terça-feira, 26 de abril de 2016

Seu Amaro


Nos últimos anos, desde a minha volta do Rio Grande do Sul, que costumo ir sozinho ao Rei Pelé. Então as minhas companhias variam muito. Tem jogos que eu tenho gente para conversar, do nada, e outros que fico mais no meu canto. Mas a maior parte dos casos é de arranjar parceiros de papo e críticas ao time, por se tratar de azulino.

No domingo, no jogo que definiu o nosso calendário para 2016 e 2017, não foi diferente. Ao meu lado esquerdo tinha uma família, de diferentes gerações. Antes de o jogo começar, o senhor exatamente ao meu lado começou a falar comigo sobre a vida dele a partir da chegada de nuvens negras e a possibilidade de chuva. Comentei com ele que em Coruripe estava chovendo desde cedo e aí ele começou a me falar das idas e vindas pelo interior de Alagoas.

"Quem é honesto não ganha dinheiro"
Seu Amaro foi encarregado de obras a vida inteira, percorreu Alagoas, chegando a morar quase que um ano fora de casa acompanhando obras, mesmo assim não conseguiu ficar rico, pois "quem é honesto não ganha dinheiro". Hoje, tem 79 anos, aposentado - mas faz algumas coisinhas ainda -, mora em Recife e veio a Maceió só para ver o jogo. Ele não gosta de ir a estádio, mas sempre é levado porque um dos netos compra quatro ou cinco ingressos e um é o dele.

O sonho de Seu Amaro era que um dos 7 filhos e 4 filhas fossem arquitetos, já que ele fazia os projetos, responsabilizando-se pela obra no lugar do engenheiro em muitas vezes. Em Coruripe mesmo ele começou a construir uma rodoviária, que não chegou a terminar a obra porque faltaram recursos. Depois de um tempo, os metais foram se fragilizando e o prédio caiu.

Nenhum dos filhos de Seu Amaro se tornaram "doutores", mas porque eles não quiseram, pois ele deu as oportunidades. Ele perguntou qual era a minha profissão. Quando respondi que era professor, ele me disse que tinha uma filha que era professora em duas escolas, sendo diretora em uma, mas que sempre fala para que ela garanta a vida fazendo concursos. O que me deixou na dúvida sobre o que ele considera como doutor.

Logo em seguida ele tratou de um filho que tinha emprego e começou a apresentar atestados porque não queria trabalhar. Acabou perdendo o emprego e está há um ano sem nada, mas que se não fosse por ter um pai que tivesse condições como ele viveria?

Quando eu comentei que no momento atual está mais complicado arranjar emprego, ainda que concursos seguem ocorrendo, ele veio me falar da quantidade de desempregados e que a situação só mudaria quando "essa mulher sair, mas ela está quase saindo né?". Fiquei quieto e ele seguiu a conversa para um outro caminho, falando que se a esposa e ele não estivessem vivos, seria bem difícil manter as reuniões da família, dxs 11 filhxs e dxs 25 netxs. Que no final do ano alugam uma chácara para reunir todo mundo.

Paramos de conversar pelo clima de pré-jogo aumentando. Depois disso, só falamos de futebol. Didira perdeu pênalti para o CSA e ele passou o resto do jogo dizendo que até o próprio, com 79 anos, faria e que o Azulão tivesse que ter cuidado porque uma jogada do Murici e acabaria perdendo o jogo.

Como algumas pessoas sabem, o CSA se classificou para a final e garantiu calendário para 2016 e 2017. Seu Amaro, o genro e os netos e netas foram para a casa normalmente. Fiquei pensando depois que se fossem outras pessoas, só por ele ter se posicionado sobre um acontecimento político diferente do que defendo, pararia de falar ou, pior, discutiria em meio a um jogo de futebol sobre isso. Claro que é importante frisar que da parte dele não houve ofensa pela presidenta ser mulher nem nada, mas só o senso comum sobre a relação com o desemprego. Fica a lição prática.

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