domingo, 2 de janeiro de 2011

Momento, apesar dos pesares, histórico

Ontem tivemos a passagem da faixa presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva para Dilma Vana Rousseff. Desde 1926 não acontecia no processo político a passagem do principal cargo político do país para uma terceira pessoa diferente eleita por meio de votação.

Apesar de ter várias divergências com o que foi o Governo Lula e de continuar a tê-las no novo governo petista,  não há como deixar de dizer que foi um momento histórico. Quem imaginaria que numa sociedade tão preconceituosa como a brasileira, tão ligada ao conservadorismo, veríamos um ex-líder sindical entregar a faixa presidencial a uma mulher com perfil duro e que participara da luta armada?

Não são poucos os que ouvi durante o processo eleitoral e os que ainda ouço a criticar Dilma Rousseff, por motivos que estão longe de ser ideológicos. A vitória de José Serra nos dois turnos em Alagoas parece-me estar muito menos ligado à situação deprimente do Estado, detentor dos piores índices sociais do país, que da ligação histórica no imaginário popular com o que disserem os setores da elite econômica.

Por mais que estejamos ligados às classes desfavorecidas, por mais que muitos de nós estejamos neste setor - mais da metade da população se encontra em pobreza absoluta -, a mentalidade de temer alterações, por menores que sejam, povoam nossas mentes e tudo vira desculpa para esconder que aqui uma elite, pequena, acostumada a não ter tanta formação intelectual, prefere fugir ao debate político-ideológico e partir para conceitos pré-concebidos.

O fato de Dilma ser mulher afastou de si o voto de pessoas que gostam muito de Lula. Além disso, o seu perfil de mulher solteira aos 63 anos, que aparentemente gosta de tomar as rédeas do comando - numa sociedade com mentalidade patricarcal - pesa bastante. Afinal, como explicar que num lugar que teríamos tantas pessoas auxiliadas pelo Bolsa Família - principal argumento de muitos para a vitória petista no Nordeste - termos dupla derrota da candidata ligada ao Governo?

Imagina só discutir aqui elementos políticos que nos façam discordar do que foi o Governo Lula baseado no que boa parte da esquerda, efetiva, achava que ele poderia fazer? Bem difícil. Bastaria dizer que na gestão dele houve avanços, sim, mas que como ocorreu no período pós-guerra, se deu muito a quem tinha muito e pouco a quem tinha pouco, tentando satisfazer a todos. Quer dizer, estranhamente, setores empresariais não ficaram satisfeitos com os maiores lucros dos bancos na história; obras para empreiteiras se satisfazerem; empréstimos do BNDES e afins...

O discurso de Dilma sobre o "governar para todos" fica até legal para um governo eleito segundo o poder democrático vigente no Brasil - o de entrega da ação para alguém que irá te "representar", acredite... Porém, mostra o que teve que ser feito para que um Partido dos Trabalhadores assumisse o poder. Coalizão com partidos com os quais não se tinha ligação nenhuma e com setores de todos os tipos.

Basta ver José Sarney ainda lá, o mesmo que um dia fora muito criticado por Lula e Collor, aliás, este último também apoiou o Governo e pediu votos para Dilma; o PMDB sempre sedento de poder e, na minha opinião, o maior obstáculo de Dilma para este mandato; o simbolismo de ver Hillary Clinton ser seguida de Hugo Chávez para parabenizar a recém-empossada presidenta, mostrando a política de se dar bem com todo mundo...

No campo da comunicação, a presença de apenas um proprietário de meios de comunicação em meio a chefes de estado (?!) mostra que só muda a base televisiva de apoio, que continua a ser a da Record e não, historicamente, a ser global. Franklin Martins deixou uma proposta de regulação tímida, e ainda assim muito criticada pela grande mídia, mas que ninguém sabe como ficará, com a mudança do Ministério das Comunicações para o Paulo Bernando, cuja missão é mudar os Correios. Se a tendência é esperar continuidade, não mudará muita coisa, se é que vai mudar alguma. 

Dilma terá o conforto que Lula não teve no Congresso, porém, terá um sisudo Michel Temer como vice  no lugar do empresário um pouco menos simpático que o presidente, José Alencar. As discussões sobre as presidências da Câmara e do Senado já deram o sinal de que o PMDB não tem interesse em ver a manutenção do PT na presidência nos próximos anos e vários movimentos vêm sendo jogados pelos corredores políticos do país. Fora que, por mais que tente, não tem como ter a lábia do agora ex-presidente, em seu tratar com a população através de metáforas com assuntos que eles conhecem, quebrando protocolos,...

A presidenta não só terá sombra do presidente que saiu do cargo mais bem avaliado em pesquisas, pronto para voltar em 2014 se for necessário, como um jogo político ao qual ela, de perfil mais técnico, pouco conhece. No Brasil, sempre há cobras esperando para dar o bote, resta saber se Dilma terá mais sorte que Lula teve com seus principais cães de guarda.

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