sexta-feira, 1 de novembro de 2013

[Por Trás do Gol] Os proprietários

Acompanhei a maioria dos jogos do Brasil na Copa do Mundo FIFA sub-17, realizada nos Emirados Árabes Unidos. Uma seleção com bons jogadores, com um esquema tático interessante, mas que acabou voando num grupo facílimo na primeira fase e tropeçando desde as oitavas de final. A derrota numa incrível disputa de pênaltis (11 a 10 após 24 cobranças) para o México não tira os méritos do time comandado por Alexandre Gallo, ainda mais se comparado ao desastre do time sub-20, cuja campanha foi desastrosa no Sul-Americano da categoria. Mas o assunto não é exatamente esse.

O que me surpreendeu durante a campanha, especialmente nas partidas comentadas pelo Neto na Band, foi, além do exagero costumeiro do comentarista-apresentador exigindo não só que determinados meninos fossem aproveitados em seus clubes, mas até o centroavante Mosquito na Seleção principal (!!!), que time era dono de quem por ali.

CLUBES-BASE
Primeiro, há, reconhecidamente, alguns clubes que fazem um bom trabalho de base. No futebol contemporâneo isso vai além de ser formador de jogadores, como Bahia e Vitória foram com força nas últimas duas décadas (Daniel Alves, Hulk e David Luiz que o digam), é necessário ir além, criar garantias para que os jovens atletas possam ficar nos times. Nisso, São Paulo e Internacional são especialistas, a ponto de tirarem atletas da base de grandes rivais. O caso Oscar, que envolveu ambos, é só o exemplo mais estelar. Não à toa, uma série de clubes ameaça não jogar a Copa São Paulo do ano que vem em repúdio à presença do São Paulo, que seria o maior aliciador de atletas do Brasil - por mais que dentre os que ameaçam também haja quem já fora acusado do mesmo. 

Antes de ir para alguns casos curiosos, ver atletas dos dois citados, mais de Fluminense, Flamengo e Atlético-PR em seleções de base acaba sendo cada vez mais comum. O Santos, que vem de duas gerações de "Meninos da Vila", mas que possui contratos grandes com jogadores a partir dos 12, 13 anos, só colocou Gabriel (Gabigol) e Thiago Maia entre os convocados. Confesso que não gostei dos poucos momentos em que ele atuou, já que era reserva do flamenguista Caio, mas não recebeu crítica do comentarista supracitado nem mesmo quando perdeu o quinto pênalti da série, que daria a classificação brasileira às semifinais....

O Corinthians chegou a ter momentos mais profícuos. Basta lembrar que o time é o maior ganhador da Copinha. De jogadores brasileiros no exterior, necessário lembrar que Marquinhos, convocado por Felipão para os últimos jogos do ano, tem 19 anos e saiu (quase de graça) da base corintiana, passando pela Roma e seguindo para o PSG. E se Lulinha e Dentinho não deram certo, William, atualmente no Chelsea, é outra boa referência. Desta vez, ninguém do clube foi chamado, o que deve ser melhor observado.

AS VENDAS
Se minha memória não está falha, um clube só pode assinar contrato profissional com jovens a partir dos 16 anos, como ocorre via CLT. Só que a partir dos 14, pode-se assinar uma espécie de pré-contrato, de maneira a gerar vínculo do atleta com o clube. E é neste período de dois anos que empresários aparecem e prometem mundos e fundos para os jogadores, ainda embriões de promessas. Quando chegam aos 16, alguns pais/empresários querem salários profissionais para seguir, ameaçando com propostas do exterior (este é um caso clássico, matéria no Fantástico e rodando anos depois).

Em meio a sérios problemas financeiros, o Vasco teve como representantes o volante Danilo e o meia canhoto Índio. Danilo foi titular do Brasil durante toda a campanha e joga de forma semelhante a Paulinho, com boa marcação e saída de bola de qualidade. O diferencial é que ele foi vendido por 13,5 milhões de reais para um grupo de empresários portugueses que, assim que ele completar 18 anos, levarão o volante para o Braga, atual terceira força de Portugal.

O clube tinha 60% (!!!) dos direitos do jogador e torrou os seus 8 milhões para pagar o grupo profissional. Danilo foi disputado também pelo Liverpool, que é o destino atual de outra joia da Colina, Philippe Coutinho, que também mal teve tempo de atual pelo time principal cruzmaltino, por já estar vendido à Internazionale. Em meio à forte crise atual, o time foi obrigado a apostar em novos nomes da base, que já atraem investidores estrangeiros.

Outro caso curioso dentre os convocados é o do atual artilheiro da Copa, Boschilla. Atualmente no São Paulo, o jogador foi formado na base do Guarani, mas vendido por R$ 600 mil (!!!) para o tricolor paulista no final do ano passado. A antiga diretoria do clube campineiro teria doado cerca de 15 jogadores para um empresário provavelmente por não conseguir pagar os salários deles (pedidas de R$ 2 mil). Este é só o caso atual, outros jogadores bugrinos saíram com o clube com bem pouco dinheiro. O Guarani, campeão brasileiro de 1978, disputa atualmente a Série C do Brasileiro e a Série A2 do Campeonato Paulista.

PROBLEMAS, PROBLEMAS 
Há vários tipos de problemas neste caso. Óbvio que falar em questões de gerência amadora em meio ao futebol profissional é o mais comum. Um clube que não consegue se organizar para segurar os jogadores formados em casa pode se ver numa situação de não ter com quem jogar e, em meio a dificuldades de mercado para adquirir patrocinador, vender em caso de necessidade.

Lembrando que com a regra da FIFA de destinar percentuais de acordo com os anos de atividade nos clubes na formação, isso pode virar uma fonte de receita importante em negociações futuras. Dinheiro, literalmente, não esperado, mas que ajudaria muito. Quantos mais anos o atleta passar num clube, mais pode render, caso seja um craque, no futuro.

Só que para o futuro chegar, seria importantíssimo que os clubes investissem nas suas categorias de base. Quem sabe até com parte de negociações e com o dinheiro que aparece de "surpresa". O Vasco teve caso de morte de um jovem numa de suas escolinhas credenciadas. A base do Corinthians tem de buscar campos disponíveis porque onde eles treinavam é o local que está sendo erguido o estádio do clube. Isso porque estou citando os times grandes, imagina os "grandes regionais", como CSA e CRB aqui em Alagoas...

Há também problema de ordem jurídica. A liberdade que a "Lei Pelé" imaginava que daria para os jogadores, não necessariamente ocorreu. A fatia dos direitos dos atletas causa várias confusões, como a que deve seguir no caso Neymar, quando o Santos tentou burlar a parceria com a DIS (Grupo Sonda), fechando o recebimento do valor do jogador através de outros meios, como o ridículo amistoso em Barcelona.

Se uma pessoa física não pode ser dona de jogadores, cria-se um clube fantasma (Desportivo Brasil por aqui), registra-se nele e repassa para outro clube. Eu via nos guias da Placar do Brasileirão os casos desses empréstimos. Como imaginar que um clube emprestaria um atleta por 2 anos? Alguém de um nível de um Diego Souza, atualmente na Ucrânia? Não dá.

Como os empresários aliciam atletas desde crianças, prometendo mundos e fundos aos pais, ameaçando clubes, etc. É o tipo de coisa que deveria ter uma união entre os clubes para forçar mudanças. Porém, se um clube tenta se aproveitar da fraqueza do outro para conseguir jovens craques, como isso seria possível? Raposas de diferentes níveis soltas por aí, aproveitando-se do sonho de milhares de crianças e pais.

Difícil imaginar que essa situação mude. Assim, seguiremos vendo os nossos clubes vendendo promessas cada vez mais embrionárias, surpreendendo-nos com o fato de um fulano nunca ter jogado no profissional por aqui e despontar pelo mundo como craque, enquanto que a base só é utilizada quando não há outra solução, já que medalhão, ainda que em má fase, é melhore resposta a momentos críticos. 

Haverá um dia de termos uma seleção sub-17 só com jogadores que atuam "emprestados" por aqui?

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