domingo, 27 de janeiro de 2013

Uma sensação monossilábica

Acordei com o toque do telefone. Vejo na tela o nome do meu pai e a primeira coisa a passar na cabeça é que algo ruim aconteceu. Ele pergunta se eu soube do desastre em Santa Maria, com mais de 200 mortos num incêndio. Acordado há pouco, eu mal conseguia raciocinar, ter respostas não monossilábicas. Ele me disse para ligar a TV, estava passando no Esporte Espetacular. [Contradição dos dias atuais, apresentadores "adestrados" nos últimos anos para o esporte entretenimento tendo que fazer uma cobertura jornalística das mais difíceis].

Ele segue falando comigo e eu sigo sem ligar a televisão. O meu pai fala que o Brasil ganhou no futebol de areia, mas eu seguia sem raciocinar direito. Ele diz que está na casa da vó, passa o telefone para ela, que nas condições de saúde atuais não lembra que estou tão distante de lá e reclama que faz tempo que eu não apareço. O telefone vai para a tia e eu sigo ali, quase monossilábico até voltar para o meu pai. Ele volta a me perguntar se eu liguei a TV e promete ligar depois do jogo do CSA.

Desligo o celular e ligo a TV, vendo os cortes da Glenda no Moré em meio a entrevistas por telefone com sobreviventes, passagens de repórteres direto de Santa Maria, enquanto acesso o Facebook pelo celular para ver como estavam colegas que são de Santa Maria e/ou passaram pela UFSM. Vi que sim, a maioria nem estava na cidade.

Não eram só as palavras que saíam difíceis. Não era bem por conta do recém acordar. Uma sensação estranha, de angústia, percorre o meu corpo. Poderia não conhecer ninguém. Poderia inicialmente nem entender como tantas pessoas caberiam numa boate. Pessoas, várias, entre os mortos e os familiares sendo atingidos seja por conta de um erro da banda, dos seguranças ou de quem quer que tenha sido - por mais que eu acredite que os seguranças que não tenham deixado as pessoas saírem tenham feito isso por "repetição" do trabalho.

No primeiro intervalo eu já havia dado uma varredura pelos outros canais da TV aberta e ninguém transmitindo nada sobre o assunto. Momentos depois, nova olhada e todo mundo - menos a TVE - falando sobre. Datena apresentava o plantão na Band e confesso não ter tido a paciência para aturá-lo. Mudei para a Record e mal consegue reconhecer o dono da voz que apresentava o plantão, enquanto no SBT o Domingo Legal informava o assunto entrevistando uma dançarina que morou por 21 anos na cidade. Era melhor desligar a TV.

Tinha planos para escrever hoje, mas nem sei se consigo fazer isso. Ainda mais depois de ter me dado conta que ali havia tantas pessoas que, como eu, estão por aqui para estudar e provavelmente só tem os familiares por telefone. Lembrei da primeira entrevista que ouvi pela TV, dizendo que, na verdade, era de Belém-PA, e estava ali para estudar.

É muito estranho isso, ter essa sensação. Talvez acrescida por um pouco de vergonha pelos problemas que eu tenho me preocupado quanto ao futuro e que me dão há mais de duas semanas problemas no sono, se é que ainda dá para chamar disso, que só pioram. Eu preocupado com o futuro que posso ter enquanto milhares de pessoas são afetadas por um acontecimento inesperado que acabou com o futuro.

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