quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Problema maior que um marco regulatório para a mídia eletrônica



Infelizmente, parece que só se percebe o posicionamento de classe das elites proprietárias de grandes grupos de comunicação a cada período eleitoral – marcadamente durante as eleições para o cargo de presidente da República. Esta eleição elevou esse patamar a um nível maior. As tais intervenções em maior quantidade na entrevista com a presidenta Dilma Rousseff – com direito a suposto dedo levantado por Patrícia Poeta no Jornal Nacional; e a já “tradicional” divisão de tipo de conteúdo, bem marcada pelos estudos do Manchetômetro no Rio – ampliaram essa percepção e a necessidade, mesmo por parte de pessoas influentes no governo (e articuladores da coalizão de classes que comanda o país com o PT na principal cadeira, caso do ex-presidente Lula), de se realizar um novo marco regulatório para a radiodifusão de transmissão gratuita.

Ainda que sigamos pessimistas quanto ao tema, dado o histórico de 12 anos sem qualquer tipo de avanço, não é bem esse assunto que tocaremos neste texto. Até porque o ápice de tentativa de interferência numa disputa tão acirrada quanto esta não veio da mídia eletrônica, mas de um impresso. Adiantar o lançamento da edição da revista e divulgar a frase de um delator que nem o advogado dele confirmou sobre um suposto conhecimento da presidenta Dilma e do ex-presidente Lula nos casos de corrupção na Petrobras foi prova cabal, para os “cegos de ocasião”, sobre qual formação ideológica é a principal da revista Veja, do cambaleante Grupo Abril.

A presidenta/candidata Dilma Rousseff usou os minutos finais da sua última aparição em rádio e TV para criticar o que ela chamou de “terrorismo eleitoral” feito pela revista, que já havia feito isso em eleições anteriores.

Comunicação social eletrônica

Sobre a fala de Dilma, relembrei os momentos com os amigos do programa Periscópio da Mídia, da Rádio Unisinos FM. Algumas vezes questionamos os governos ditos progressistas que seguiam bancando as tais mídias “golpistas” com os recursos de publicidade estatal – no caso dos “blogueiros sujos”, diga-se, parte ínfima da verba só foi para eles a partir do último ano de governo Lula, com Franklin Martins na Secretaria de Comunicação Social. Se a presidenta reconhece o “terrorismo eleitoral” e os mecanismos espúrios da principal revista em termos de circulação do país, por que as estatais/empresas mistas seguem a mantendo com publicidade? Se não me engano, numa das edições do Periscópiocomentamos que duas páginas por edição de Veja custariam R$ 1,5 milhão. E lá podemos encontrar Caixa, Petrobras, BB etc... Pegando os dados do Mídia Dados 2014, dos 15 maiores anunciantes do Brasil, três são ligados ao governo federal: 5º Caixa (3º em revistas); 6º Petrobras (4º em revistas); e 12º Banco do Brasil (6º em revistas).

Além disso, há a compra de assinatura de revistas para escolas, bibliotecas e outros espaços públicos, o que ajuda a alimentar as receitas de um grupo supostamente golpista.

Vale ressaltar que se precisa levar em consideração que caso se tratasse de divulgação de obras públicas para os cidadãos, é claro que é necessário que isso seja feito através de meios de grande circulação. Porém, fica-se numa sinuca de bico: paga-se publicidade para difundir num espaço que muitos leem ao mesmo tempo em que quem lê, e a linha editorial de tal meio, é direcionado para combater a si, que anuncia.

Um processo assim não se trata de censura, mas de verificar qual o interesse público que determinado meio de comunicação pretende atender, se é que atende. Explicando o caso da RCTV na Venezuela, como se tratava do espectro eletromagnético, público, o que houve foi a não renovação da concessão, encerrada em 2007; não um corte imediato de sua programação – que, se fosse neste sentido, teria ocorrido em 2002, após a tentativa de golpe, com total participação dos grupos midiáticos, contra Hugo Chávez, presidente eleito democraticamente.

Como se trata de mídia impressa, logo não é uma concessão pública, uma regulamentação da comunicação não necessariamente atuará sobre ela. O que os movimentos pela democratização da comunicação lutam hoje, por exemplo, é por um “Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica“. Necessidade esta até mesmo do setor de radiodifusão, já que a última alteração no Código Brasileiro de Telecomunicações, que o rege, ocorreu em 1967 – com muita alteração tecnológica a partir daí, para não entrar no mérito de abrir novas formas de concorrência.

Comunicação emancipatória só virá sob outros marcos

No caso do impresso, o direito de resposta estava previsto na Lei nº 5.250/1967, a Lei de Imprensa, que previa punições a supostos excessos cometidos pelos profissionais da comunicação no exercício de suas atividades. O Supremo Tribunal Federal considerou improcedente a lei em 2009 por não se coadunar com o que está escrito na Constituição Federal, promulgada em 1988. Desta forma, o caminho para pedir direito de resposta, como no caso da então candidata a presidenta, complicou-se ainda mais.

Evidente que também precisa ser considerado o efeito de uma notícia deste nível. Mesmo que a revista publicasse o direito de resposta na edição seguinte, ocupando o mesmo espaço que a matéria (quiçá também na capa), a informação já fora propagada e os efeitos disso já teriam sido despertados em parcela da população que teve acesso, seja comprando a revista ou vendo a capa nas mídias sociais. Efeito pior ainda por se tratar de vésperas de uma votação. Não haveria como remediar.

Fazer como a Veja fez no dia seguinte à publicação, colocando a resposta apenas no site do periódico, é ruim, pois não se trata do mesmo espaço de publicação. Pior ainda porque a revista respondeu o direito de resposta, algo impensável – quer dizer, menos para quem se acha, como um candidato no pleito, com direito a tréplica...

Por isso é que lutar por políticas públicas para a área e pela democratização da comunicação nos marcos que os movimentos dedicados ao tema fazem não é o suficiente. É óbvio que não dá para negar a importância de seguir lutando por uma regulamentação e uma regulação que garantam expressões mais democráticas, mais justas num espaço que é público. Mesmo nesse nível, a luta já será gigante, vide o que falou o suposto candidato a presidente da Câmara, que prometeu engavetar qualquer proposta sobre regulação da mídia e é do partido do vice-presidente da República, o PMDB – que também abarca políticos sócios ou donos de concessões, algo inconstitucional.

Mesmo assim, é preciso ter a noção de que uma comunicação efetivamente emancipatória só virá sob outros marcos societários. Que lutemos por mais direitos, mas sem esquecermos qual o objetivo final, o da emancipação humana. Um desafio ainda maior, com certeza.

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Texto publicado na edição 825 no Observatório da Imprensa

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