segunda-feira, 22 de junho de 2015

"Futebol é um prostíbulo, e não há espaço para freiras"

A frase que dá título a este post, e reflete o muro machista que cerca o futebol, teria sido dada por um presidente de federação estadual quando os jornalistas Amaury Ribeiro JR. (De "A privataria tucana"), Leandro Cipolini, Luiz Carlos Azenha (do Viomundo) e Tony Chastinet resolveram colocar no papel o resultado das investigações que se tornaram séries no Jornal da Record. Com prefácio do agora senador Romário (PSB-RJ), O lado sujo do futebol: a trama de propinas, negociatas e traições que abalou o esporte mais popular do mundo foi publicado em 2014, ano da Copa do Mundo FIFA Brasil que deu lucro recorde e bilionário para a entidade paraestatal.

Dividido em 11 capítulos mais um epílogo, está a história recente do futebol brasileiro, que pode muito bem ser resumida em dois nomes: João Havelange e Ricardo Teixeira. O que foi descoberto pelo FBI e anunciado pelo mundo há alguns meses já havia sido indicado aqui - e em outros livros antes, caso de Jogo Sujo, de Andrew Jennings, e o da Barbara Smit, sobre a guerra familliar do mundo do material esportivo a partir da família Dassler, ambos que aparecem aqui.

A relação midiática nisso tudo claro que iria aparecer. Afinal, o futebol atingiu esse potencial de indústria, fazendo girar tanto dinheiro entorno dele, especialmente graças à Indústria Cultural, que ajuda a construir mitos, por um lado, e por outro alimenta economicamente o jogo, que não viveria sem esse dinheiro.

O livro traz a origem do marketing esportivo, a partir da ideia do dono da Adidas em criar a ISL, justo a empresa que nos anos 2000 abriria espaço para revelar o propinoduto boleiro. Além disso, retrata a a participação brasileira nisso, com o Grupo Globo emprestando dinheiro para tentar salvar a empresa de marketing atingida financeiramente por erros estratégicos e pela distribuição de propinas, em 1998, o dinheiro que "sumiu" das contas, não aparecendo para a FIFA.


Depois, a Globo teria o dinheiro abatido na aquisição de direitos de transmissão dos torneios esportivos. E em 2013 descobriríamos que  elas usou empresas offshore para sonegar R$ 200 milhões em imposto de renda num momento de grave crise - depois pagaria mais de meio bilhão de multa, com cenas cinematográficas, como o sumiço do processo no Rio, algo que, claro também está no livro.

Claro porque o Azenha é um dos principais "blogueiros sujos", ou membros do PIG 2, junto a Paulo Henrique Amorim e Rodrigo Vianna, ex-Globo, contratados da Record com liberdade de ter blogs que falem contra a Globo e a favor do governo - ainda que PHA seja mais defensor (quase que surrealmente em alguns casos) que os demais.

Mas saber se relacionar com os grupos midiáticos vem das bases de Havelange, que ainda na década de 1950 escolheu um dono de grupo midiático, Paulo Machado de Carvalho, para chefiar a delegação para a Copa do Mundo FIFA 1958, algo que se estremeceu no mundial seguinte porque ele queria ganhar mais com os direitos de transmissão.


Em 1978, aparece a Globo na história. Com a Copa do Mundo na Argentina sob ditadura não havia condições técnicas no país para transmitir o mundial. Havelange, já presidente da FIFA, bateu na porta da Globo para ajudar - em parceria com a Embratel.

Para as emissoras, a relação com estas empresas garantem vantagens de mercado, o que na Economia Política da Comunicação chamamos de barreiras político-institucionais. Facilitando a vida de uma parceria em momento de crise, fica-se a dívida a ser paga no futuro. Graças à essa "relação histórica" que a Globo levou os direitos exclusivos para as Copas de 2010 e 2014 - a Record ofereceu mais, porém a CBF escolheu a emissora dos Marinho. Para as seguintes, 2018 e 2022, nem processo de licitação foi aberto.

O livro vai até perto da Copa. As relações com políticos, de Havelange a Marin, são destacadas como fundamentais. Aliás, fundamentais até para os políticos, pois não há enfrentamentos por nenhuma das partes - o livro não diz, mas o Estatuto do Torcedor, sancionado em 2003, deveria ter sido um enfrentamento, mas a relação se inverteu, especialmente com a Copa do Mundo no Brasil, e ele acabou ficando amigo de Ricardo Teixeira. As exceções foram Collor, por não ter dado tempo, e Dilma Rousseff, que viu a ojeriza em 2013 ao grupo da CBF e que fizera questão de evitar aproximações, mas que seguiu o barco dos gastos públicos com o Mundial - ainda que depois tenha se aproximado ao Bom Senso FC para tentar mudar um pouco da estrutura, blindada, do esporte no país.

Dos momentos de auge de enfrentamento - como o vivido agora, ainda que com nomes como Zezé Perrela e Fernando Collor na CPI a ser criada para investigar a CBF - estão as Comissões Parlamentares de Inquérito de 2000, na Câmara e no Senado, que investigaram a CBF e o contrato com a Nike e que, se tivesse ido em frente - o relatório não pode sair e o livro oriundo das CPIs foi impedido de ser publicado -, tudo o que se soube "agora" teria sido desvendado há mais de uma década.

O livro traz todos os documentos que serviram de pesquisa e é interessante para quem não acompanha os bastidores do futebol, um mal, diga-se de passagem, de boa parte do jornalismo esportivo do país, que acaba cedendo a jornalistas de outras áreas a investigação de casos assim. Uma leitura obrigatória para quem gosta do jogo.

REFERÊNCIA
RIBEIRO JR., Amaury; CIPOLONI, Leandro, AZENHA, Luiz Carlos; CHASTINET, Tony. O lado sujo do futebol: a trama de propinas, negociatas e traições que abalou o esporte mais popular do mundo. São Paulo: Planeta, 2014.

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