sábado, 2 de fevereiro de 2013

[Baú do Por Trás do Gol] A maior tragédia do futebol brasileiro: Dossiê 50

Esta semana eu vi a parte final da entrevista do jornalista Geneton Moraes Neto (Globo News e ex editor-chefe do Fantástico) no Observatório da Imprensa. O pernambucano é um grande entrevistador e dentre tantos assuntos abordados sobre o jornalismo, ele respondeu a Alberto Dines sobre quando tinha surgido a ideia de entrevistar os jogadores e o técnico da Copa de 1950. Sem ser pauta do local em que trabalhava no final da década de 1980, procurou os entrevistados, realizou as entrevistas em alguns Estados e publicou o livro posteriormente. Lembrei de ter escrito sobre a minha leitura do livro por conta da minha fascinação pelo mundial de 1950 no Por Trás do Gol, finado blog no Ole Ole. Abaixo reproduzo meus comentários (com alguma edição em relação ao que foi publicado no dia 11 de maio de 2010).

Não dá para apagar a nossa maior tragédia no futebol. Dizer que temos que aprender nas derrotas é mais do que um chavão de livros de auto-ajuda; no caso do esporte bretão praticado aqui no Brasil foi uma realidade e os cinco títulos mundiais posteriores a isso mostram o quanto perder aquela final foi importante.

Não tem como um apaixonado por futebol não se apaixonar pelas histórias de 1950, as verdades, os depoimentos de quem vivenciou, as lendas criadas em torno de um dia, 16 de julho de 1950, de um jogo, Brasil 1X2 Uruguai, que virou uma figura mítica brasileira. Poderia ser a metáfora para um país que sempre pôde ser grande, mas falhava nos momentos cruciais. Ser chamada de "A maior tragédia do futebol brasileiro", talvez até a maior tragédia de um povo que não vê o futebol como um simples esporte, merece um atenção mais especial até que nossos títulos.

Para começar, uma rápida análise do livro Dossiê 50: Os onze jogadores revelam os segredos da maior tragédia do futebol brasileiro (Objetiva, 2000), escrito por Geneton Moraes Neto.
DOSSIÊ 50
A obra tem um formato singular, traz um capítulo inicial com curiosidades de pessoas que participaram daquele 16 de julho de alguma forma como espectadores e até hoje tentam explicar o que aconteceu. A seguir, traz entrevistas com os doze homens "responsáveis" por aquele momento. Cada jogador que entrou no gramado do Maracanã naquela tarde e o técnico Flávio Costa nos oferecem as suas sensações, suas revoltas, suas histórias e seus pesadelos.

Nas primeiras páginas, e em baixa resolução, temos as imagens quadro-a-quadro do gol de Ghiggia, da bola
passando entre o goleiro Barbosa e a trave. Imagens que quem esteve lá não deve esquecer, quem ouviu não se cansa de relembrar a narração e quem não era vivo, como nós, já deve ter visto várias vezes.

O primeiro capítulo tem um título bem sugestivo e inteligente: "Silêncio! O Brasil está chorando". Ele traz relatos desde o do favelado que narrava todo dia no Maracanã a jogada do gol da derrota, a nomes da literatura, de quem viria a ser campeão mundial, de cineastas, de jornalistas, etc. Pessoas como Carlos Heitor Cony, Chico Buarque, Chico Anysio, o então soldado do Exército Zagallo, Luís Fernando Veríssimo, Mário Filho, Arnaldo Jabor e Nilton Santos.

O iniciante jornalista Mino Carta traz um relato importante, até antropológico, sobre o brasileiro que percebeu após aquela derrota:

"Em outros países, o futebol é importantíssimo. Mas torcer é um estado de espírito muito típico e muito característico do brasileiro: é a eterna crença no milagre, a crença no transcendente - uma espécie de fé levada às últimas conseqüências. Não é o ato de torcer para que o time ganhe. É algo mais" (2000, p. 31).

Por mais incrível que possa parecer para nós, hoje, Nilton Santos era reserva num período em que não se podia fazer substituições. Em seu depoimento para o livro, Nilton reclama que era lateral-esquerdo mas fora convocado como reserva do lateral-direito e capitão Augusto. Flávio Costa queria que ele desse bicões.

Nilton saiu de campo assim que Schiaffino, em jogada de Ghiggia pela esquerda, empatou o jogo no segundo tempo, por pressentir algo ruim e saber que realmente era ao "ouvir" o silêncio. "Digo que não foi o Uruguai que ganhou. Nós é que perdemos. Durante o jogo saí porque tive um pressentimento" (Ibid., p. 35).

Algumas pessoas enxergaram os culpados pelo público: Barbosa, principalmente (cuja sentença foi maior que o máximo permitido em lei, como o mesmo dizia); Bigode e Juvenal. Nelson Rodrigues destacou o fato de só os negros terem recebido a culpa pela derrota, numa demonstração de que por mais miscigenada fosse a nossa sociedade, ainda estava presa a preconceitos escravocratas.

Geneton Moraes Neto (Ibid., p. 39) questiona:

"Que derrota é essa que faz dramaturgos articularem explicações tardias; que trauma é esse que faz cineastas tentarem inutilmente mudar o curso dos fatos; que dor é essa que faz compositores engendrarem teses sobre as paredes do Maracanã; que tragédia é essa que faz críticos de cinema cumprirem o papel de pesquisadores de futebol; que pesadelo é esse que faz ex-jogadores acordarem, suados, no meio da noite, sem saber que o gol que salvaria o Brasil é sonho ou real?"

Uma derrota que tem como crítica geral a mudança da concentração de afastada região na Barra da Tijuca para o Estádio de São Januário, cercado de indústrias e com presença constante de políticos fazendo o que mais sabem (aproveitar da imagem de quem vai bem e prometendo coisas).

Em compensação tem lendas que transformaram o dia em mito: Os jogadores tiveram que empurrar o ônibus, que parou no meio do caminho? Houve discussão interna por jogadores não quererem dividir os prêmios individuais? Flávio Costa teria pedido para os jogadores não entrarem duro na marcação? Por isso que Bigode levou um soco do gritador Obdúlio Varela, se é que levou? Os torcedores tiveram culpa fundamental por terem ficado calados quando o time mais precisava? Houve vingança no ano seguinte ou só em 70? Tem como haver vingança?

Os jogadores e o técnico respondem, cada um à sua maneira, algumas dessas respostas e colocam outros pontos do mito Copa de 1950. Destaque para o craque Zizinho - ídolo de Pelé -, que afirma ter uma ligação sobrenatural com o capitão rival, Obdúlio Varela.

Um episódio que não foi transmitido pela televisão, que seria "inaugurada" dois meses e dois dias depois, apenas por um câmera atrás de um dos gols. Um dia que serviu para mudar até a camisa da Seleção para a canarinho tão característica na história do futebol.

16h39, num Maracanã mais que lotado (mais de 200 mil torcedores). O horário em que Ghiggia calou 10% da população do Rio de Janeiro e começou a transformar onze deuses em onze anti-heróis.

De pé, da esquerda para a direita: Barbosa, Augusto, Danilo, Juvenal, Bauer e Bigode; abaixados, Friaça, Zizinho, Ademir, Jair, Chico e o massagista Mário Américo
FRASES E PERSONAGENS
Veja os personagens e títulos dos capítulos seguintes:

2. BARBOSA (g): "Ghiggia, o Papa e Frank Sinatra calaram o Maracanã. Eu também calei".

3. AUGUSTO (ld): "Eu seria o primeiro brasileiro a levantar a taça. Mas tudo é sonho".

4. JUVENAL (z): "Não é possível que o Brasil não tenha feito o gol de empate".

5. BAUER (m): "Vim para ser campeão. Voltei a São Paulo no chão do trem".

6. DANILO (m): Parecia o presidente da República descendo do carro, vaiado. Mas era eu chegando em casa depois da derrota".

7. BIGODE (z): "O que fizeram comigo foi uma covardia, uma injustiça. Não levei tapa do capitão do Uruguai".

8. FRIAÇA (a): "Fiz 1X0 na final da Copa. Ali nós já éramos deuses".

9. ZIZINHO (a): "Meu sonho era assim: a gente ainda iria jogar contra o Uruguai. Aquilo que aconteceu era mentira".

10. ADEMIR (a): "Um menino queria me ver no hospital. Passei a noite pensando: eu sou um santo? Eu sou Deus?".

11. JAIR (a): "Você sai do campo, atravessa o túnel, chega ao vestiário, tira a roupa e começa a chorar".

12. CHICO (le): "Tive um pressentimento estranho. Quando o Brasil entrou em campo, a derrota já estava escrita".

13. FLÁVIO COSTA (téc.): "Nem o general Solano López teve de explicar tanto a derrota para o Brasil na Guerra do Paraguai".

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