sexta-feira, 22 de maio de 2020

O “novo normal” do futebol ou evolução da mercantilização sobre o jogo?




Após a K-League recomeçar no dia 8 de maio, foi a vez de uma das consideradas grandes ligas retornar no dia 16. A Bundeliga voltou com as partidas com portões fechados e uma série de diretrizes para evitar novas contaminações em meio à pandemia global da Covid-19. Acompanhei especialmente o jogo entre Borussia Dortmund X Schalke 04, observando possíveis novos elementos do futebol profissional, da transmissão à marcação. Será que vimos ali um “novo normal” desse esporte?

Parênteses

Primeiro, é importante ratificar a diferença de como o governo federal da Alemanha tratou nos cuidados para diminuir os impactos do coronavírus em relação ao Brasil. Ainda que, pessoalmente, eu critique a volta do torneio – que teve forte pressão da UEFA e alguma prioridade ao cumprimento dos contratos de exibição –, voltar agora me parece muito menos absurdo do que as pressões realizadas aqui no Brasil ainda neste mês de maio, com alguns clubes servindo de vias de propaganda das piores visões políticas sobre as pessoas.

Dito isto, importante citar as exigências do protocolo da Bundesliga: quarentena obrigatória para os clubes, com isolamento obrigatório – um técnico saiu e não pôde seguir para o jogo no sábado; sem cumprimentos como abraços e apertos de mão; distância de 1,5m entre jogadores no banco de reservas; todo mundo fora de campo utilizando máscara, com exceção aberta aos treinadores nos momentos em que forem passar instrução, mas só se tiverem com o mínimo de 1,5m de distância; cada equipe sairá de forma separada.

Jogo para mediação de uma plataforma digital
Acompanhei Borussia X Schalke usando o Twitter como bloco de notas. Importante dizer que não acompanhava o torneio alemão com frequência, então a primeira surpresa ficou com a diferença de nível de atuação das duas equipes, muito bem representada pela goleada dos aurinegros por 4 a 0.

A título de provocação, é necessário delimitar que sempre fui contrário a jogos sem público, clássicos sem a torcida adversária e qualquer medida semelhante. Então já vejo como outro jogo quando há restrição à representação torcedora dentro do estádio.

Mesmo considerando que a Alemanha tenha passado pela fase neoliberal da mercantilização do futebol com mais exceções, o modelo atual, sem público ou com representação virtual (cartazes ou telões mostrando torcedores, como em alguns casos) parece antecipar certa tendência que considera como mais adequado para o “futebol de espetáculo” dos estádios modernos, como afirma Mascarenhas (2014, p. 170), “um público menos apaixonado, menos ‘viril’ e mais comportado”. Além de uma prioridade para que se tornasse “um bem simbólico consumido basicamente através dos meios de comunicação de massa” (idem, p. 178). A transmissão dos torneios, mesmo com portões fechados, permitem entrada de receitas consideráveis, logo, a tentativa de se manter o cronograma normal, com a partida ocorrendo de maneira adaptável.

Ainda nesse sentido, a transmissão do jogo tentou ao máximo esconder as arquibancadas vazias, com a câmera central focando mais no gramado, com plano mais recuado para o centro do gramado, de maneira a exibir apenas as primeiras fileiras de cadeiras do outro lado. Sobre isso, observei ainda que o foco nos jogadores que iam cobrar falta ou escanteio parada era ainda maior que o normal, para apagar o quão diferente é o estádio sem torcida.

Mudanças no jogo
De movimentação de jogo, aparentemente a marcação fica mais frouxa. Mesmo na bola parada eu observei muito menos momentos de empurra-empurra. A procura pelo corpo do adversário apareceu em raros casos de proteção para o goleiro chegar na bola. Não lembro de ter visto situações de proteção no corpo para subir na bola ou medir a distância do adversário.

Destaco como exceção na partida em como Haaland, centroavante do Borussia, parecia ser o único que procurava o jogo de corpo. Isso é exemplar quando, aos 24 minutos, ele empurra o marcador e é necessário que o árbitro se aproxime, mantendo certa distância, de ambos, com um sorriso no rosto talvez também expressando a estranheza pelo contato.

Do pouco que vi do final do primeiro tempo ao início do segundo de Union Berlin X Bayern de Munique, realizado no dia seguinte, pareceu-me que os jogadores estavam mais próximos do “normal” anterior que o de maior preocupação com o contato físico. Vendo os replays das comemorações de gols das outras partidas, houve contato em algumas situações, abraços e apertos de mão que se confundiam com o cuidadoso toque de pés ou cotovelos.

Ainda que não seja meu interesse de estudo, tentei observar as coisas referentes especificamente ao contato físico natural do jogo de futebol. Resta acompanhar se os jogadores retornarão ao que era costume maior, considerando a rotina de testes e o controle protocolar do dia a dia; ou se seguirão presos aos limites de como lidar com a preocupação psicológica das novas “regras” a que estão impostos.

Concluindo, do lado da transmissão, será um grande teste sobre a importância da participação torcedora in loco no estádio, considerando ainda que as plataformas de comunicação também vendem seus jogos com a participação torcedora. Que nós não sigamos para um caminho de ser melhor sem qualquer torcedora ou torcedor num novo processo de mercantilização pós-crise.

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