domingo, 10 de outubro de 2010

O problema do Brasil virou só um


Incrível o potencial da Igreja Católica. Mesmo após tantos anos de Martinho Lutero "abrir" as escritas bíblicas e se seguir a partir de então várias religiões de origem cristã; mesmo depois de tantos anos sob a batuta do sistema capitalista, onde o individualismo é bem mais importante; mesmo sem toda a onipotência e onipresença no Brasil. Mesmo depois de tudo isso, ainda vemos numa eleição um tema jogado por esta Igreja passar a ser o foco. Num processo com duas pessoas que sofreram as agruras da ditadura e, ao longo do tempo, partiram para um caminho bem diferente daquele que estavam.

O enredo é simples, o pessoal do PSDB entrou em estado de desespero após a subida de Dilma Rousseff nas pesquisas a partir deste ano. Todos eles reclamavam que Serra estava demorando a começar a campanha - enquanto Dilma passeava a um bom tempo ao lado de Lula pelo país -, pois quando ele assumiu a candidatura, a sua adversária deslanchou.

Resolveram, na campanha, apelar para algo que não tem nada a ver com o tucanato e se deram mal. A favela virtual só apareceu no primeiro dia. No fim da campanha do primeiro turno a mídia tentou colocar o caso da Receita Federal. E nada! Aí o desespero cresceu a ponto de virem as promessas eleitoreiras. Primeiro foi o aumento do salário mínimo. Nada! Depois, o aumento do salário dos aposentados e pensionistas. Só não foi mais uma promessa jogada fora graças à história da Erenice Guerra, braço direito da Dilma, e, principalmente, graças ao "ecocapitalismo" de Marina Silva.

Veio o segundo turno e o primeiro assunto prático posto é saber se os candidatos apoiam ou não o aborto. De repente a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil meio que impõe que os candidatos se posicionem sobre o assunto. Depois, surge a história do padre de uma emissora católica que pediu para que não se votasse em candidatos do PT por serem a favor do aborto.

Dilma corre para dizer num evento em Minas Gerais, se não me engano, que, "como mulher, sabe o quanto o aborto é ruim, por isso é contra o aborto". José Serra se põe totalmente contrário ao procedimento, mesmo consciente de tal fator ser permitido por lei em casos de estupro. Coisas que nem mesmo Marina Silva, pertencente à igreja protestante, havia dito no primeiro turno - ela defendia um plebiscito.

Simplesmente acabaram com os problema sociais ligados à divisão de classes no Brasil para discut... quer dizer, nem isso fizeram, para impor ao Brasil que todos sejam contrários ao aborto. E os problemas com habitação, falta de empregos, trabalho infantil, violência cotidiana, comando de traficantes em algumas comunidades, deficiências do sistema público de saúde, ...

Além de tudo isso, o principal, identificar no problema do aborto (como está inserido oficialmente) suas reais condições. Entender porque as mulheres precisam passar por este procedimento é uma questão a ser analisada. Em alguns casos é falta de instrução, mas não é só isso.

Perceber que os dados oficiais só contam os casos de aborto com as filhas de pobres, que não tem condições para viajar para fora do país para realizar o procedimento e têm que fazê-lo em clínicas clandestinas. Com problemas, elas têm que procurar o SUS, entrando para a estatística oficial. Assim, só descobrimos os casos que geram problemas, os casos das mulheres que não vão a "super-clínicas".

A preocupação não está nessas mulheres, que representam um grande número de pessoas que não tem acesso aos (já deficientes) planos de saúde, que tem que acordar cedo para enfrentar uma fila de posto de saúde ou de hospital e geralmente não ser bem tratado.

A preocupação não está no fato de elas não poderem gerar o filho porque não terão condições financeiras e psicológicas para criá-los; que, na melhor das hipóteses, terão que parar os frágeis estudos para cuidar dos filhos, enquanto que o pai parará para trabalhar - se conseguir emprego. Caso contrário, terão que sobreviver com o pequeno Bolsa Família.

Os casos de estupro então... É melhor sequer comentar sobre questões psicológicas. É como se não vivêssemos num planeta que há pessoas desequilibradas e que geram filhos em suas filhas. Como se não existissem pessoas que resolvem dar cinco reais a frágeis crianças em troca de saciar devaneios psíquicos.

O direito de poder escolher entre ter ou não ter não é feito com a ajuda de psicólogos, familiares ou quem quer que seja. Não se pode ter direito sequer à discussão do assunto. Tem que ser segundo o preceito que existe há muito tempo e por isso TEM que ser assim. "E se não obedecer, nossos discípulos não votarão 'democraticamente' em você".

Em resumo: um absurdo definir o tema desta forma. Um absurdo transformar o (frágil) processo eleitoral em quem é "a favor da vida" ou não quando vários outros problemas estão aí à espera para serem resolvidos.


(Já discuti aqui o tema do aborto. Ver minha opinião aqui e aqui).

Um comentário:

  1. E depois que todo esse falseamento da realidade da mais pura opressão de tantas mulheres foi jogado pela CNBB, com toda a má-fé que foi possível alcançar, todas as facções cristãs entraram no embalo. Prato cheio para os panfletos midiáticos. Eles só não esperavam que o efeito ia resvalar no tucanato.

    No fim das contas, abandonar toda e qualquer estratégia de campanha para se dedicar exclusivamente a esse tema, de forma tão superficial e recheada de frases feitas e ideologias religiosas, revela-se uma das características da opressão dos tempos atuais... De um lado as mulheres são coagidas a se sentirem culpadas desde o nascimento diante do "todo poderoso", de outro são recriminadas e oprimidas por engravidar sem que haja uma união perante "aquele que é" - pra que dois conceitos tão abstratos tenha uma força concreta tão avassaladora, basta lembrar do poderio militar da igreja cristã ao longo de sua história, pronto para queimar na fogueira, torturar etc., qualquer um que se opusesse à sua vontade, i.e., à vontade da dominação da nobreza.

    Parabéns pelo post!

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