domingo, 22 de fevereiro de 2015

Play, pause, rew, play, o drible

5 títulos mundiais, o país do futebol. A exigência costumaz de os brasileiros não saberem fazer filmes sobre o futebol mesmo sendo (?) um expert na sua prática reapareceu com o lançamento de "O Drible", de Sérgio Rodrigues, em 2013. Na verdade, novo pico do futebol brasileiro com os 3 a 0 sobre a Espanha, comentava-se que se rompia um tabu importante no campo artístico nacional: o futebol aparecendo, e bem, em romances.

A discussão sobre como o futebol pode aparecer em obras de arte é grande. A dúvida principal é saber como refletir o ritmo de jogo e suas emoções para as telas e os livros. Por conta disso, este só aparecia em biografias e reproduções destas no cinema. Ficção, raramente, aqui ou ali.

Curioso é que para quem é louco por futebol não é só o onze contra onze, tem o ambiente, o sentir-se parte de um coletivo - como "El Secreto de Sus Ojos" mostrou num jogo do Racing -, como a paixão por este esporte é refletida nas ações da vida. E para isso não é preciso fazer o ator treinar para chutar uma bola ou simular um jogo com sub-20 de times.


No caso da literatura, esta brecha acabou sendo ocupada pelos cronistas. Nelson Rodrigues, rogai por nós! Também Rodrigues, mas sem qualquer parentesco, Sérgio apresenta num romance como fazer a tabela entre a memória de um jornalista esportivo e a memória de seu renegado filho; entre passado dos campos e de vida com o presente de tentativas de juntar os vários laços de um viver boêmio e boleiro.

Mas há espaço também para quem odeia futebol e que tem fascinação pela cultura pop. Se lemos Pelé, Puskás, Rivelino, Romário e Ronaldo; vemos várias referências pop dos séculos 1960, 1970 e 1980, "Jennie é um gênio", "National Kid", "Agente 99", Clark Kent e "De Volta para o Futuro". A chatice de quem não gosta deste esporte ao ouvir vários detalhes também está lá, ao vermos imagens de lances de jogos do passado em velocidade menor mesmo sabendo o resultado das partidas.


É assim, inclusive, que começa e termina o livro. Com play, pause, rew e play para explicar, na voz do quase morto Murilo Filho, o drible de corpo de Pelé em Marzukiewicz na semifinal da Copa do Mundo de 1970. Sob a visão de alguém que é Murilo Neto ou que está ali vendo tudo com eles, com posicionamento de narrador se alternando ao longo das partes e das páginas.


Daí, passamos por décadas de referências esportivas e pop, conhecemos cronistas esportivos e jornalistas de outros tempos e chegamos a quem poderia ter sido "maior que Pelé". O jovem merequenduano Peralvo, que via o que iria ocorrer um segundo antes que quaisquer pessoas, enxergava a cor da áurea de 90% delas e passava fácil por qualquer adversário, mesmo com o time sendo péssimo. Eram 8 gols levados e 10 feitos só por ele, como ocorreu no amistoso em que seu destaque o levou para o América-RJ - depois de escapar de tiros direcionados a ele da mesma forma que driblava adversários.


Para quem gosta de futebol, só a história de Peralvo bastaria para um relato ficcional interessante. A descrição que abre o livro, do quase gol histórico de Pelé, então, é magnífica. Mas mesmo para quem não gosta, pode odiar mesmo, deverá levar "O Drible" ao se ver também representado na história. E, dos que gostam aos que não gostam do tal esporte bretão, todos terminarão surpresos com o romance, cujo final é um belo banho de cúia (lençol, balão).

REFERÊNCIA
RODRIGUES, Sérgio. O Drible. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.


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