quarta-feira, 9 de julho de 2014

[Copa] Da tragédia à farsa

Conheço quem não conseguia torcer para a Seleção Brasileira por conta do comando diretivo da CBF; quem não o fazia por não gostar de futebol; e quem optou por torcer pela Argentina, após a final da Copa de 1998, e/ou porque os argentinos sempre entregariam tudo em campo, independente do resultado. Mas nenhum deles imaginaria ver o Brasil levando 7 a 1 numa partida de futebol.

A partir disso, começo o texto. Seria muito fácil falar que nenhum de nós imaginaria estar falando sério se há algumas semanas, mesmo após as atuações ruins do time, que o Brasil sofreria uma goleada deste tamanho numa partida que fosse, quanto mais numa semifinal de Copa do Mundo FIFA. Como sempre, fala-se muito. Os profetas aparecem e até os ufanistas viram críticos de algo que estava aí à espreita, mas que se mostrou de maneira monstruosa e arrasadora.

Até pensei ontem que seria oportunismo da minha parte aproveitar este momento para escrever qualquer coisa, já que inevitavelmente iria para críticas. Até posso dizer que as minhas expectativas não eram nada boas com a volta dele e do Parreira, uma decisão digna do malufismo que deixaram de presente (de grego) no comando do futebol nacional; mas seria hipocrisia pura dizer que pensava a mesma coisa ao longo deste pouco mais de um ano. Não só eu, como quase todo mundo concordou com os convocados dele, independente de um ou outro questionável - uma quarta opção na defesa ou um veterano que não atua bem há anos.

É claro que a responsabilidade é do Felipão, não à toa que não tem como responsabilizar um jogador em particular após a partida de ontem. A fala de Thomas Müller afirmando que não imaginava que os alemães teriam tanto espaço diz por si e os jornalistas esportivos não vão cansar de dizer isso, apontando o atraso tático do comandante da Seleção.

RESETAR
Aproveitando sim a oportunidade, se oportunistamente ou não fica a critério do leitor, é preciso e altamente necessário repensar toda a trajetória, aproveitando inclusive os 100 anos da entidade que rege o football association no Brasil.

A CBF passou por dois momentos graves em sua história. O primeiro foi na década de 1980, com o futebol praticado no país ás mínguas, em meio a uma série de descalabros, com pouquíssimo dinheiro para os clubes enquanto se pagava ingressos para presidentes de federações viajarem com suas esposas para Copas do Mundo FIFA na maior naturalidade. Enquanto isso, o país amargava a maior temporada sem títulos mundiais de sua história - ainda que tenha havido a geração de 1982 e todo o saudosismo gerado.

O segundo foi a Copa de 1998, até então a mais vexaminosa derrota do Brasil em mundiais. Naquele momento, bizonhamente optou-se por fazer uma CPI para ver se a Nike tinha vendido a Copa, enquanto que, como mostraram as investigações, havia muito mais coisas a serem observadas. O ápice foi 2001, com a derrota para Honduras na Copa América e o limite de não se classificar pela primeira vez para um mundial. Nos bastidores, a Globo estava em conflito com a CBF, com direito a Globo Repórter sobre os bastidores do futebol nacional.

A primeira "solução" veio com a modernização implantada por Ricardo Teixeira, apoiado por João Havelange, com o título de 1994 dando o alívio necessário para a tomada de poder que duraria mais de duas décadas. Por mais críticas que se possa fazer, é preciso observar que foi o período que financeiramente a CBF passou a melhor aproveitar a marca Seleção Brasileira.

A segunda não veio. Mesmo no auge das acusações sobre RT, não houve solução real à disposição. Num país com milhões de técnicos, não apareceu um ser humano com capacidade de peitar os poderosos que estão no entorno do futebol e tentar a candidatura. Todos podem lembrar de Romário, mas o sistema eleitoral da entidade - assim como o da FIFA - praticamente torna impossível uma candidatura alternativa, pois depende do apoio de cinco clubes da Série A e 8 federações. A opção que pareceu mais real foi Andrés Sanchez, com todos os seus amigos e um histórico recente dentro da própria CBF e com MSI/Corinthians que falam por si.

O Bom Senso FC surpreendeu ano passado, mas não a ponto de radicalizar o suficiente. E mesmo as desavenças entre a presidenta Dilma Rousseff e a CBF, com a vontade de Dilma de tentar tornar as coisas menos opacas nas entidades esportivas, têm os bloqueios legais da legislação nacional e da FIFA, e os políticos dos representantes do setor no Congresso Nacional.

Assim, sendo pessimista, como sempre, não vejo uma mudança radical, que neste terceiro momento de abismo, talvez o maior deles quando se trata em resultados dentro de campo, se faria necessário.

CONVOCADOS
Voltarei aos convocados. Como quase sempre nestes momentos aparecem especialistas de tudo o que é lado, a ponto de eu ver alguém perguntar a ex-jogador se não daria para ter trabalho uma turma de 13 anos há 7 anos para montar um time de bons jogadores. Isso deveria ser exigido para os esportes olímpicos - e aqui eu acrescentaria o futebol feminino -, estes sim dependem muito mais de projetos para se manterem e gerar grandes atletas e coletivos.

Claro que há o exemplo da reinvenção alemã nos anos 2000, mas lá foi necessário mudar o estilo de jogo deles, enquanto que aqui este foi perdido - se dá para definir estilos de jogo, o que colegas pesquisadores do futebol identificam como mais uma invenção, representada no epíteto "país do futebol", que realidade. Volto à tecla, não havia melhores opções.

Numa condição normal, não haveria expectativa para a seleção atual, que sofre o hiato da geração de possíveis líderes experientes que caíram de produção, casos de Robinho, Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Adriano. O hiato que se desenhava com a velha geração que Dunga levou a 2010 se confirmou agora. Mas, para além disso, jovens promessas como Ganso, Pato e, forçando a barra, Leandro Damião, não se desenvolveram. Não havia alternativas.

De um lado, podemos dizer que o momento foi ruim. Por outro, e aqui vale o exemplo alemão, resta rever toda a estrutura do futebol nacional. Entender como se dão as escolhas nas categorias de base, com quais critérios, e quem as faz. Afinal, os jogadores seguem como pés de obra mesmo após a Lei Pelé. Se antes o patrão era o clube, agora é o empresário.

Daqui a quatro anos poderemos ter Neymar e Oscar mais experientes. Outros jogadores podem aparecer, como geralmente aparecem, ainda que não na qualidade e na escala quase industrial de outros tempos. Vejo agora a experiência do Palmeiras com argentino Ricardo Gareca algo de ainda maior interesse, para além dos meus. Aponto que o grande problema dele pode ser o preconceito com o estrangeiro, no mito de que não precisamos aprender com ninguém. Porém, não é difícil ver que enquanto técnico brasileiro só faz sucesso no Japão e talvez nos Emirados Árabes, os argentinos treinam times e seleções que surpreendem. E isso não é problema de dificuldade cultural e de idioma. 

Trato disso não para diminuir o peso em Felipão, mas para dizer que o Mano Menezes vive um momento muito ruim da carreira e é relativamente novo - Muricy e Luxemburgo então... Pode-se falar em Tite, mas ele atuava no Corinthians num modelo que se mostrou ultrapassado, o da Espanha de se ganhar por 1 a 0 - ainda que o legado do tiki-taka esteja aí, a posse de bola, mas bem mais ofensiva.

Mas será que terá alguém com coragem para mudar tudo isso? Honestamente, as relações de poder são gigantes e as barreiras são enormes. Como costumo dizer, o futebol tem uma estrutura arcaica, reproduzindo diversos preconceitos e estruturas antigas de poder que fazem inveja aos Estados-Nação mais autoritários.

PS: Eu ia esquecer disso. Não comparo esta derrota com 1950. As condições são diferentes. Vir de duas goleadas e jogar por um empate na final, perdendo por virada, é diferente de levar goleada vindo de atuações ruins contra um time técnica e taticamente superior. É por isso que, parafraseando Marx, a tragédia de 1950 será esquecida, porque a história nos rendeu algo bem pior, mais comparado com uma farsa.

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