sábado, 16 de fevereiro de 2013

Pode fechar a porta

Alguém que se dedica tanto ao trabalho que mal consegue perceber que a vida está indo ladeira abaixo. Filhos crescendo e sem maior ligação com ele, mulher que não está satisfeita com a relação, separa-se e arranja outro companheiro, até redundar na mudança de casa. Ah, com direito à morte do pai, a quem renegava. Muita dedicação ao labor diário, que requer ajudar outras pessoas a resolver seus problemas, e pouca, ou nenhuma, às questões internas.

Lendo assim, parece ser algo muito comum e cotidiano. Ainda mais nos tempos atuais, em que homens e mulheres têm - as mulheres até mais - que se esforçar cada vez mais, física e mentalmente, para o que paga as contas. Com os problemas mentais tornando-se também mais normais, em especial através de doenças como estresse e depressão. In treatment nos aproxima de cenários que na verdade já são de nosso convívio.

Cheguei a In treatment por indicação. No início do ano passado, uma das três séries que eu assistia tinha acabado, a outra acabaria ainda no primeiro semestre e uma pessoa me sugeriu a série estrelada por Gabriel Birne, vivendo o psicanalista Paul Weston. A série produzida pela HBO era uma das cerca de 30 versões criadas para a israelense Be Tipul e foi um sucesso de crítica durante as três temporadas que durou, apesar de não ter alcançado uma audiência razoável - no Brasil, a primeira temporada de "Sessão de Terapia", dirigida por Selton Mello, duplicou a audiência da GNT no horário de exibição.

Um modelo diferente era apresentado. De segunda a sexta-feira, no caso das duas primeiras temporadas - baseadas no que foi produzido em Israel -, víamos sessões de terapia. Sala fechada, cheia de livros e de barcos, com uma cadeira de frente ao sofá. Variações de câmeras com predominância do close em quem falava, fosse o psicanalista ou o paciente. Além de uma ou outra cena para mostrar o lado externo. Simples e, aparentemente, barato de se criar.

Ao contrário das séries que acabavam, uma cheia de aventuras nerds e outra com diagnósticos que garantiam vários efeitos especiais, In treatment teve como principal arma para atrair o espectador as relações humanas. Creio que partia de uma questão primordial: como será que aquele que tato escuta e sugere lida com os seus problemas?
PRIMEIRA TEMPORADA
A minha relação com a série foi conflituosa, especialmente na primeira temporada, a qual demorei para acabar de assistir. Não simpatizava com o protagonista por ser muito duro às vezes e por certa cegueira que a situação demonstrava, pela dificuldade de mudar a própria vida - como se eu fizesse isso facilmente... Se de segunda a quinta acompanhávamos as sessões de outros pacientes, cada um com um problema em particular, na sexta era a vez dele ser consultado. Ali, em frente à mentora Gina, a arrogância e destemperamento ecoava. E meus ouvidos não gostavam daquele som.

A personagem do terceiro dia da semana me chamou a atenção - e de várias pessoas que assistiram a série. Sophie (Mia Wasikowska) era uma ginasta estadunidense, com toda aquela pressão que parece ser "natural" para desportista desta idade naquele país e para este esporte. Pais separados. Devoção ao pai fotógrafo, que abandonara a família para trabalhar e conquistar modelos, e raiva da mãe, que sofreu com aquilo e nada teria feito para evitar. Acresce-se a isso uma relação que se mostra o tempo inteiro "estranha" com o treinador. Resultado: descobrimos que ela tentara cometer suicídio ao andar de bicicleta.

As mudanças de humor da garota ocorriam em questão de minutos à cada sessão. Paul demonstrava um carinho com a menina que estudava na mesma escola que a filha, mas sabia enxergava quando estava sendo testado. Aliás, esta é uma série que demonstra o quanto os psicanalistas são testados emocionalmente pelos seus pacientes - a última temporada tem um exemplo extraordinário de manipulação.

Só depois de algum tempo, ainda na briga para continuar a ver In Treatment é que me dei conta que a atriz que interpretava Sophie tinha feito Alice, na regravação de Tim Burton. Surpresa que serviu para admirar as diferenças de interpretação. Somos levados a um encantamento com Sophie, apesar de todos os problemas que podem surgir. Ao final, resta a saudade - na série, ela retornaria na fala de outra paciente na segunda temporada.

A primeira temporada também traz Laura (Melissa George), mulher atraente, com problemas em relacionamentos por conta da origem familiar e que declara-se a Paul, exigindo que ele retornasse aquela paixão em quase todo o instante, a ponto de se relacionar com um cliente de outro dia. Laura aparece justamente quando os problemas do casamento de Paul se exacerbam e ele fica na dúvida da traição ou não, em especial por conta dos limites da profissão - e do mal exemplo paterno que marcara a sua infância e, consequentemente, formação.

O desfecho, que aparece no episódio final da temporada, é interessante e muito surpreendente, principalmente porque Laura já não era sua paciente. Ela também "volta" na temporada seguinte através de outra paciente que provoca bastante o psicanalista e de outra na terceira temporada. Ainda que não sejam casos de "transferência" tão explícitos como com Laura, este é um elemento comum ao longo da série, mesmo que em momentos diferentes.

Por fim, as personagens chatas. O insuportável casal Jake e Amy, que o procuram para tirar a dúvida se querem ou não um novo filho após tanto tentarem e que causam sérios problemas a Paul, que tem muitas dificuldades em compreender o que ambos querem com a relação. Visivelmente um encontro de casal com um psicanalista dá muito trabalho, já que este precisa reconhecer cada um primeiro para depois entender como estes dois seres se relacionam.

Além deles, há Alex, piloto de caça estadunidense que acaba errando o alvo numa das guerras que o país se mete. Alex chega a ter um café jogado na cara após extrapolar os limites de provocação com Paul e ao final ainda coloca Paul numa situação que segue sendo explorada até a temporada seguinte, que gera dúvidas se o psicanalista tem mérito ou não para seguir na profissão, com direito à ação judicial.
SEGUNDA TEMPORADA
Não acompanhei a segunda temporada inteira porque com o fechamento do Megaupload ficou bem mais difícil conseguir achar as coisas pela internet, com os episódios do meio sendo perdidos. O modelo segue com os cinco dias e cinco sessões diferentes. Só que Paul já se separou de Kate - a quem tenta consulta com Gina, em casal, no final da temporada anterior - e se muda para o Brooklin, morando sozinho e com o fantasma do que ocorreu com Alex junto.

Desta vez não achei nenhum personagem muito irritante quanto os citados da temporada anterior. Mia é quem tenta provocar o homem Paul Weston, por já tê-lo conhecido muitos anos antes. É uma executiva de sucesso, mas que não teve filhos e viu seus pais terem um casal de gêmeas dez anos depois de seu nascimento. Problemas aos milhões em conseguir desenvolver uma vida social. Mais raiva à mãe e adoração ao pai e uma vida de novas buscas (erradas). Não cheguei a ver o que deu errado nas décadas anteriores entre ela e o psicanalista, mas foi algo que retornava sempre

April é uma jovem que busca ajudar várias pessoas, mas se isola quando mais precisa. Diagnosticada com câncer, não diz nada sobre a amigos e nem aos pais, transformando Paul no contato emergencial e no amigo que talvez precisava. Seguindo sua função, ele tenta manter os limites da relação de tratamento, mas, como sempre na série, acaba exacerbando por conta da necessidade emocional, constituída desde a infância, em ajudar os outros. Ainda assim, consegue ajudar April a sair das obrigações constituídas.

Oliver é outro personagem que coloca o emocional em prova. Os pais estão em processo de litígio e o menino crê que é por culpa dele. Realmente, se eu disse que não havia personagens tão irritantes nesta temporada, esqueci dos pais de Oliver. Entende-se a revolta do garoto e de Paul nas sessões em que ambos aparecem e nos fazem crer que importava mais a vida de cada um que o que o filho pensava. A série caminha para nos mostrar que nem sempre é possível ajudar determinados pacientes. Há coisas que fogem do controle do consultório.

Por fim, Walter é um CEO de uma empresa que se envolve num grande problema. Ele, olha a característica "comum" aí de novo!, dedica-se plenamente à empresa e vê que isso não foi o suficiente quando uma grande crise apareceu. Só que em vez de culpar os patrões a quem tanto ajudou, opta por se culpar, entrando um processo de depressão que bate as portas do suicídio. Além disso, Walter se culpa pela morte do irmão quando criança.

Ah, a temporada marca também o final da relação conturbadíssima de Paul com Gina, importante para que nós conhecêssemos e até entendêssemos Paul Weston, mas que não garantiu a porta aberta para ele voltar no futuro.
TERCEIRA TEMPORADA
A derradeira temporada é mais curta. Paul começa um novo relacionamento, mesmo sem ter certeza do que está a fazer, recupera-se da morte do pai - sem ele por perto - da temporada seguinte, vê o filho mais novo optar por morar com ele e fingir que não gosta do novo padrasto até deixá-lo na casa dele em definitivo e, além disso, se vê às voltas na dúvida de ter o Mal de Parkinson que acabou com a vida do pai. Vida conturbada? Imagina com os pacientes que vieram junto e com uma nova psicanalista.

Frances, a atriz retomando a carreira no teatro, mas que não consegue apresentar as falas nos testes, é irmã de uma antiga paciente de Paul, que está em estágio terminal de câncer de mama. Narcisista assumida, está separada do marido e tem inveja de Patrícia, porque a filha dela prefere sua irmã a ela, com quem pouco fala e muito exige. Frances tenta extrapolar os limites com Paul, que sempre reage negativamente. Um dos motivos seria o ciúme da irmã, por quem, talvez, ele tivesse sido apaixonado. Ainda assim, é a personagem que mais apresenta avanços significativos na temporada.

Jesse é um adolescente homossexual com distúrbio de atenção. Criado por pais adotivos, odeia a mãe, a quem destrata todas as vezes e tem medo do pai. Tende a desviar ao sexo os problemas do cotidiano, que se agravam com a dificuldade financeira em entrar numa faculdade de artes e ao recontato com os pais biológicos. Mais um final indesejado.

Sunil, indiano morando na casa do filho e da nora após a morte da esposa, é aquele personagem que no início parece que vai nos conquistar facilmente, assim como faz com Paul, mas que mostra outros lados não tão legais até o ápice do surpreendente final. A violência permeia o personagem. Seja a da relação entre os clãs indianos, que não permitiram que ele ficasse com um amor da juventude. Seja a de ser submetido a uma cultura diferente. Seja à relação com a nora, a quem desconfiava sempre e detestava. Seja, principalmente, o efeito de uma mente capaz de produzir uma história que eu confesso não saber onde estava a verdade e onde estava a mentira naquilo tudo - e olha que eu já tinha lido sobre o que ele iria fazer, mas não como seria.

As disputas com Adele são mais interessantes. É Paul que faz a "transferência" aqui e ela controla, desde o primeiro momento, a relação entre psicanalista e paciente. De início, Paul se surpreende pela jovialidade da profissional e faz questão de mostrar que Gina é excepcional. Depois, ele começa a ler o livro escrito pela sua mentora e pensa que um dos personagens foi baseado nele e passa a odiá-la, responsabilizando-na pela situação emocional que ele ficou.

Nos momentos finais, vemos um galanteador Paul e uma Adele irredutível em contar, mesmo que um pouco, sobre as suas relações pessoais, algo tão comum com ele - ainda, é verdade, em poucos momentos. O mistério e a segurança dela chegam a ter a nos causar dúvidas no final sobre o que ela acharia daquilo, mas os psicanalistas é que retornam esta pergunta nestas horas.

Se foi algum spoiler no meio do caminho, eu não sei, mas acho que quem acompanhou a série por inteiro ficaria agradecido se alguém desse o grande spoiler: o que ocorreu com o Paul após "fechar a porta" no final da conversa? Abandonou a profissão? Conseguiu se libertar e mudar?

5 comentários:

  1. fico feliz em saber que vc assistiu a série inteira. pelo que vc falava da primeira temporada, achava que não ia terminar.

    pra mim, a primeira temporada é a melhor por unanimidade. claro que as outras duas têm seu mérito por serem roteiro original, mas a laura e a sophie têm os melhores conflitos (adoro personagem com transferência erótica :P)

    das segunda e terceira temporadas eu juntaria os melhores personagens e faria uma temporada só!

    saudades :*

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    1. Das duas outras temporadas, gostei bastante da relação da Adele. Não gostava tanto da Gina, acho que a nova psicanalista foi bem melhor para ele e o jeito dela deixou várias dúvidas.

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    2. eu tb gostei muito da adele e ao mesmo tempo não a entendi completamente. a gina era insuportável e fazia o tal sorriso de gato que o paul falava. só isso que eu gostava nela.

      um detalhe: psicanalista é o psicólogo que usa a psicanálise como base teórica nas sessões. nem todo psicólogo é psicanalista. pelo que eu pesquisei logo quando comecei a assistir a série, o paul não seguia uma linha definida, usava elementos de várias escolas.

      sobre a adele, acho que ela também tinha influência da psicanálise, mas - assim como o paul -, não deve ser chamada de psicanalista.

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    3. Você tem toda a razão sobre psicólogo-psicanalista.

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