948. Por conta destes fortes traços políticos, o autor consegue representar muito bem as contradições do sistema e foi isso que muito me marcou em Capitães da Areia em particular.

Confesso não ser um leitor habitual de Jorge Amado - como sou de seu contemporâneo Graciliano Ramos. Antes deste, só havia lido trechos de Gabriela, cravo e canela (1958). A minha referência de sua obra estava restritas às transcriações para a TV e para o cinema que, além de Gabriela - que voltou ao ar pela Globo este ano -, também contou com Tieta do Agreste (1977) e Dona Flor e Seus Dois Maridos (1966). Portanto, referenciais bem menos políticos que outras obras. Tenho aqui comigo Farda, fardão, camisola de dormir (1979), mas não tive tempo para ler 

PEDRO BALA E UMA NOVA SOCIEDADE
Por conta da distância temporal, creio que a voracidade que escreveria naquela época não seja a mesma, mas a história me tocou pela forma de organização dos meninos, ainda que com uma liderança formal estabelecida, através de Pedro Bala - com forte relação com o líder dos estivadores, João de Adão, com quem sempre conversava.

Apesar disso, todos os personagens além dele têm o seu espaço para que possamos conhecer sua história e tenhamos relativa pena por terem chegado naquela condição, mas não um sentimento simples, descolado da realidade, mas algo que cresce com uma revolta em torno das condições materiais da sociedade. Sentimos pelas habilidades de desenho de Professor, o único que sabe ler e escrever e desenha muito bem, apesar de ser sempre pessoas tristes, já que não conhece os alegres; Gato, que se enamora e tenta se aproveitar das mulheres; e Sem Pernas, que usa sua deficiência para furtar famílias, mas sempre pensando que poderia fazer diferente só por uma vez e ser criança como qualquer outra.

A liderança de Pedro Bala só entra em xeque com a chegada de Dora e seu irmão, Zé Fuinha. Os capitães da areia ficam atordoados com a presença de uma mulher dentre eles e fica difícil de controlar num primeiro momento, com direito a acusações sobre o seu líder. A proteção de Pedro Bala vira um afeto por Dora ao longo da história.

O trecho mais emocionante, para além das brigas com os grupos de crianças de ruas rivais, talvez seja quando o parque chega e eles têm um dia para serem mais que meninos obrigados a crescer muito rápido, mas deixam refletir a necessidade de uma infância. O carrossel gira, gira e ali, por alguns momentos, não estão os capitães da areia.

O final do livro é de "vamos à luta" - e isso nem chega perto de ser um spoiler. Destaco abaixo o único trecho que registrei em arquivos de texto. Trata-se de uma conversa entre Pedro Bala e Professor, sobre um desenho que o último fizera numa das calçadas de Salvador:

"Pedro Bala apontou os telhados da cidade baixa: 
- Tem mais cores que o arco-íris... 
- É mesmo... Mas tu espia os homem, tá tudo triste. Não tou falando dos rico. Tu sabe. Falo dos outros, dos das docas, do mercado. Tu sabe... Tudo com cara de fome, eu nem sei dizer. É um troço que sinto... 

Pedro Bala não estava mais espantado: 
- Por isso João de Adão faz um bocado de greve nas docas. Ele diz que um dia as coisas vira, tudo vai ser de vice-versa... 
- Também já li um livro... Um livro de João de Adão. Se eu tivesse tado numa escola, como tu diz, tinha sido bom. Eu um dia ia fazer muito quadro bonito. Um dia bonito, gente alegre andando, rindo, namorando assim como aquela gente de Nazaré, sabe? Eu quero fazer um desenho alegre, sai o dia bonito, tudo bonito, mas os homens sai triste, não sei não... Eu queria fazer uma coisa alegre. 
- Quem sabe se não é melhor mesmo fazer uma coisa como tu faz? Pode até dá mais bonito, mais vistoso".

FILME
Ano passado foi lançado o filme Capitães da Areia, que apesar de muita vontade para ver, não pude por problemas de saúde e muito trabalho - ou o inverso, já que a tendência é de eu ter ficado gripado por conta da quantidade de trabalho. A minha curiosidade continua grande, já que ele foi dirigido pela neta de Jorge Amado, Cecília Amado. Mas isso tentarei resolver dentro de poucas horas.

Li hoje que uma versão feita por estadunidenses, que só foi exibida no Brasil uma vez para cerca de 50 pessoas, é um sucesso histórico na Rússia, então União Soviética. The Sandpit Generals foi rodado em Salvador e teve que ser dividido em dois para fugir à censura mesmo nos EUA, por ter sido taxado de "socialista" e "hippie". 

Salve, Jorge!

Referência
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 122. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.

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