segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A mulher de (quase) trinta anos - Honoré de Balzac

De todos os livros escritos por Honoré de Balzac (1799-1850), A mulher de trinta anos é o que mais ouvimos falar, já que é graças a ele que existe o termo “mulher balzaquiana”, como forma de descrever a mulher que está na transição da juventude para o amadurecimento.

Não que apenas por isso eu esperava um grande livro, mas tendo lido outros dois (A obra-prima ignorada e Eugênia Grandet) e gostado muito de ambos, esperava que o “clássico” fosse, ao menos, do mesmo nível dos anteriores.

Antes que os críticos literários com maior experiência e possibilidades de análise façam as suas críticas, vejam (e discutam, se quiserem) os meus motivos para não achar A mulher de trinta anos um livro tão bom quanto os outros de Balzac.

OS PROBLEMAS

Escrito em 1844, o livro é divido em seis partes, cada uma percorrendo uma parte da história, da juventude da protagonista Júlia à sua velhice, com um ou outro trecho em que se destaca outra personagem da história, sua filha Helena.

Não sei se é por ingenuidade da minha parte, mas o título do livro nos levaria a entender que ele trataria de características das mulheres “balzaquianas”, afinal, “a fisionomia das mulheres só começa a ter significação aos trinta anos” (p. 208). Suas dificuldades com a transformação física e psicológica junto à necessidade de se possuir um novo papel numa sociedade que prometia “liberdade, igualdade, fraternidade”.

Esse tema até que aparece no livro, e é até recorrente, mas a história ficou bastante fragmentada com tantas passagens de tempo, o que prejudicou, ao menos numa primeira leitura, o entendimento de determinadas partes ou tornou banais eventos que poderiam trazer mais conteúdo.

A primeira parte do livro ainda ocorre na era napoleônica. Júlia assiste com o pai a um desfile dos guardas que irão para a guerra e se apaixona por um deles, por mais que o pai a advirta sobre a grande possibilidade de se tornar infeliz.

A seguir, já numa França pós-napoleônica, ela aparece casada com o tal soldado, agora marquês Vitor D’Aiglemont – que já nem lembra mais do antigo imperador. Júlia se mostra arrependida de não ter ouvido os conselhos do pai. No mesmo instante que descobre um possível amante inglês.

Nos trechos posteriores, essa relação com o lorde Grenville se intensifica a partir do momento que ele promete ajudar a seu marido tirá-la da situação triste que ela vivia – através de tratamentos psicológicos.

É assim que numa parte posterior o narrador entra na história e vê este casal com duas crianças. A menina, sem muita atenção da mãe, e o menino, cercado de carinhos. Até que, sem querer, Helena faz com que o irmão sofra um acidente terrível, que não deixou possibilidades de socorro nem pelo narrador, que se aproximou da cena.

E é este menino que deixa a primeira dúvida: será que ele realmente existiu? Afinal, nas partes seguintes Júlia não mostra nenhum remorso em relação a este filho – apesar de, supostamente, ser do seu grande amor (já morto) -, além de ter outras três crianças. Sua raiva com Helena já existia antes e parecia vir do fato de a menina ter impedido que ela pudesse largar tudo para viver com o inglês.

Porém, Helena se mostra sempre preocupada com algo que possa ter feito de errado. Além de não ter o amor da mãe, sempre aparece chorosa, mesmo sabendo do envolvimento da sua geradora com outros homens.

MACHISMO

Neste entremeio, com a personagem no, teórico, auge (30 anos), Balzac traz através de Júlia, nas conversas com um padre – que passa algumas páginas por aqui -, suas críticas à sociedade, que dá direito aos homens e obrigações às mulheres:

- Obedecer à sociedade?... – tornou a marquesa deixando escapar um gesto de horror. – Ora, senhor, todos os nossos males provêm disso. Deus não ditou uma única lei da infelicidade; mas os homens, reunindo-se, falsearam sua obra. Nós, as mulheres, somos mais maltratadas pela civilização do que pela natureza. A natureza nos impôs penas físicas que os homens não suavizaram, e a civilização desenvolveu sentimentos que eles burlam incessantemente. A natureza sufoca os seres frágeis; os senhores os condenam a viver para os abandonar a uma constante desdita. O casamento, a instituição a qual se apoia a sociedade, só a nós faz sentir todo o seu peso: para o homem a liberdade, para a mulher deveres. Devemos consagrar aos homens toda a nossa vida, eles nos consagram apenas raros instantes. Oh! Ao senhor posso confiar tudo. Pois bem! O casamento, tal como hoje se pratica, parece-me ser uma prostituição legal. Daí nasceram meus sofrimentos. Mas entre tantas criaturas infelizes irremediavelmente consorciadas, só eu devo guardar silêncio! Só eu sou autora do mal, porque quis meu casamento. (pp. 100/101).

Antes mesmo disso, ela já tinha “ganho” uma discussão com o marido quando ele tentou fazer gracejos físicos. Quando Vítor reclamou da falta de respostas, Júlia mostrou as cartas de uma senhora com quem o marido tinha caso amoroso. Afinal, mesmo sabendo disso, ela cumpria o seu “papel de esposa”.

Se em A obra-prima ignorada há questões sobre a arte e em Eugênia Grandet há questões sobre as transformações no homem numa nova sociedade, este livro traz o questionamento quanto às diferenças de gênero e a manutenção dos limites para as mulheres.

OUTRA CARACTERÍSTICA

A mulher de trinta anos traz também outra característica importante para se entender a obra balzaquiana. Há personagens que são apenas citados, tais como: Sra. Firmiane, De Marsay, O Pequeno d’Esgrignon, sra. De Listomère. Todos eles aparecem em outros livros que constituem trechos do que o autor francês queria constituir como A Comédia Humana.

Georg Lukács (1969, p. 123) explica muito bem o porquê dessa efemeridade: “O princípio balzaquiano da construção cíclica [...] deriva da ideia artística de que todas essas figuras não perfeitamente realizadas e construídas, constituirão depois o centro de outras obras, nas quais a atmosfera o ritmo de vida permitirão atribuir-lhes uma posição central” (123).

DEMAIS PARTES

O final do livro traz uma boa história sobre o destino de Helena, com direito a fuga com assassino, falência do pai, navio pirata, conciliação e morte do pai – esta apenas citada – e, por fim, a tragédia que deveria unir mãe e filha.

A seguir, vem a derradeira parte da obra. Forçando-me a não contar o final, basta dizer que o óbvio para acontecer não acontece, apesar de sermos induzidos (talvez devido ao costume) a ele. A mãe vê a outra filha, Moína – nome bastante curioso para uma francesa – com um destino pecaminoso graças a uma de suas paixões anteriores.

É assim que ficamos na sensação de que faltou algo, que a história não foi completa. Além do principal: A mulher de trinta anos é só um trecho – mesmo que um pouco mais da metade – do livro.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALZAC, Honoré de. A mulher de trinta anos. São Paulo: Editora Três, 1974. (Biblioteca Universal, 16).


LUKÁCS, Georg. Ensaios sobre Literatura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. (Biblioteca do Leiro Moderno – volume 58).

Um comentário:

  1. Foi um dos livros mais marcantes que já li, fiquei muito impressionada com toda a profundidade da descrição psicológica das personagens femininas e o trágico destino de Júlia, decorrente de suas escolhas. O momento em que o pai e o padre tentaram alertá-la para não tomar caminhos que provavelmente trariam infelicidade como o casamento com um homem que não a entendia e tinha aspirações muito diferentes das suas e quando este ato já estava concretizado e o padre tentou levar esperança de felicidade no amor a sua filha e a família, o qual Júlia já tinha se empenhado antes de conhecer seu grande amor, já falecido. Mas o egoísmo e amargura já a tinham dominado e não superou esta perda, descontando toda a sua frustração em Helena.
    A filha da dor,ainda adolescente e atormentada por uma culpa que lhe foi imposta pela própria mãe(a de sua infelicidade), como que numa tentativa de expiação, resolve partir com um assassino, com quem se identificava por se sentir tão irrecuperável quanto ele - uma menina de uns quinze anos!
    Antes de partir falou ao pai que não tinha interesse em nenhum amigo dele, clara referência à mãe a quem a menina já tinha intuído que a via como uma rival e finalmente o encontro da já adulta Helena, agonizante junto ao único sobrevivente entre seus filhos que também estava a beira da morte e Júlia, e o desabafo final de Helena..."Se não
    fosse por você (por sua indiferença, por não me perdoar ao me atribuir toda a culpa de sua infelicidade),nada disso teria acontecido(não teria me casado com um bandido assassino e não estaria morrendo agora após ter visto meus outros filhos morrer). Estou sem fôlego!
    Sem contar o momento em que Helena reencontra o pai e toda a justificação que esta dava para os atos do companheiro corsário.

    ResponderExcluir